sábado, 28 de setembro de 2024

Setembro Amarelo: Campanha de conscientização sobre o tema suicídio

 




Paulo Cugini

 

Na tarde de sábado, 28 de setembro, a paróquia de San Vincenzo de Paoli, que acompanho há cerca de um ano, realizou uma ação de sensibilização para as pessoas que tentam o suicídio. O evento contou com o apoio de algumas entidades da Arquidiocese e, em especial, do SAPFAM (serviço de assistência psicológica da Arquidiocese), do Projeto Vida Ativa e do nosso Projeto Margens. As sete comunidades participaram preparando faixas, cartazes e muita animação.

10 de setembro é oficialmente o Dia Mundial da Prevenção do Suicídio. Em 2024 o lema é “Se precisar, peça ajuda!”.

O suicídio é uma triste realidade que afeta o mundo inteiro. De acordo com a última pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde – OMS em 2019, foram registrados mais de 700 mil suicídios em todo o mundo. No Brasil ocorrem aproximadamente 14 mil casos por ano, ou seja, em média 38 pessoas cometem suicídio por dia.

Embora os números estejam a diminuir em todo o mundo, os países das Américas estão a contrariar esta tendência, com as taxas a continuarem a aumentar, de acordo com a OMS. Sabe-se que praticamente 100% dos casos de suicídio estão ligados a doenças mentais, em sua maioria não diagnosticadas ou tratadas inadequadamente. Portanto, a maioria dos casos poderia ter sido evitada se esses pacientes tivessem acesso a cuidados e informações psiquiátricas de qualidade.



O bairro Compensa de Manaus é tristemente famoso neste assunto, devido à ponte construída em 2011 sobre o Rio Negro e de onde várias pessoas tentam o suicídio saltando do ponto mais alto. Ainda hoje, dia da manifestação, de manhã um homem atirou-se da ponte e, à tarde, uma jovem de 26 anos foi parada a tempo pela polícia, que foi chamada ao local.

A paróquia de San Vincenzo de Paoli é muito sensível ao problema e, por isso, há anos ativa um serviço psicológico gratuito com duas psicólogas. A Arquidiocese de Manaus também está muito atenta ao tema, especialmente na figura de Monsenhor Hudson, recém-eleito bispo auxiliar de Manaus e, á dois anos, Reitor da Faculdade Católica do Amazonas. Don Hudson, sendo psicólogo entre outras coisas, criou um grupo de pessoas que estão em rede com psicólogos que trabalham nas paróquias, para acompanhar o grande sofrimento mental encontrado na região.



Dados de suicídio

O suicídio é um importante problema de saúde pública, com implicações para a sociedade como um todo. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde – OMS, todos os anos morrem mais pessoas por suicídio do que por VIH, malária ou cancro da mama – ou por guerras e assassinatos.

Entre os jovens de 15 a 29 anos, o suicídio foi a quarta principal causa de morte, depois de acidentes de trânsito, tuberculose e violência interpessoal. Trata-se de um fenômeno complexo, que pode afetar indivíduos de diferentes origens, gênero, cultura, classe social e idade.

Segundo dados da Secretaria de Vigilância em Saúde divulgados pelo Ministério da Saúde em setembro de 2022, entre 2016 e 2021 houve aumento de 49,3% nas taxas de mortalidade de adolescentes de 15 a 19 anos, chegando a 6,6 por 100 mil, e 45% entre adolescentes de 15 a 19 anos. de 10 a 14, chegando a 1,33 por 100 mil.

Segundo dados divulgados no site do evento Setembro Amarelo, no Brasil, 12,6% de cada 100 mil homens morrem por suicídio, em comparação com 5,4% de cada 100 mil mulheres. As taxas entre os homens são geralmente mais elevadas nos países de rendimento elevado (16,6% por 100.000). Para as mulheres, as taxas de suicídio mais elevadas registam-se nos países de baixo e médio rendimento (7,1% por 100.000).

Atualmente, apenas 38 países possuem uma estratégia nacional de prevenção do suicídio.

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

PORQUE O POVO SE ENTREGA TÃO FACIL E POR TÃO POUCO?

 




Análise da sociedade dos urubus

 

 Paolo Cugini

 

 

A pergunta é daquelas de tirar o sono. Pelas pessoas que lutam pela justiça, que não engolem tamanha corrupção, por todos aqueles e aquelas que buscam a realização de um mundo mais justo e mais fraterno, não dá pra entender o porquê do comportamento do povo, que entrega as prefeituras a um bando de incompetentes e sem vergonha, que saqueiam o cofre publico com a maior cara de pau, beneficiando a si mesmo e os próprios familiares, não se importando do sofrimento do povo.  Pesquisando na internet sobre a situação sócio-política das cidades das regiões do Norte e do Nordeste brasileiro, tão massacrado e humilhado por um grupo de políticos corruptos e sem escrúpulo percebe-se que é raro encontrar um município dirigido por pessoas competentes e que trabalham para servir o povo e não para encher o próprio bolso (estou falando somente dos políticos corruptos, pois, graças a Deus, temos também políticos de grande competência e moral),.

 De um lado, então, temos todo um povo que não pensa dois minutos para vender o próprio voto ao primeiro oferente, do outro temos toda uma turma esquisita de políticos (?) que não têm receio nenhum a comprar o voto do povo pra depois fazer o que quiser com o dinheiro publico. A pergunta simples é esta: por quê? Porque o povo não pensa as conseqüências da própria entrega aos corruptos? Porque o povo fica satisfeito por um brinde, que não dura três dias e passando depois necessidade pelo resto dos quatro anos? Porque o povo acha legal ganhar uma mixaria, entregando na bandeja o Município a um bando de corruptos?

De fato, aquilo que assistimos neste ano de eleições é uma verdadeira loucura. É festa pra lá, churrasco pra cá, argolinha, jogo de bola, carreatas, ou seja, toda uma serie de atividade que, de uma certa forma, não tem nada a ver com a política. O objetivo claríssimo é juntar gente naquilo que o povo mais gosta, ou seja, uma festa com muita cerveja e cachaça, e ali esbanjar sorrisos, fazer uma média com um povo alienado, acostumado a viver das migalhas que o poder espertamente, aprendeu a distribuir nas horas certas. E ali vai se perpetuando todo um costume, todo um estilo de vida que deixa todo um povo com o gostinho na boca de algo de bom, mas que depois, acordando na segunda feira, percebe que de bom tem somente a lembrança daquilo que foi.

 A pergunta nessa altura é esta: como é possível passar a vida toda mergulhados neste nada? Como é possível não enxergar o engano que está por trás da palhaçada das eleições? Paciência ser enganado uma vez, mas como é possível que o povo se deixe enganar sempre e, sobretudo, com alegria, como se fosse algo de legal? Como é possível não enxergar que atrás do candidato da vez, está escondido um lobo, que está visando nada mais que o cofre publico e cujo pensamento é saber o quanto poderá botar no seu bolso com a aprovação do povo? Como é possível depois de tantas décadas, não entender que atrás das inaugurações realizadas nos últimos meses antes das eleições, existe todo um projeto, existe todo um esquema, existe todo um pensamento negativo que visa botar fumaça nos olhos do povo, para que não lembre nada, para que não recorde o nada que foi realizado nos anos anteriores?

Do outro lado, podemos perguntar pensando aos falsos políticos (isso quer dizer que temos também bons políticos, graças a Deus): como é possível ficar tão insensíveis roubando o dinheiro do povo pobre? Come é possível permanecer com o coração tão duro e ruim, a ponto de não sentir nada roubando o dinheiro que deveria servir para comprar alimentos para crianças carentes? Como pode acontecer que uma pessoa não sinta absolutamente nada tirando da boca o pão do pobre, para satisfazer os próprios vícios? Que cara de pau é esta?



É todo um sistema podre se perpetuando no tempo, com pobres acostumados a cobrar aos políticos migalhas para sobreviver e festas para esquecer a sensação péssima de não ser nada e, do outro lado, pessoas sem escrúpulos, que exigem e adoram de serem chamadas de políticos ou doutores, que vivem da carniça do povo pobre. É a sociedade dos urubus, uma sociedade que fede, uma sociedade que, na realidade, sociedade não é, pois pra ser sociedade um povo precisa pelo menos se respeitar, que é aquilo que não está acontecendo. A “sociedade” dos urubus é o sistema da não vida, do costume de viver sem futuro, sem sonhos, entregando esta nobre atividade para um grupo de pessoas acostumadas a pisar sobre os direitos do povo com a maior cara de pau do mundo. Na “sociedade” dos urubus o tempo parece eterno porque é sempre a mesma coisa, porque não tem nada pra fazer. É só esperar a morte chegando e os urubus se aproximando. Na “sociedade” dos urubus o povo vale na medida que engorda pra depois morrer e servir como alimento dos urubus que pairam no ar na espera da refeição.

 

Problema: é possível sair da “Sociedade” dos urubus? É possível transformar a “sociedade” dos urubus em sociedade de gente? O que precisa fazer pra sair dessa?

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

O vergonhoso espetáculo da politicagem nos anos de eleições municipais

 




 

 

Paolo Cugini

 

Nos anos das eleições municipais não importam as ideologias, os programas, os projetos: que nada! Importa é ganhar e acabou.

Sabemos como acontece a compra de voto. O candidato passa nas casas e pede para o povo pegar uma cesta básica naquele mercadinho cujo dono já sabe de tudo. Às vezes a mercadoria é levada de antemão num lugar, numa casa de noite para o povo buscar. Procuramos o povo para testemunhar o ato de corrupção, mas se negam para este ato de justiça civil. O desastre social e moral que este tipo de porcaria política está provocando é arrasador. E pior ainda perceber que os “políticos” não estão nem ai: querem ganhar a qualquer preço, seja o que for.

Que povo é este que vende o próprio voto por uma cesta básica? São os pobres coitados acostumados a viver recebendo de graça as migalhas do governo o do político da vez. Na realidade, não se trata de uma pobreza apenas material, mas, sobretudo cultural e espiritual. Cultural porque, o estilo de político corrupto que ganha as eleições comprando votos, coloca na cabeça deste povo que a vida para os pobres é assim mesma, uma vida feita de nada e uma sociedade na qual existe quem tem e quem não tem nada. Os poucos que têm algumas coisas se alimentam com a multidão que não tem nada. Os pobres são essenciais por estes parasitas de políticos que ganham um dinheiro bravo sem fazer nada. É também uma pobreza espiritual porque dificilmente uma pessoa que tem Deus no coração, que ama a Deus aceitaria de vender o próprio voto, a própria liberdade por algo de material. E aqui vem o grande paradoxo: num País lotado de igrejas, assistimos à maior desigualdade do planeta. É verdadeiramente estranho este dato, que deveria provocar uma reflexão. Que tipo de espiritualidade estamos gerando nas nossas capelas se não somos capazes, nos anos das eleições municipais, reverter esta lógica da compra de voto, que gera corrupção?

Que mundo é este? Estamos nas mãos de quem? Quem é que está tomando conta do povo? Pessoas sem escrúpulos sedentas de dinheiro e de poder, que para alcançar isso são dispostas a tudo, passam por cima de tudo, dos sentimentos, da moral, de Deus.

terça-feira, 17 de setembro de 2024

MIGUEL CALMON História de uma experiência pastoral na Bahia

 


Paolo Cugini junto ao bispo de Reggio Emilia, dom Adriano, visitando Miguel Calmon no ano 2000


Paulo Cugini

 

Cheguei em Miguel Calmon no dia 11 de fevereiro de 2000 à tarde. Era uma sexta-feira. Entrei na igreja onde estava acontecendo um casamento com algumas pessoas. No domingo celebrei a missa da manhã e da tarde. Fiquei impressionado com o pequeno número de presenças. Na segunda-feira comecei a visitar os bairros de Miguel Calmon: queria perceber aonde tinha chegado. Fiquei imediatamente impressionado com a situação de pobreza e abandono dos bairros. Foi como se ninguém, ao longo do tempo, tivesse pensado a estas famílias que encontrei. Afinal, eu estava no Brasil há pouco tempo e ainda estava atordoado com a grande desigualdade que percebi. Em poucos metros avistavam-se casas muito pobres e, do outro lado da rua, bairros muito bonitos e bem cuidados. Miguel Calmon não fugiu à regra. A poucas centenas de metros ficava o bairro muito bem estruturado onde moravam o médico, o comerciante e o prefeito e, do outro lado da rua, o bairro Populares, muito pobre e desolado. Com meu amigo Gianluca, a quem liguei para vir me ajudar, decidimos ir morar no bairro Populares. Queríamos seguir os passos de Jesus, que, de rico, tornou-se pobre, como nos lembra São Paulo (2 Cor 9,10), e compreender a cidade não a partir do centro, onde se situava a casa paroquial, mas a partir da periferia, como fizera Jesus, que não nasceu em Jerusalém, mas na periferia, em Belém. É a partir deste observatório particular, vivendo por cinco anos sem luz e com água racionada, como os habitantes do bairro, que fizemos as nossas escolhas pastorais, que seguiram em três direções.

Saudade desta turma


Em primeiro lugar, a atenção aos pobres, o que significou uma visita sistemática e constante a mais de sessenta comunidades da zona rural e onze comunidades dos bairros da cidade. No segundo ano da minha estadia em Miguel Calmon, dividi a zona rural em oito regiões. Isso me permitiu visitar cada comunidade uma vez a cada dois meses. Saia na segunda à tarde e voltava na sexta à noite. Foi uma verdadeira imersão na vida das pessoas das comunidades. Cada dia visitava uma comunidade da região onde passava a semana. Comia e dormia em suas casas, compartilhava suas experiências. Na verdade, perguntei-me como era possível celebrar a Eucaristia, que na perspectiva de Jesus é uma refeição entre amigos, se não houvesse um mínimo de aproximação com as pessoas com quem celebrava. Viver em comunidades permitiu-me, ao longo do tempo, compreender os reais problemas das pessoas e das comunidades e sentir que estava em caminho com elas. Nas experiências pastorais realizadas na Itália sempre abri as portas da casa paroquial aos pobres, especialmente aos estrangeiros de origem africana. No Brasil foi o contrário: deixei que me hospedassem. Foi um verdadeiro banho de humanidade.

Olha a dupla em ação


A segunda escolha feita junto com Gianluca foram os jovens. Não poderia ser diferente. O bairro Populares, onde morávamos, estava lotado de crianças e adolescentes. Gianluca sempre teve o dom de saber lidar com crianças e isso também aconteceu no Brasil. No bairro onde morávamos e onde construímos uma das 14 capelas construídas nos cinco anos passados ​​em Miguel Calmon, considerando as construídas nos bairros da cidade e as da zona rural, Gianluca criou vários projetos voltados especialmente para os adolescentes. Na cidade o projeto mais significativo foi o coral. Em poucos meses Gianluca montou um coral com cerca de 150 crianças e adolescentes, que se reuniam duas vezes por semana, não só para ensaiar as músicas, mas também para treinar, auxiliados por um grupo de jovens. De minha parte, trabalhei na formação de grupos de jovens tanto nos bairros como na zona rural. Aos poucos, foi sendo visível a presença dos jovens na vida da paróquia. Lembro-me que no domingo, a missa da noite estava lotada de gente e de muitos jovens. Foram alguns deles, que naquela época estudavam na Universidade Jacobina, que nos pediram de comprar alguns livros. Os pobres não têm dinheiro para comprar as coisas necessárias, muito menos para comprar livros. A ideia de uma biblioteca para satisfazer as necessidades culturais dos jovens de famílias pobres, nasceu exatamente assim. Lembro-me das jornadas de estudo realizadas nos novos espaços da biblioteca, situada no primeiro andar do centro paroquial de São José, construída com a contribuição de amigos italianos. Também foram muito bonitos e intensos os dias de espiritualidade realizados na casa paroquial de Tapiranga, que enchi de beliches, justamente para acolher os jovens que vinham participar destas experiências espirituais.

Na frente da casa no bairro das Populares


A terceira escolha que marcou minha presença em Miguel Calmon foi a formação. Gosto de ajudar as pessoas que encontro no meu caminho, a compreender melhor o Mistério em que acreditamos: Deus que veio entre nós. Assim que cheguei em Miguel Calmon, encontrei um estudo bíblico semanal na cidade, que estruturei e incentivei. Foi impressionante descobrir, quando voltava das comunidades nas noites de sexta-feira, quase uma centena de pessoas dos bairros da cidade reunidas no salão paroquial, para meditar sobre um capítulo da Bíblia. Além deste momento semanal fundamental, tinha criado um mensal, aos domingos, para a formação teológica de leigos e leigas que, de diferentes formas, se empenharam no serviço às comunidades, tanto na cidade como na zona rural. Sempre fiquei muito impressionado com a grande participação nesses momentos de formação. Juntos estudamos os artigos do Credo, a história e a teologia dos sacramentos, os principais documentos do Concílio Vaticano II e muito mais. Caminhamos juntos ouvindo a Palavra de Deus e o Magistério da Igreja. É por isso que, depois de cinco anos de caminhada, havia tanta harmonia entre nós. Momentos formativos de grande importância foram os retiros espirituais com adultos e jovens, nos tempos fortes da igreja, nomeadamente o Advento e a Quaresma. O curso de formação política de 2003, tanto para candidatos como para cidadãos, foi fundamental neste processo de formação. Os jovens do Movimento Fé e Política foram uma presença maravilhosa no processo eleitoral de 2004, demonstrando com grande entusiasmo o desejo por um mundo mais justo e menos desigual.

Encerro esta breve narração com uma experiência pessoal. Só Deus sabe quanta alegria provocavam em mim as missas dominicais celebradas na igreja de Miguel Calmon. Todos os domingos à noite, durante a missa, parecia colher os frutos do trabalho pastoral realizado nas comunidades, encontrando muitas pessoas e muitos jovens. Era lindo olhar para os muitos rostos presentes e descobrir que, lentamente, domingo após domingo, eles foram passando do anonimato à identidade, porque os reconhecia um por um e ainda hoje os carrego todos no coração.

domingo, 15 de setembro de 2024

Quando a religião mexe com sociedade e a política

 





A ROMARIA MARIAL DE IPIRÁ


Paolo Cugini

 

 

A caminhada da Igreja Católica no Brasil, desde os anos ’70 do século passado e, sobretudo, depois do Concilio Vaticano II (1962-65), se caracteriza por uma busca da ligação entre fé e vida. As Comunidades Eclesiais de Base (Cebs) foram o berço de uma experiencia de igreja incarnada na realidade, caminhando perto do povo, sobretudo os mais pobres e excluídos. É verdade que a caminhada atual da Igreja do Brasil, mudou o foco, tornando-se mais carismáticas, renunciando ao compromisso sociopolítico que a caracterizou no começo da caminhada. Apesar disso, as características principais das Cebs, como o engajamento dos leigos, a ministerialidade, a centralidade da Palavra permanece ainda hoje como um estímulo pela Igreja do mundo todo.

As grandes manifestações religiosas, como as romarias, sempre foram eventos e ainda hoje são, que envolvem não apenas o povo das comunidades, mas também pessoas que manifestam a própria religiosidade de forma espontânea, sem ser necessariamente ligada a uma caminhada de Cebs ou de paróquia. Romarias como de Padre Cicero ou de Bom Jesus da Lapa, que reúnem milhares de fiéis, atraem pessoas simples cuja devoção os leva a buscar lugares considerados sagrados, ponto de referência dos caminhos espirituais dos fiéis das mais variadas proveniência e pertença.

A Romaria Marial de Ipirá, sendo um evento organizado pela equipe paroquial, envolve quase exclusivamente o povo das comunidades, aliás é o evento que marca o caminho anual das Cebs desta paróquia. Este evento nasceu nos anos ’80, numa época de grandes tensões sociais, ligadas sobretudo ao problema da terra, do latifúndio. A diocese de Ruy Barbosa dos anos ’80, era muito sensível ao grito do povo das comunidades, que clamava por um pedaço de terra, numa região castigada pela seca e pela corrupção política. Padre Riccardo Camellini, um padre italiano que, naquele período, era pároco de Ipirá, em linha com a caminhada da diocese, abraçou a causa e orientou a Romaria Marial como um evento que, envolvendo as Cebs da paróquia, representasse, também, um grito pela terra. Como se deram os eventos não cabe a mim narrar. Aquilo que importa é o marco de luta social e política que, uma manifestação religiosa de grandes proporções, como a Romaria Marial, tomava naquela época, manifestando publicamente que, a capela da comunidade não era um lugar fechado em si mesmo, mas sabia traduzir em lutas sociais aquilo que escutava no Evangelho.

Com a virada carismática da Igreja do Brasil, também a Romaria Marial de Ipirá mudou de sentido, focando exclusivamente na dimensão religiosa. Sem dúvida esta mudança de rumo, afetou a caminhada das Cebs, que perderam o marco importante do profetismo visualizado nas denúncias contra o poder político corrupto e a arrogância dos latifundiários locais, totalmente insensíveis no que concernia a pobreza do povo. Dava até medo, nos dias de Romaria, ver caminhões lotados de fiéis, com bandeira, faixas e cartaz, manifestando a própria indignação contra uma desigualdade, que não permitia uma vida digna para a maioria das pessoas. Maria, mãe de Jesus, mãe pobre e exilada quando Jesus era criança, era identificada como protetora, pois ela mesma tinha passado pelo sofrimento da humilhação dos poderosos. Não a caso, o cântico Magnificat, lembra que Deus: Manifestou o poder do seu braço: desconcertou os corações dos soberbos.  Derrubou do trono os poderosos e exaltou os humildes.  Saciou de bens os indigentes e despediu de mãos vazias os ricos (Lc 51-53). Existe uma espiritualidade bem fundamentada na Bíblia, que não precisava de grandes explicações exegéticas, porque o povo simples das Cebs, pela maioria camponeses, agricultores, entendia muito bem que Maria era com eles, apoiava a causa dos pobres e humilhados. A Romaria Marial dos primeiros tempos, em Ipirá, representava esta grande intuição evangélica: Deus está sempre do lado dos pobres, dos injustiçados.

Não é um caso que, no mesmo Brasil, depois da experiencia negativa da ditadura militar, no 1989 nasceu o Movimento Nacional Fé e Política com o objetivo de alimentar a dimensão ética e espiritual que deve animar a atividade política. Deixar-se animar pelo Espírito de vida, é a essência do Movimento Fé e Política, “que não propõe diretrizes para ação política dos cristãos, nem se comporta como se fosse uma tendência político-partidária, mas que luta pela superação do capitalismo por meio da construção de um sistema sócio-econômico solidário e respeitoso da vida do Planeta”.[1] Este Movimento, que se espalhou em todo o território Nacional e até mesmo na Bahia, ajudou bastante e continua a formar as consciências dos cristão[2] que desejam levar na sociedade as indicações assimiladas na leitura do Evangelho feita na comunidade. É isso que falou Frei Betto, um dos fundadores e assessores do Movimento que, no último encontro afirmou que: “O Reino de Deus é a proposta para o futuro da humanidade. Jesus não estava falando lá de cima, mas aqui na terra. Que o seu reino venha até nós. O Reino para Jesus indica a relação no amor e na partilha dos bens. Compartilhar os bens da terra e os frutos do trabalho humano. Até que a humanidade compartilhe os bens da terra, não realizaremos o Reino de Deus”[3].

 

 



[2] O XII0 encontro Nacional do Movimento Fé e Política aconteceu em Belo Horizonte no mês de abril 2024: https://fepolitica.org.br/12-encontro-nacional-2/

[3] ´possível encontrar um relatório do XII encontro do Movimento Fé e Politica neste site: https://matutan.blogspot.com/2024/04/12-encontro-nacional-de-fe-e-politica.html

sábado, 14 de setembro de 2024

PROJETO MARGENS A que ponto se encontra?

 




 

Paulo Cugini

Cerca de seis meses após a apresentação da proposta, consideramos importante fazer uma avaliação inicial. A razão do nome. Margens em português significa margens e refere-se ao Rio do Amazonas e a todos os rios que atravessam o território amazônico. Nas margens desses rios vivem muitas pessoas, os chamados ribeirinhos, que se encontram dentro de comunidades que surgem às margens dos rios. A paróquia de São Vicente de Paulo, que administro há cerca de um ano, é formada por sete comunidades, três das quais fazem fronteira com o Rio Negro, grande afluente do Rio Amazonas, e as outras quatro são muito perto. Possui uma população de aproximadamente 35 mil habitantes. O bairro Compensa é famoso por estar localizado em uma das chamadas áreas vermelhas de Manaus, vermelha porque é perigosa. A situação geral de pobreza aliada aos problemas de segurança, levou-nos a desenvolver, com um querido amigo italiano, um projeto à longo praz, que pode intervir a vários níveis para a promoção cultural e social da população local.

Um primeiro nível de intervenção é o apoio a projetos de sensibilização sociopolítica já presentes no território paroquial, mas pouco incentivados. Nos últimos meses acompanhamos quatro deles:

a.      Faça bonito. É um evento de conscientização contra o abuso infantil, uma verdadeira praga por aqui. Ajudamos em algumas despesas – camisetas, banners, panfletos – para viabilizar o evento. O evento contou com o envolvimento de crianças, jovens e adultos das sete comunidades

 


b.      Movimento de fé e cidadania. Quando cheguei esse movimento, nascido na década de 1980, estava desativado há duas décadas. Tendo em conta as eleições municipais, que se realizam neste ano e que provocam muitos conflitos nas próprias comunidades e muitas vezes divisões no seio das famílias, devido à corrupção política, que entra nas classes pobres, oferecendo de tudo para comprar o voto dos pobres, temos decidido reativar o Movimento. O projeto Margens veio com financiamento significativo, pagando camisetas, 5 mil exemplares da lei 9.840 contra a corrupção eleitoral, ônibus para movimentação de integrantes do Movimento. Além de um curso de formação, realizamos cinco eventos em que membros do Movimento foram de casa em casa para distribuir o texto da lei e realizar teatro de rua sobre o tema em questão.

 


c.       Setembro amarelo. É um projeto brasileiro de prevenção ao suicídio. A paróquia está muito atenta ao tema, até porque, após a construção da ponte sobre o Rio Negro, os suicídios aumentaram dramaticamente. Há um grande sofrimento mental na região. Dom Hudson decidiu que a nossa paróquia realizará um evento diocesano no último sábado de setembro, para sensibilizar a população sobre o tema. O projeto Margens entra com financiamento para suportar alguns custos do projeto.

 

d.      PASCOM: é o nome da pastoral que ajuda a divulgar os acontecimentos das sete comunidades. O projeto Margens interveio através da aquisição de uma máquina fotográfica, que também será utilizada para ativar cursos de fotografia, quando os espaços estiverem prontos.

 


e.       PJ: é a sigla da Pastoral Juvenil. Com a Margens intervimos com bolsas de estudo para permitir aos jovens o ingresso nos cursos de teatro, música e dança ativados pela paroquia, e adquirir parte do material que foi utilizado nos bailes juvenis (quadrilhas) realizados nos meses festivos de Junho e Julho. .

 


f.        Projeto de assistência psicológica. A situação precária da região levou-nos a decidir envolver duas psicólogas - Vanessa e Wanilda - para atender às necessidades de muitas pessoas que pediam ajuda. Margens juntou-se ao projeto para arrumar o quarto e comprar alguns livros e jogos para os menores que são acompanhados.

 

As psicologas Vanessa e Wanilda

Outro tipo de intervenção foi financiar algumas ferramentas que poderiam ser utilizadas pela comunidade para realizar um serviço social específico.

1.      Comunidade São Pedro. Situado na zona mais perigosa da paróquia, com o projeto Margens contribuímos para a compra de uma cerca de arame farpado para colocar no portão. Além disso, financiamos a compra de um bebedouro que é utilizado quando a comunidade recebe funcionários municipais, que realizam jornadas com enfermeiros e médicos para vacinar a população e outros tipos de serviços médicos gratuitos.

 


2.      Santo Inácio. Precisáva de uma fritadeira para vender alimentos e arrecadar fundos e por isso intervimos para adquiri-la.

 


3.      ão Vicente. Substituímos a antiga cozinha por uma nova, que serve para preparar comida dos eventos da comunidade e da paróquia.

 


Um terceiro nível em que intervimos e continuaremos a intervir é a disposição de alguns espaços. A intuição dos colaboradores do projeto Margens não foi construir nada específico, mas sim consertar estruturas já existentes para envolver as comunidades locais. Pedimos às comunidades que desenvolvessem projetos sociais a partir do seu observatório específico e, a partir do que vão apresentando, criamos um calendário de intervenções.

a.       Salão Paroquial. A primeira intervenção, que envolveu boa parte dos fundos da Margens, foi um salão que, até então, se encontrava sem utilização e, portanto, em condições verdadeiramente precárias. As obras de remodelação permitiram recuperar um espaço onde já começámos a organizar encontros com jovens e agendamos projetos de dança, música e teatro.

 



b.      Próximas intervenções. As comunidades de Santo Ignácio, Rosário e San Sebastião apresentaram uma série de projetos sociais e culturais que incluirão intervenções nas estruturas.