segunda-feira, 10 de setembro de 2018

DESESTRUTURANDO A ESTRUTURA RELIGIOSA




Paolo Cugini

A pergunta é esta: se tivéssemos a coragem de desestruturar a religião, sobraria o que? Dizendo com palavras mais compreensíveis: se tivéssemos a coragem de tirar do discurso religioso todos os elementos culturais, ou seja, os elementos que ao longo dos séculos foram se volumando no redor do espaço religioso, será que iria sobrar alguma coisa daquilo que nós chamamos de religião? Afina de conta acreditamos em que ou em quem? São perguntas que sempre entram na minha cabeça de padre quando participo de solenidades religiosas, festas de padroeiro/a, procissões, etc. Quanto de religioso existe nestas festas populares e quanto de cultural? Porque se gastam tantas energias para organizar eventos religiosos quando de religioso tem bem pouco e de Deus ainda menos?

É verdade que a mediação cultural é necessária para o anuncio do Evangelho. O problema é quando a cultura substitui o kerigma, ou seja, o conteúdo do Evangelho. É isso que dizia Jesus aos fariseus que ao longo dos séculos, para amenizar o impacto dos mandamentos de Deus inventaram tradições que, lentamente substituíram a mesma Palavra. “Assim invalidais a Palavra de Deus pela tradição que transmitistes. E fazeis muitas outras coisas desse gênero” (Mc 7, 13). Se de um lado a cultura é necessária para anunciar o Evangelho de forma inculturada, do outro a mesma cultura deve sempre ser averiguada, passar a peneira do Evangelho para que não aconteça aquilo que aconteceu com os fariseus. A cultura não é um valor que pode ficar acima do Evangelho, mas sim deve constantemente ser evangelizada. É este o trabalho que a pequena comunidade que se reúne para meditar a Palavra deve fazer: aprender a vislumbrar a presença de Cristo dentro da história. Isso exige disponibilidade a escutar a voz do Espirito Santo, a constantemente se questionar e, assim, questionar as estruturas culturais que ao longo do caminho são assumidas para mediar o Evangelho numa particular circunstancia.

Porque é tão difícil este trabalho de discernimento cultural? O motivo me parece muito simples, pois o Evangelho exige uma continua disponibilidade à conversão, à mudança e nem tudo mundo é disponível a isso. É mais fácil sentar-se no cômodo sofá da vida, naquilo que sempre foi feito e aproveitar disso. Além disso, a religião se presta muito para ser explorada, pois o sentimento religioso popular junta muita gente, massas enormes. Por isso nas grandes festas religiosas nunca faltam os políticos, que como urubus aproveitam destas gigantescas ocasiões para se amostrar. É por isso que estou questionando a voz alta a religião popular: a que serve? Tem a ver o que Deus como a porcaria que encontramos em varias festas chamadas de religiosas. Quantas vezes participei de festas de padroeiro/a com uma grande angustia no coração pelo fato que não entendia o sentido daquilo que estava acontecendo. Dentro a Igreja a missa e fora quiosques vendendo cachaça e cerveja para arrecadar dinheiro pela Igreja! Porque as pessoas não conseguem perceber o tamanho destas contradições? Porque se acha normal uma bagunça dessa? E porque quando se questiona tem muita gente achando ruim?

As vezes fico meditando o fato que Jesus depois da ceia derradeira saiu para a Horta das oliveiras, sozinho. Se Judas o achou e entregou é porque Jesus era acostumado a esta atitude, se retirar sozinho. Talvez esteja na solidão a autenticidade da experiência religiosa e não na massa anônima. Talvez seja por isso que é fácil manipular culturalmente a massa, pois é anônima, sem reposta, aceita tudo, engole tudo. Um pouco de solidão na companhia de Jesus ajudaria a ver com mais profundeza a realidade daquilo que chamamos de religião, descobrindo que talvez sobrou pouquíssimo: quase nada.



3 comentários:

  1. A desestruturação da estrutura religiosa propõe uma análise crítica das crenças e dogmas que moldam a espiritualidade. Enfatiza a importância do questionamento pessoal, da liberdade individual, das contradições nas doutrinas, da valorização da experiência subjetiva, da inclusão e diversidade, e da promoção de ações sociais que reflitam amor e compaixão. O objetivo é buscar uma espiritualidade autêntica e significativa, respeitando a individualidade e promovendo a liberdade.
    Esse texto é uma reflexão poderosa sobre a busca pela autenticidade e a libertação das amarras impostas por ideologias e filosofias que distorcem a realidade. Ele destaca como muitas vezes somos influenciados, até mesmo dentro de casa, por ideias que nos afastam de uma vida verdadeira e plena. A metáfora da "jaula de loucos" expressa bem o desafio de se libertar dessas crenças limitantes.
    O autor sugere que o primeiro passo para essa desconstrução é se afastar dos "charlatões", aqueles que vendem falsas promessas e ideais que não correspondem à realidade. É preciso estar atento e buscar referências de pessoas que já trilharam esse caminho de libertação, para não cair nas armadilhas das ideologias enganadoras.
    A segunda parte enfatiza o amor à liberdade como um amor à vida. Essa paixão por viver plenamente nos impulsiona a questionar e a rejeitar tudo aquilo que nos aprisiona. A referência a Nietzsche reforça a ideia de que devemos nos desvincular das estruturas que sufocam nossa essência.
    Por fim, o texto traz Jesus como um exemplo de alguém que, ao observar a realidade ao seu redor, compreendeu as contradições entre as palavras e ações dos que se diziam representantes de Deus. Sua missão foi ajudar os outros a se libertarem dessas ilusões e a enxergarem o verdadeiro significado da vida em abundância.
    É uma mensagem forte sobre a importância da reflexão crítica e do amor à liberdade para vivermos de forma autêntica e significativa!

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  2. Esse texto me leva a refletir profundamente sobre a nossa relação com a religião e as práticas culturais que muitas vezes a envolvem. O questionamento levantado é extremamente pertinente: até que ponto estamos, de fato, vivendo uma experiência religiosa genuína ou simplesmente reproduzindo um conjunto de tradições culturais que foram se acumulando ao longo do tempo? A crítica sobre a falta de discernimento entre o que é religião e o que é cultura me faz perceber como, em muitas celebrações, a verdadeira mensagem do Evangelho pode estar sendo ofuscada por práticas que, embora populares, não têm um fundamento genuinamente cristão.

    A ideia de que a cultura deve ser constantemente “evangelizada” me parece essencial, pois sem isso, corremos o risco de transformar a religião em algo vazio, distante da verdadeira mensagem de Cristo. O Evangelho exige uma constante abertura à conversão, à mudança, e isso não é algo fácil, pois envolve desconstruir certas normas estabelecidas. E isso também reflete a dificuldade que muitas pessoas têm em questionar as contradições que existem nas festas religiosas, onde, muitas vezes, o comercialismo e a política se misturam com a espiritualidade.

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  3. Nos dias de hoje a religião se tornou um ponto mais fortes para qualquer cultura em diferentes crenças e lugares. Em diversos lugares não só em nosso Estado mas em todas a região e até mesmo no discurso político. Se a religião sumisse não haveria mas a discussão entre religiões e crenças e as grandes devoções que existe nos lugares distantes de uma igreja aonde tem missa todos os domingos. Além disso acabaria com as esperanças principalmente dos pobres ou talvez não haveria mas pobres ou talvez aumentava mais os refugiados.
    Zacarias

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