sábado, 29 de outubro de 2022

Por um cristianismo pós-cristão. Olhando para o futuro

 




Talvez Collin esteja certo quando afirma que o cristianismo ainda não existe (2020). Tomamos isso como um desejo e como indicação de um caminho, como se dissesse que, quem deseja viver, experimentar a proposta cristã, deve ir na direção oposta ao que havia sido indicado no cristianismo, sem nostalgia do passado, mas olhando para frente com confiança. Neste último parágrafo, após analisar algumas teorias que apresentam um olhar nostálgico ao tempo que foi e não é mais, tentaremos traçar algumas linhas de desenvolvimento no futuro pós-cristão.

Neste ponto do discurso é importante fazer um esclarecimento. O fim da metafísica não significa o fim da religião, mas o fim daquela forma religiosa que utilizou a metafísica para sistematizar seu próprio pensamento. O fim da metafísica ao invés de ser o fim da religião, portanto, abre caminho para novidades novas e interessantes. A seguir, ofereço algumas breves indicações que, sem dúvida, carecem de um estudo mais aprofundado, mas que, de qualquer forma, desejam oferecer uma contribuição ao debate sobre o futuro do cristianismo. Por isso, procuro indicar alguns caminhos de desenvolvimento que, na minha opinião, já estão em andamento.

A primeira delas é a possibilidade de um cristianismo não institucional. Pode-se pensar que o protestantismo já percorreu esse caminho e que, consequentemente, não há nada de novo na proposta. Na verdade, sabemos que as coisas não são bem assim. Se, de fato, é verdade que o protestantismo no início se distanciou das formas institucionais da religião, seu desenvolvimento histórico o descansou no leito da institucionalização. Não é fácil pensar e estruturar uma nova intuição. Na verdade, não basta a intuição, precisamos também de um contexto que permita sua realização. Quando Lutero iniciou sua reforma, a cultura moderna estava se enraizando no caminho do humanismo e afetando todos os setores da sociedade, inclusive a religião. A evolução da teologia moderna para manter um diálogo com o mundo cultural circundante, toma como referência o método científico.

O que, então, significa uma abordagem não-institucional do cristianismo? Como deve ser configurado? Significaria um retorno às origens ou, pelo menos, retomar um caminho inacabado. O pós-cristianismo abre a possibilidade não de restaurar o cristianismo, como gostariam Cuchet, Delsol e Dreher, com diferentes nuances, mas de retomar o caminho interrompido pelo próprio cristianismo, não para reproduzi-lo, mas para se inspirar em suas origens. Abandonar os locais de culto institucionalizados, cada vez mais vazios, para se encontrar lendo a Palavra de Deus em pequenas comunidades domésticas, num movimento que se desenvolve a partir de baixo, sem necessidade de referência institucional, que muitas vezes se torna a causa da lentidão do caminho das comunidades: este é um primeiro desenvolvimento.

Em segundo lugar, apontamos a possibilidade de criar comunidades em que o princípio da igualdade não seja uma utopia, mas o clima natural da viagem. Se a instituição controla os conteúdos e as modalidades da viagem, a liberdade em um caminho básico não institucionalizado lançaria as bases para uma experiência comunitária em que os membros têm os mesmos direitos e deveres, inclusive o da presidência na celebração. Em última análise, o controle das relações em uma cultura patriarcal torna-se opressivo e exclusivo como forma de controle do poder. O cristianismo se permitiu ser moldado pela cultura patriarcal porque, desde seu início, reivindicou o poder. Pelo contrário, numa comunidade que não se preocupa com nenhum poder, mas única e exclusivamente com o bem-estar do povo, a igualdade dos membros torna-se uma exigência implícita. Nesta perspectiva, a futura comunidade cristã será como um ponto de referência seguro no qual todos podem sentir-se parte dela, sem qualquer tipo de exclusão. Comunidades desse tipo, modeladas pelo estilo do Evangelho, podem tornar-se caminhos constantes de humanização, lugares de acolhimento, fraternidade e sororidade.

A comunidade que se estrutura na era pós-cristã, justamente por não ser uma instituição, não precisa de líderes ou guias. Todos podem celebrar e todos podem liderar a comunidade, porque a perspectiva não é mais piramidal, mas circular. É toda a comunidade que se torna celebrante, também porque o número de membros será pequeno e não haverá necessidade de um líder estabelecido. Os membros da comunidade decidirão como distribuir as tarefas para o funcionamento da vida comunitária. Relações igualitárias, que também geram a necessidade de não haver desigualdades sociais entre os membros. Dessa forma, entende-se que o estilo do evangelho exige um caminho em que as relações sejam pautadas pela busca constante da igualdade entre os membros, sem qualquer tipo de discriminação cultural e social. O Reino de Deus anunciado por Jesus encontra no novo contexto cultural pós-cristão uma maior possibilidade de realização, também porque o pós-cristianismo nasce sobre os escombros do cenário moderno do cristianismo. O estilo coercitivo típico da modernidade, deixa necessariamente espaço para um estilo dialógico e democrático.

Uma característica que marcou profunda e negativamente o cristianismo ocidental foi seu entrelaçamento com o poder político e econômico, que muitas vezes se tornou motivo de escândalo. A Igreja como potência do mundo manteve afastados de seu próprio espaço aqueles que deveriam ser acolhidos. As classes mais pobres da sociedade não só não se sentiram acolhidas pela Igreja, salvo em algumas experiências muitas vezes dificultadas pela instituição eclesial, como foram visadas, penalizadas com tributação no limite da resistência. Não só isso, mas a rigidez de seus dogmas, consequentemente, criou um número significativo de pessoas excluídas da comunidade. Divorciados, separados, homossexuais, lésbicas transexuais: há todo um mundo que se sente rejeitado por aquela instituição que deveria ter expressado o sinal tangível da humanidade acolhedora de Jesus. Na era pós-cristã que começamos a viver, haverá a possibilidade de constituir comunidades inspiradas no Evangelho e que se apresentem como uma verdadeira sociedade alternativa à lógica do dinheiro e toda a lógica da opressão.

Outra característica da caminhada eclesial pós-cristã é que ela é contagiosa. Se as estruturas rígidas, os sistemas abrangentes que tinham a pretensão e, sobretudo, a presunção de explicar tudo, de explicar todos os aspectos da realidade, estavam entre as características mais significativas da modernidade e do cristianismo moderno, na era pós-cristã que está dando seus primeiros passos, a cultura é fluida e, portanto, contaminável. Enquanto a característica de uma estrutura rígida é proteger-se de possíveis contaminações que possam colocar em risco o sistema, em uma cultura pós-moderna e ao mesmo tempo pós-sistêmica, a fluidez permite e exige a possibilidade de contaminação cognitiva e espiritual. Transpor esses insights para o campo teológico significa reconhecer a presença do Espírito Santo em todas as culturas e reconhecer que o Espírito já está presente em tudo. Também havia conhecimento desse dado teológico na era moderna, mas não era possível vivê-lo plenamente devido à rigidez da mentalidade sistêmica. A contaminação na eclesiologia é um aspecto da inculturação que implica uma atitude de escuta de outra cultura. As comunidades que se desenvolvem no pós-cristianismo serão contaminadas, porque não terão mais o problema de se defender, de proteger uma ortodoxia. Além disso, serão contaminados porque considerarão os conteúdos vindos de fora como uma possibilidade de enriquecimento, de troca e, consequentemente, de crescimento e não uma ameaça.

A mudança não acontecerá da noite para o dia: levará tempo. De qualquer forma, o certo é que a mudança está ocorrendo e a estrutura moderna da cultura ocidental já faz parte do passado. Estamos, portanto, em uma espécie de zona intermediária, na qual não há pontos de referência e esse estado gera inquietação, insegurança, desejo de se apegar às lembranças do passado. Olhar para o futuro em que se encontra Cristo vitorioso sobre a morte significa confiar nele, na sua Palavra, no seu Evangelho, no que ele está fazendo entre nós. Nunca como nesta época de transição para o pós-cristianismo, o mundo precisa de comunidades alternativas, que experimentem todos os dias a bondade da proposta do Senhor ressuscitado.