quarta-feira, 24 de dezembro de 2025

A teologia fraca que nasce na noite de Natal

 

 

Paulo Cugini

 

No coração da noite mais silenciosa, nos arredores esquecidos de Belém, nasce uma teologia que não proclama dogmas inflexíveis, mas se deixa moldar pela carne e pelo pó, pelas lágrimas e pela espera. A teologia frágil não é uma negação do Mistério, mas o seu abandono nos sulcos da história, onde a vida se manifesta em toda a sua vulnerabilidade. É a teologia que surge das dobras da marginalidade, onde as perguntas não buscam respostas definitivas, mas sim abraços que possam proteger e elevar.

Essa perspectiva surge de uma leitura profunda da existência, que abraça a fragilidade como um espaço teológico, não como um acidente a ser corrigido. Ela está enraizada na experiência daqueles que vivem à margem, nos corpos exaustos dos excluídos e nos corações inquietos dos buscadores reflexivos de sentido. A teologia fraca, portanto, contrasta com a arrogância de uma fé que se afirma invencível; em vez disso, torna-se uma companheira de viagem, uma voz entre vozes, um olhar repleto de misericórdia. O cenário central dessa teologia é a manjedoura, não adornada nem celebrada, mas escolhida por necessidade e pobreza. É aqui que o Mistério se manifesta não entre os poderosos, mas entre pastores, viajantes e animais, em um contexto de rejeição e precariedade que sela sua total solidariedade com a humanidade descartada. A manjedoura não cheira a incenso, mas a feno e expectativa, àquele frio que só os sem-teto conhecem de verdade.

O nascimento de Jesus, vivenciado à margem da sociedade, é uma profecia de um Deus que não teme a pequenez, mas a acolhe como um caminho privilegiado de revelação. Naquela noite, a fragilidade deixa de ser motivo de vergonha e se torna o ventre de uma nova esperança. A teologia frágil encontra aqui o seu berço: na capacidade de ver, na pequenez, a manifestação do divino; na exclusão, a promessa de uma comunhão que transcende os limites da ordem estabelecida. Pouco depois do seu nascimento, a família de Jesus é obrigada a fugir. A precariedade torna-se uma condição existencial: exílio, medo, a necessidade de encontrar aceitação em terra estrangeira. Aqui, a teologia frágil torna-se companheira dos migrantes, dos perseguidos, dos invisíveis. A experiência do menino Jesus perseguido é um espelho fiel das vidas despedaçadas daqueles que hoje buscam refúgio, dignidade e ouvidos atentos.

Não existe teologia mais verdadeira do que aquela que se inclina sobre as feridas, que ousa nomear o sofrimento sem explorá-lo, que não teme habitar a dúvida. A teologia fraca torna-se, assim, um olhar de solidariedade, capaz de reconhecer a presença de Deus não no inacessível, mas na carne ferida e na esperança obstinada daqueles que continuam caminhando apesar de tudo. Ela não oferece respostas fáceis, mas uma presença fiel, e acolhe a pergunta como um lugar sagrado para habitarmos juntos.

A história da fé cristã é marcada por profundas tensões entre visões teológicas fortes e fracas. Por um lado, a necessidade humana de certeza muitas vezes gerou sistemas dogmáticos imponentes, por vezes distantes da realidade concreta da vida. Por outro, a teologia fraca propõe um caminho alternativo: não mais a verdade como posse, mas como busca; não a doutrina que separa, mas a misericórdia que une.

Nessa tensão profética, a teologia fraca se destaca por sua rejeição à linguagem técnica e à pretensão de totalidade. Ela não se limita a fórmulas, mas se abre à escuta; não constrói torres, mas estende a mão. Aproxima-se daqueles que duvidam, daqueles que caem, daqueles que se sentem alienados dentro e fora da Igreja. Em sua essência, a fraqueza não é ausência de sentido, mas o ventre de uma nova força, diferente da do mundo: a força suave que se torna serviço e partilha. Se a teologia realmente quer ser boa nova, deve falar uma linguagem compreensível, habitar palavras simples, tornar-se uma narrativa próxima das histórias daqueles que vivem à margem. A teologia fraca não se contenta em ser pensada: quer ser vivida, narrada e partilhada no dia a dia. Escolhe palavras que aquecem, que elevam, que não excluem ninguém da mesa da compreensão.

Uma teologia para os fracos não teme a contaminação pelas histórias e perguntas das ruas; ela escuta mais do que explica, acompanha mais do que julga. Nesse contexto, até a linguagem da fé se transforma: não mais escudo, mas ponte; não mais arma, mas carícia. É tempo de a teologia ser moldada pela experiência daqueles que vivem no limiar, pois só ali ela poderá reencontrar sua verdadeira voz e seu significado mais autêntico. É tempo de a teologia ser contaminada pelas fragilidades existenciais encontradas pelo caminho. Justamente por ser frágil, a teologia nascida da manjedoura permanece sempre aberta para acolher e abraçar as fraquezas humanas, os excluídos no momento, os refugiados que não encontram consolo e as famílias pobres e desamparadas em busca de um refúgio que não encontram.

A teologia frágil, nascida da manjedoura, da fuga, da exclusão, torna-se hoje uma profecia para uma Igreja que deseja ser um lar para todos, especialmente para os menos afortunados. É um chamado para romper as barreiras do medo, escolher o caminho da solidariedade, abraçar a complexidade sem se entrincheirar no dogmatismo. Somente uma Igreja que saiba ser frágil, que esteja disposta a aprender com a fragilidade, poderá ser verdadeiramente um sinal crível de esperança em nossos tempos conturbados.

O que resta, então, da noite em Belém? O que resta é a luz que surge das sombras, a confiança no encontro, a escolha radical de não deixar ninguém para trás. A teologia fraca nos convida a descer de nossas cátedras e ficar ao lado dos pobres, dos excluídos, dos esquecidos: é ali que o Mistério continua a sussurrar palavras de vida. E se a fé ainda tem algum significado, será o de se tornar carne em cada história ferida, porque somente na fraqueza floresce a esperança mais verdadeira.

 

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