quinta-feira, 24 de abril de 2025

SINODO: ALÉM DAS PALAVRAS

 




A luta para democratizar os relacionamentos na Igreja


Paul Cousins

O processo sinodal da Igreja, iniciado há alguns anos pelo Papa Francisco, além dos muitos momentos positivos vividos especialmente entre os participantes dos dois Sínodos, mostrou algumas feridas que a Igreja vem arrastando há anos, na verdade, há séculos. Um esforço duplo é sentido. A primeira diz respeito à dificuldade daqueles que exercem a função de liderança da comunidade e que fazem parte da chamada hierarquia eclesiástica, de se sentirem parte da comunidade e não separados dela. A outra dificuldade diz respeito à forma verdadeiramente embaraçosa como a Igreja se aproxima das mulheres. Nestas poucas linhas tento dizer algo sobre o primeiro esforço. Também hoje na Igreja, infelizmente, as relações dinâmicas são marcadas por uma profunda desigualdade, que ameaça por dentro a bondade do caminho eclesial. Como podemos, de fato, avançar, dar continuidade a um caminho que começou mal, porque marcado pelo medo de deixar comunidades eclesiais mais livres para se expressar, mais autônomas e menos subjugadas por uma autoridade que parece vir de outro planeta, no sentido de que não parece pertencer ao mundo real? 

Tudo seria mais fácil e lógico se aqueles que na Igreja têm a tarefa de orientação pastoral permanecessem em contato constante com aqueles que vivenciam o cotidiano das comunidades. O que se sente há anos no caminho da Igreja é uma grande, às vezes enorme, distância entre as comunidades eclesiais e seus líderes, os pastores, os bispos e, com eles, os documentos que são emitidos. Este aspecto é estranho, porque desfigura o sentido autêntico do serviço que, no sentido evangélico, deve ser oferecido por aqueles que são chamados a desempenhar um papel de liderança na comunidade cristã. As palavras do Papa Francisco sempre me vêm à mente quando, na Evangelii Gaudium, ele defendeu a primazia da realidade sobre as ideias. A sensação que se tem, ao ler os relatos que emergem das fases do Sínodo, é a dificuldade de escuta da realidade e, ao mesmo tempo, o distanciamento da doutrina elaborada em relação à vida cotidiana das comunidades. Há uma espécie de distonia entre a vida e a doutrina, no sentido de que esta última parece não conseguir ler a experiência e, por isso, às vezes o que está escrito nos documentos oficiais da Igreja choca-se dramaticamente com os sentimentos do povo santo de Deus, como sempre diria o Papa Francisco. Por um lado, percebe-se a alegria de descobrir o Evangelho, da proposta impactante de Jesus, que convida as comunidades a se colocarem corajosamente ao lado dos pobres, dos excluídos da sociedade, para pensar juntos caminhos de justiça e de paz, neste mundo violento e agressivo. Nestes caminhos comunitários, percebe-se a grande força que o Espírito do Concílio Vaticano II deu ao caminho de toda a Igreja, fazendo-a redescobrir a beleza de ser povo de Deus, chamado a ser sinal de contradição no mundo. É neste nível que se percebe a idiossincrasia, o contraste, que se manifesta na incapacidade de aceitar como bom o que as comunidades indicam como dados a serem escutados para depois elaborar uma doutrina que tenha sabor de “ovelhas”, para usar as palavras do Papa Francisco.

Afinal, não é de se espantar essa dificuldade em ouvir quem vive na base da comunidade e levar suas sugestões a sério. Por um lado, houve um desenvolvimento desproporcional do ministério petrino ao longo dos séculos, que distanciou progressivamente a figura do Papa não só do povo, mas também e sobretudo da origem. O Vaticano II teve que trabalhar duro para tentar resolver um pouco da confusão institucional que se desenvolveu ao longo do tempo. Primeiro, realocando toda a hierarquia dentro do povo de Deus, e não acima. Em segundo lugar, recuperando o papel dos bispos no caminho eclesial, papel que, ao longo dos séculos, foi ofuscado pelos holofotes todos voltados para a figura cada vez mais excêntrica e totalitária do Papa. Por fim, um passo notável do Concílio foi falar e valorizar os leigos, mostrando seus carismas, o sacerdócio comum, a participação no tríplice múnus profético, real e sacerdotal. É verdade que, como afirma o epistemólogo Thomas Khun, as grandes revoluções exigem muito tempo para criar raízes, mas é igualmente verdade que o ímpeto de mudança provocado pelo Vaticano II se fez sentir em vários níveis. 

Sabemos que palavras e frases pomposas não são suficientes para erradicar uma prática que perdura há séculos e já passou por muitas estações. A prática que faz prevalecer a doutrina sobre a consciência pessoal, a imposição e a exigência de obediência obsequiosa, em vez do estímulo ao desenvolvimento da liberdade pessoal. Bastaria folhear alguns documentos eclesiásticos ou algumas encíclicas do século XIX para entender o nível do problema. Tanto o Mirari Vos de Gregório XVI em 1832 quanto o Syllabus de Pio IX em 1864, para dar apenas alguns exemplos, condenaram a liberdade de consciência e a liberdade de imprensa. Parece incrível, mas é exatamente isso que está escrito nesses dois documentos. Estes são textos, no entanto, que indicam a consequência lógica daquelas proibições à leitura da Bíblia por leigos em línguas vernáculas, emitidas pelo Papa Pio IV em 1564, na conclusão do Concílio de Trento. Proibições que revelam o medo de uma interpretação individual da Escritura, de uma autonomia em relação ao Texto Sagrado, o que poderia resultar em contraste com a leitura oficial da Igreja. O medo da liberdade de consciência é o sintoma de uma subversão radical da proposta de Jesus que, durante sua vida pública, fez de tudo para ajudar seus discípulos a terem uma visão crítica da religião, a não confiar nos charlatões do momento, a buscar uma visão mais autêntica da realidade. Sabemos que esse clima de desconfiança em relação a uma possível leitura individualista das Sagradas Escrituras foi fomentado pela polêmica com Lutero e sua afirmação da sola Scriptura. No entanto, voltando no tempo, descobrimos que proibições à leitura das Escrituras já existiam no século VII d.C. C., imediatamente após o colapso do Império Romano e a destruição das grandes bibliotecas do Ocidente cristão. A barbárie cultural abriu caminho, por um lado, para a expansão da devoção religiosa e, por outro, para uma institucionalização da Igreja num sentido político e não evangélico. 

O medo da autonomia dos leigos e das comunidades cristãs por parte da hierarquia eclesial, portanto, vem de muito tempo e não pode ser erradicado de um dia para o outro. Esse medo indica a incapacidade de pensar um caminho eclesial que valorize os carismas de todos, como nos sugeriu São Paulo. Também significa a distância infinita do plano de Jesus para uma comunidade de discípulos homens e mulheres iguais. Por isso é importante prestar muita atenção aos conceitos que são propostos pela hierarquia eclesiástica para indicar o caminho a seguir. Aprendi, de fato, a desconfiar daqueles bispos que falam muito sobre comunhão, mas depois, na prática, entendem a comunhão como uma submissão à sua vontade, e não como uma partilha de opiniões de acordo com o princípio da igualdade. Além disso, conhecemos muito bem a história do Sínodo Extraordinário dos Bispos, realizado em Roma em 1985, que levou à substituição da ideia conciliar da Igreja como povo de Deus pela da Igreja como comunhão. Não há nada a reclamar sobre a bondade do conceito de comunhão, que, no entanto, funciona, eclesiasticamente falando, se mantido em relação ao do povo de Deus. O risco, que então se concretizou, consiste em fazer renascer no dinamismo eclesiástico, de modo delicado e pela janela, aquele autoritarismo clerical que o Concílio Vaticano II tinha decisivamente posto para fora. 

A partir do batismo, como sugere o número 32 da Lumen Gentium, é o dado importante a ser retomado para construir comunidades nas quais todos se sentem à mesma mesa com direito à palavra e à manifestação de sua opinião. Devemos fazer tudo para recuperar o fato fundamental do princípio da igualdade, que já é vivenciado em muitas comunidades, mas que se complica quando se senta à mesa alguém que pensa ter mais direitos que os outros. Essa dissonância, que muitas vezes se disfarça de arrogância, revela um caminho eclesial feito de clericalismo, de autoritarismo sem qualquer fundamento evangélico. Jesus havia dito que entre nós, discípulos, tanto homens como mulheres, o estilo é o do serviço humilde, de buscar o último lugar e não o primeiro, como acontece na lógica do mundo. “Não será assim entre vós” (Mc 10,43). Democratizar as relações dentro da Igreja seria um sinal profético de grande valor, neste tempo marcado pela nostalgia do totalitarismo.


2 comentários:

  1. Feliz demais com esse texto seu. Seria um texto para ser lido por todo clero! Ele serve para refletir sobre esse poder que " a igreja" exerce sobre as pessoas, como também a necessidade de quem assumir continuar o trabalho lindo que O Papa Francisco começou, quebrar paradigmas dentro da igreja, abrir as portas para acolher a todos, que esse é o verdadeiro papel da igreja.

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  2. Só saia como anônimo. Mas sou Elenildes.

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