Uma ponte
necessária entre doutrina e realidade vivida
Paolo Cugini
A teologia do dissenso
representa um campo de reflexão e confronto que, embora se desenvolva dentro do
panorama eclesial, carrega consigo um valor profundamente humano e comunitário.
Ela nasce do reconhecimento de uma tensão constante: a que existe entre a
firmeza da doutrina oficial da Igreja e a multiplicidade irredutível das
experiências concretas vividas pelos fiéis. É nessa dialética que se joga uma
partida delicada, capaz de suscitar questionamentos radicais sobre a própria
função da doutrina e o papel da comunidade cristã no mundo contemporâneo.
O dissenso, ao contrário do
que se pode pensar, não surge de um espírito de rebelião por si só, mas da
percepção aguda de uma distância, por vezes dolorosa, entre os princípios
absolutos afirmados pela hierarquia e a concretude da vida cotidiana. Muitas vezes,
são justamente aqueles que sentem na própria pele essa discrepância que dão voz
ao dissenso, não para negar a fé, mas para permanecer fiéis a ela no contexto
de sua realidade. A doutrina, por sua natureza, tende a formular normas e
princípios gerais, frequentemente baseados em abstrações e em um conhecimento
parcial da complexidade humana. Consequentemente, pode parecer rígida e incapaz
de abarcar toda a riqueza e as nuances da experiência individual e coletiva. É
nesse espaço de descolamento que o dissenso teológico encontra sua razão de ser
e se torna porta-voz das demandas daqueles que não se reconhecem em definições
percebidas como demasiado abstratas, impessoais ou até prejudiciais para quem
vive situações de marginalidade ou julgamento negativo.
O dissenso não se limita às
disputas acadêmicas entre teólogos, mas permeia a vida das comunidades cristãs.
Muitas vezes, manifesta-se de forma silenciosa, quase submersa: muitas pessoas,
no seu dia a dia, escolhem caminhos pessoais que divergem das prescrições
doutrinais, por vezes sem sequer terem consciência disso. Isso levanta uma
questão fundamental: para que serve a doutrina, senão para guiar e sustentar o
caminho de fé das pessoas? A doutrina, de fato, deveria ser um instrumento a
serviço da vida, e não um fardo insuportável. Nessa perspectiva, o dissenso
configura-se como um estímulo crítico, um elemento indispensável para evitar
que a fé se reduza a um conjunto de regras abstratas. O eco das palavras de
Jesus contra os fariseus, que impunham pesos doutrinais que eles próprios não
conseguiam carregar, ressoa ainda hoje com força e atualidade.
A teologia do dissenso não se
limita à constatação da distância entre doutrina e realidade, mas empenha-se em
recolher, organizar e formalizar as contradições em argumentos sólidos. Seu
objetivo é desmascarar as invenções doutrinais, ou seja, aquelas normas ou
interpretações que se afastaram da essência da mensagem evangélica ou da vida
real do povo de Deus. Por meio do confronto com a realidade vivida, o dissenso
teológico busca devolver à doutrina sua função originária: ser uma palavra de
esperança e de sentido para a existência concreta das pessoas. Nesse sentido, o
dissenso não é inimigo da Igreja, mas um recurso precioso para sua caminhada de
autenticidade e coerência.
A tensão entre ideal e
realidade nunca poderá ser completamente resolvida. A teologia do dissenso,
portanto, exerce a função de manter o diálogo aberto, de impedir que a doutrina
se cristalize em abstrações estéreis e de garantir que a fé continue a dialogar
com a vida. Trata-se de um equilíbrio delicado e dinâmico, em que o dissenso
não destrói, mas constrói. Em última análise, a teologia do dissenso é uma
ponte: não entre duas margens opostas, mas entre um ideal que corre o risco de
se tornar inalcançável e uma realidade que pede para ser compreendida, acolhida
e redimida. É graças a essa ponte que a fé pode continuar sendo, hoje como
ontem, sal da terra e luz do mundo.
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