sexta-feira, 14 de novembro de 2025

A Teologia do dissenso

 




Uma ponte necessária entre doutrina e realidade vivida

Paolo Cugini

 

 

A teologia do dissenso representa um campo de reflexão e confronto que, embora se desenvolva dentro do panorama eclesial, carrega consigo um valor profundamente humano e comunitário. Ela nasce do reconhecimento de uma tensão constante: a que existe entre a firmeza da doutrina oficial da Igreja e a multiplicidade irredutível das experiências concretas vividas pelos fiéis. É nessa dialética que se joga uma partida delicada, capaz de suscitar questionamentos radicais sobre a própria função da doutrina e o papel da comunidade cristã no mundo contemporâneo.

O dissenso, ao contrário do que se pode pensar, não surge de um espírito de rebelião por si só, mas da percepção aguda de uma distância, por vezes dolorosa, entre os princípios absolutos afirmados pela hierarquia e a concretude da vida cotidiana. Muitas vezes, são justamente aqueles que sentem na própria pele essa discrepância que dão voz ao dissenso, não para negar a fé, mas para permanecer fiéis a ela no contexto de sua realidade. A doutrina, por sua natureza, tende a formular normas e princípios gerais, frequentemente baseados em abstrações e em um conhecimento parcial da complexidade humana. Consequentemente, pode parecer rígida e incapaz de abarcar toda a riqueza e as nuances da experiência individual e coletiva. É nesse espaço de descolamento que o dissenso teológico encontra sua razão de ser e se torna porta-voz das demandas daqueles que não se reconhecem em definições percebidas como demasiado abstratas, impessoais ou até prejudiciais para quem vive situações de marginalidade ou julgamento negativo.

O dissenso não se limita às disputas acadêmicas entre teólogos, mas permeia a vida das comunidades cristãs. Muitas vezes, manifesta-se de forma silenciosa, quase submersa: muitas pessoas, no seu dia a dia, escolhem caminhos pessoais que divergem das prescrições doutrinais, por vezes sem sequer terem consciência disso. Isso levanta uma questão fundamental: para que serve a doutrina, senão para guiar e sustentar o caminho de fé das pessoas? A doutrina, de fato, deveria ser um instrumento a serviço da vida, e não um fardo insuportável. Nessa perspectiva, o dissenso configura-se como um estímulo crítico, um elemento indispensável para evitar que a fé se reduza a um conjunto de regras abstratas. O eco das palavras de Jesus contra os fariseus, que impunham pesos doutrinais que eles próprios não conseguiam carregar, ressoa ainda hoje com força e atualidade.

A teologia do dissenso não se limita à constatação da distância entre doutrina e realidade, mas empenha-se em recolher, organizar e formalizar as contradições em argumentos sólidos. Seu objetivo é desmascarar as invenções doutrinais, ou seja, aquelas normas ou interpretações que se afastaram da essência da mensagem evangélica ou da vida real do povo de Deus. Por meio do confronto com a realidade vivida, o dissenso teológico busca devolver à doutrina sua função originária: ser uma palavra de esperança e de sentido para a existência concreta das pessoas. Nesse sentido, o dissenso não é inimigo da Igreja, mas um recurso precioso para sua caminhada de autenticidade e coerência.

A tensão entre ideal e realidade nunca poderá ser completamente resolvida. A teologia do dissenso, portanto, exerce a função de manter o diálogo aberto, de impedir que a doutrina se cristalize em abstrações estéreis e de garantir que a fé continue a dialogar com a vida. Trata-se de um equilíbrio delicado e dinâmico, em que o dissenso não destrói, mas constrói. Em última análise, a teologia do dissenso é uma ponte: não entre duas margens opostas, mas entre um ideal que corre o risco de se tornar inalcançável e uma realidade que pede para ser compreendida, acolhida e redimida. É graças a essa ponte que a fé pode continuar sendo, hoje como ontem, sal da terra e luz do mundo.

 

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