sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

QUANDO A POLÍTICA SE TORNA IDOLATRIA

 






Reflexões sobre o fenômeno da política transformada em bandidagem

Paolo Cugini

 

 A política é algo de sério, pois visa o cuidado para com tudo aquilo que concerne a vida na polis, ou seja, na cidade. O grande filosofo grego Platão dizia que pode ser político somente quem na vida se esforçou de alcançar o bem, pois somente a pessoa que vive bem, que é justa, pode ajudar os outros a viverem bem. O político deveria ser uma pessoa livre, que exerce o poder para o bem do povo e não visa o lucro pessoal. Infelizmente aquilo que nós assistimos é exatamente o contrário. Quem chega ao poder muitas vezes não visa o bem do povo, mas sim o próprio interesse pessoal. Talvez este tipo de político começou com as melhores intenções do mundo, animado pelo desejo de fazer bem, ou seja, de servir o povo. A falta de espessura espiritual e moral, porém, típica de quem chega hoje na política, faz com que estas lindas intenções se derretem como a neve ao sol, logo que o político da vez cheira o fedor irresistível do dinheiro e o do poder. O problema é que este jeito interesseiro de fazer política atrai pessoas do mesmo estilo, pessoas que aprendem a fazer da política não o espaço para ajudar na realização de um mundo mais justo, mas para se abastar. Por isso, quando estas pessoas chegam perto do poder grudam nele criando a lógica perversa do parasitismo. Neste contexto, que injustamente é chamado de política, porque de política tem bem pouco, a ideologia some e deixa o espaço para o mero interesse material. É este o grave prejuízo que décadas de politicagem descarada infligiram ao crescimento social do povo. Aquilo que nós assistimos inermes é o verdadeiro massacre do espaço publico que, longe de ser o campo do debate civil e da projetação de medidas de crescimento social, tornou-se o campo onde se exerce de forma descarada a busca de um crescimento material pessoal.

 Neste desqualificante patamar de politicagem de baixo nível, encontramos todos os partidos, seja eles de esquerda que de direita. Este me parece o dado mais preocupante porque marca o fim da ideologia e a vitoria – tomara que seja só momentânea! – do interesse imediato. Quando se fala de ideologia se entende o leque de valores que sustentam um grupo político, valores que norteiam todo um conjunto de medidas e posições coerente entre elas, pois inspiradas do mesmo conteúdo ideológico. Desaparecendo o quadro ideológico de referência, sobra somente o cinismo maquiavélico que leva as pessoas a entrarem na esfera da política partidária, para enxugar o que puder e levar para casa. E, assim, assistimos a discursos enfeitados de ideologia, mas a verdade da substância aparece imediatamente: o interesse pessoal.

Este estilo descarado de exercer o poder exige, para se manter, de um tipo de pessoa especial: o puxa saco. Os centros governamentais das prefeituras e dos estados são lotados deste gênero de pessoa inqualificável, porque não têm identidade própria, mas vive daquilo que encontram e que oferece sustento no imediato. O dato lastimável é que é mesmo este tipo de pessoa que, ao longo ou breve prazo, se torna a causa da morte do grupo político que apóia. É a lógica do parasita que gruda naquilo que pode oferecer o alimento momentâneo e fica ali até provocar a morte do mesmo. É a lógica do bandido que fica na espreita para aguardar o momento certo e dar o golpe fatal. A política hoje está cheia de bandidos de terno e de parasitas sem escrúpulo. Aquilo que está faltando é a capacidade crítica, a honestidade intelectual que permite de rever as falhas de um projeto político e, assim, de levar o projeto na direção da atualidade. Talvez, seja esta a falha maior do sistema político que está tomando conta da realidade, ou seja, a incapacidade crônica, devido ao sistema interesseiro, de produzir um pensamento critico, a capacidade reflexiva que ajuda a analisar os problemas colocando-os no leque de valores altos.

 Isso acontece quando a ideologia, que por definição é algo que tem uma fundamentação teórica, se torna idolatria. A idolatria é a absolutização de uma parte de um todo, a radicalização, a extremização de um fragmento de uma totalidade e, por isso se torna mentira. De fato, sendo a verdade totalidade, um seu fragmento absolutizado se torna mentira. O idolatra é a pessoa que enxerga somente uma parte e a absolutiza, menosprezando todos aqueles que pensam de uma forma diferente. A política hoje, aquela coisa esquisita que estamos assistindo, precisa de idolatras para se sustentar. Sendo que a política perdeu o seu referencial ideológico aquilo que sobra são fragmentos de ideologia que, separados do seu contexto, gera a incapacidade de vislumbrar o todo, de colher a verdade das coisas, confundindo o particular com o universal.  Reverter o quadro que décadas de politicagem realizaram é árduo e talvez difícil, mas não impossível. O sistema político parasitário é destinado a morrer de morte própria. Enquanto estamos aguardando esta morte que esperamos seja a mais rápida possível, precisamos articular novamente a sociedade, principalmente os jovens, para que saibam olhar o futuro com um olhar diferente, um olhar mais crítico e desinteressado.

 

Um comentário:

  1. Onde está o/a verdadeiro/a Zoon Politikón que somos em essência?
    Ousemos saber para transformar!

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