segunda-feira, 14 de outubro de 2019

POR DENTRO DO SINODO PAN-AMAZONICO

O Papa Francisoc ao Sínodo rodeado com as mulheres que participam dos trabalhos



Muitas coisas estão acontecendo em Roma no Sínodo Pan;Amazonico e muita conversa está saindo nas redes sobre assuntos que nem tudo mundo entende. O amigo pe Luís Miguel Modino, que trabalhou na diocese De Ruy Barbosa e á alguns anos está trabalhando em Manaus, é um parceiro do Instituto Humanitas Unisinos – IHU que acompanhou toda a preparação do Sínodo e agora está em Roma acompanhando atentamente os debates. Diariamente, e em uma página especial, o IHU publica notícias e textos que repercutem as reuniões sinodais. Por essa razão, e para ajudar as pessoas a entenderem o que está se passando no Sínodo, publico a intervista que Pe Modino realizou com o teólogo Pe Paulo Suess, que é perito do Sínodo. Pe Paulo Suess é doutor em Teologia Fundamental, fundador do curso de Pós-Graduação em Missiologia, na então Pontifícia Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo, assessor teológico do Conselho Indigenista Missionário - Cimi e professor em várias Faculdades de Teologia no ciclo de Pós-Graduação em Missiologia.



Pe Modino – Qual a importância da promoção de uma discussão como essa do Sínodo Pan-Amazônico, de uma Igreja com rosto indígena, com rosto amazônico?
Paulo Suess – Vai ser muito importante, pois nós criaremos raízes como Igreja. E, nas igrejas locais, passaremos de uma Igreja de visita para uma igreja de presença. Isso vai tocar todo nosso esquema, inclusive a nossa identidade católica. Se falou, hoje mesmo num grupo, dessa indentidade cattolica. Precisamos aprofundar os estudos bíblicos, estudos catequéticos, mas, às vezes, se esquece o essencial dessa identidade, pois ela anda com duas pernas: com a palavra e com o sacramento.
 No que diz respeito à palavra, é relativamente fácil, pois basta aprofundar o que já fizemos, o que as igrejas pentecostais fazem, e ampliar a palavra. Mas, com a palavra somente, podemos tirar os altares das nossas comunidades. Então, a palavra pode ser feita pela visita, pela internet, por um curso em que aprofundamos e mandamos literatura depois. Agora, o sacramento exige a mudança, o câmbio de uma igreja de visita para uma igreja de presença. E tal só pode ser feito estando presente. Então, essa outra perna, essa outra parte da identidade católica que é o sacramento, ao lado da palavra, exige uma igreja descentralizada, uma igreja que passa a ser presente.
E, uma vez já sendo presente, vai ser mais barato, porque se queixam que na Amazônia é tudo muito caro, precisa de muito dinheiro para gasolina, para chegar nos locais, viajar. Então, se é assim, que fiquemos lá. Assim, não se precisa mais pagar a gasolina porque você é da comunidade. Ou seja, é fazer ser da comunidade esses ministérios. Só quando esses ministérios são da comunidade haverá também uma presença sacramental e uma presença da palavra.
Creio que o novo caminho poderia ser este: o que fizemos com visitas, o que fizemos com gente de fora pode passar a ser feito com gente do local. Isso não quer dizer que vamos substituir a missionalidade, pois essa igreja local também vai ser missionária. A partir de uma igreja com rosto amazônico, vai ser missionária não alienante, não colonizadora, uma igreja mesmo segundo o espírito de Jesus que se encarnou nesse mundo.

Pe Luis Miguel Modino


Pe Modino – Como avalia as primeiras movimentações do Sínodo? O que o senhor destacaria dos debates nesses primeiros dias?
Paulo Suess – É um grande balaio, uma cesta em que apareceu tudo. E apareceu tudo com uma grande liberdade. Eu estive aqui, certa vez, participando do Sínodo para as Américas e na ocasião havia temas proibidos. Não se poderia falar porque o Papa não queria. Agora não, não há proibições estruturais. Um ou outro cardeal quer proibir alguns temas, acha inconveniente falar de algumas coisas e gostaria de fechar algumas questões. Mas, a partir da presença do Papa Francisco, tudo está aberto, tudo está interligado e com isso apareceram todos esses temas.
Agora, vai depender muito da redação, dos primeiros esquemas, capítulos, o que se aproveita a partir também dos grupos, porque atualmente estamos todos com um leque de temas. Já iniciamos o segundo passo essa semana, a construção do documento final. É nesse momento que vai depender muito das escolhas desse balaio, o que tiramos e realmente achamos como um novo caminho que estamos procurando.

Pe Modino – E nos cafés, nas residências e em outros encontros que vão ocorrendo, nos bastidores, o que está sendo comentado?
Paulo Suess – Eu estou sentindo que estamos com certo otimismo. Se conhece a máquina e como ela funciona, se conhecem as forças presentes, porém, numericamente, ao menos, há muitos que querem andar nesses novos caminhos. Nesses 500 anos aqui, nos tornamos de uma igreja majoritária em uma igreja minoritária, porque ocuparam os espaços que deixamos abertos por causa da centralização dos ministérios. Por isso, creio que a maioria vai compreender que descentralizando os ministérios vamos marcar presença e vamos poder retomar, de uma certa maneira, essa Amazônia com espírito do Evangelho que luta por justiça e liberdade e contra a violência e tudo que observamos na análise da realidade.

Pe Modino – O Sínodo tem sido um momento muito elogiado, mas também muito criticado, inclusive dentro da própria Igreja. Essas críticas estão incidindo de alguma maneira dentro da assembleia sinodal?
Paulo Suess – Creio que não tenha um impacto. Porém, é bom observar as vozes contrárias, analisar seus motivos, que às vezes são pessoais, sentir como pode ser uma quebra na sua trajetória profissional aqui em Roma, porque agora a linha é outra e eles ainda não se deram conta do espírito da época em que vivemos. Então, a gente escuta e procura esvaziar os argumentos que muitas vezes não são argumentos, são apenas autodefesas apenas para continuar assim como sempre se fez e com isso estamos fora do processo histórico em que se desenvolve a evangelização.

O teologo Paulo Suess com o Papa Francisco


Pe Modino – Esse Sínodo é o que conta com mais presença feminina. Até agora, nesses primeiros dias, como estão se posicionando as mulheres dentro da Assembleia Sinodal?
Paulo Suess – O Sínodo é um sínodo de bispos e não de leigos, de padres nem de mulheres. Porém, sempre que são mencionados temas candentes para as mulheres se percebem os aplausos, as interrupções, as satisfações e se vê em todos os casos a presença das mulheres. Assim, embora não tenham a presença, a força pelo voto se introduz mais pela força do argumento.

Pe Modino – E, pessoalmente, o que mais o marcou até agora?
Paulo Suess – Essa abertura, em que se pode falar de tudo, em que há um grande consenso sobre os novos caminhos, sobre a descentralização, sobre a ministerialidade, sobre o rosto amazônico. Eu cheguei na Amazônia em 1966, trabalhei dez anos em diferentes regiões, depois trabalhei com a questão indígena. Por isso, a questão do rosto amazônico é bálsamo para minha alma. Bálsamo no sentido de que vai ao encontro do que nós sempre defendemos. Assumir para redimir, isso está em Puebla N. 400. É preciso assumir essas culturas, assumir o rosto e sua diversidade e depois vamos falar em redenção.

Pe Modino – O papa Francisco, inclusive, tenta trazer imagens para mostrar que está muito perto do povo. Tem uma imagem, que até apareceu como capa do L'Osservatore Romano, em que ele abraça uma mulher negra brasileira que está participando da assembleia. Também apareceu tomando chimarrão e em fotos com todas as pessoas. Como isso influencia aqueles que estão participando da assembleia?
Paulo Suess – O chimarrão, provavelmente, já tomava na Argentina. Não precisava muito de inculturação (risos). Mas os outros são grandes elementos. O Papa é bom em dar sinais, que vão mais longe do que as palavras. Porém, nós sabemos que ele está numa estrutura ainda muito cristalizada e, para aquecer um pouco esses cristais, ainda não conseguiu tudo. E não pode fazer tudo como nós pensamos, como falamos nos corredores porque, se ele fizer isso, amanhã outro papa iria desfazer. Então, ele precisa também em tudo lutar internamente por um grande consenso para poder dar durabilidade para novos caminhos e para que não possam dizer que esse não é o caminho e parar tudo, levando para outra direção.

Pe Modino – Qual é sua expectativa para o “pós-sínodo”, o que espera que pode nascer dessa experiência sinodal?
Paulo Suess – Eu creio que o pós-sínodo vai ser como o Concílio Vaticano II. Vai haver momentos em que se esquece, momentos em que nos lembramos e vai haver, sobretudo, horizontes e processos iniciados e, mesmo se não der para concluir tudo no Sínodo, na admoestação apostólica que o Papa vai fazer no documento, marcará que os caminhos são abertos. E são abertos para, na região, nos sentarmos e pensarmos como vamos aplicar essa parte do Sínodo em nossa região, em nossa diocese.
Esse é o caminho sinodal, ele é mais complicado do que o caminho ditatorial ou imperial em que se decide. No Sínodo, se quer trabalhar na base do consenso. E consenso não da unanimidade, porém num grande consenso, o que leva tempo, tempo de conscientização da própria Igreja, dos nossos irmãos. E, ainda, vai depender da nomeação de bispos, da escolha de padres, vai depender muito da formação de padres, que se falou que não se faça em redomas, mas com processos participativos, com o povo, com a comunidade. Tudo isso leva tempo porque implica em mudanças culturais.






CANONIZAÇÃO DE IRMÃ DULCE




ROMA 13 DE OUTUBRO 2013

Paolo Cugini


Estou participando dos eventos paralelos que forma organizados para ajudar a refletir sobre o Sínodo da Amazônia, que está acontecendo em Roma. Cada evento tem seu próprio organizador. Todos os eventos públicos têm informações de contato, para que quem quiser possa entrar em contato para saber mais e se inscrever no evento. Alguns eventos são particulares e estão incluídos no calendário apenas por informação. Por esta razão, participei domingo 13 de outubro á solene canonização de ir Dulce, que se tornou a primeira santa nascida no Brasil, em Salvador da Bahia. Muitos baianos participaram do evento. Eu tive a possibilidade de encontrar pessoas de Andaraí e de Utinga na praça de são Pedro. 50 mil pessoas acompanharam a cerimônia. Também foram celebrados outros quatro novos santos: um cardeal inglês, uma freira italiana, uma freira indiana e uma catequista suíça.

Irmã Dulce nasceu em Salvador em 26 de maio de 1914 com o nome de Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes, ela desde muito cedo se envolveu com a religião e o cuidado dos mais necessitados. Com apenas 13 anos, já acolhia doentes e mendigos em sua casa. Adotou o nome de Irmã Dulce aos 19 anos em homenagem à sua mãe. Foi nessa época que ela entrou para a vida religiosa e passou a fazer parte das irmãs missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus.



 A partir daí, começou com vários trabalhos voltados à comunidade carente. Criou a associação obras sociais Irmã Dulce, com albergue e um centro educacional para abrigar meninos sem referência familiar. Esse centro funciona até hoje e atende 750 crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. Ela também foi a responsável pela criação do Hospital Santo Antônio, um dos maiores da Bahia. O hospital surgiu quando a Irmã Dulce improvisou um abrigo para atender pacientes no galinheiro do convento. Hoje, o hospital realiza mais de 3 milhões de atendimentos pelo SUS por ano.

Toda essa dedicação fez com que ela chamasse a atenção do Papa João Paulo II, que a incentivou a dar continuidade aos seus trabalhos. Em sua segunda visita ao Brasil, o papa quebrou os protocolos apenas para visitar a Irmã Dulce, que já estava doente. Em 1988, ela chegou a ser indicada ao prêmio Nobel da Paz.

O Brasil verá Irmã Dulce na glória dos altares, como afirma o jornalista Juan Arias num artigo publicado domingo 13 de outubro no site IHU.UNISINOS, “em um momento quase de cruzada religiosa no país, onde a intolerância de alguns grupos de evangélicos extremistas perseguem outras religiões, sobretudo de origem africana. Irmã Dulce nasceu e atuou justamente na cidade com mais negros fora da África e a que melhor mantém suas tradições culturais e religiosas”.



A religiosa, intrépida e obcecada com os mais marginalizados da sociedade, dizia: “Meu partido é a pobreza”. Nunca teve escrúpulos em bater à porta dos políticos importantes do seu tempo, mas sempre para suplicar recursos para os mais abandonados, aos quais dedicou sua vida, e às obras por ela criadas exclusivamente para aliviar a dor e a pobreza.

Irmã Dulce, que como religiosa manteve sua visão moderna da mulher liberada que deve participar ativamente na vida pública, “é canonizada justo neste momento em que a reivindicação da mulher por seus direitos e peculiaridades, sem discriminações, representa uma das grandes batalhas no mundo e particularmente no Brasil, um dos países com maior número de feminicídios, e que vive um momento de machismo e obscurantismo cultural e religioso” (Juan Arias).