sexta-feira, 28 de setembro de 2018

DICAS PARA UMA REVOLUÇÃO ESPIRITUAL




Paolo Cugini

Dizia Charles Péguy, grande poeta e filosofo francês, que a verdadeira revolução não se realiza com as armas, mas com o espírito. O problema de uma sociedade corrupta não se resolve com a violência, mas com uma educação moral e cultural. Se a podridão escancarada está tomando conta da classe política, isso é um reflexo daquilo que está dentro. Então não adiantam medidas exteriores: é um homem novo, uma mulher nova que deve ser construído/a. Quem acredita nas possibilidades do homem, reconhece que o caminho é por ai. Quem acredita que o homem foi criado a imagem de Deus, sabe que é a reconstrução desta imagem o grande trabalho a ser realizado.
O problema é sempre o mesmo: como? Como sair dessa situação lastimável?

Em primeiro lugar, é necessário criar espaços para ajudar as pessoas à pensar, se confrontarem, discutir, formar-se uma própria idéia. Em municípios onde quem não fica com a situação é sistematicamente perseguido ou, pior ainda, considerado um inimigo, torna-se urgente criar espaços culturais aonde as pessoas se sintam a vontade para expressarem as próprias idéias sem medo de retaliações. Uma das características da imagem de Deus contida no homem é a liberdade. Onde a liberdade estiver ameaçada, como é no nosso caso, deve ser feito tudo o possível para criar estratégias capazes de estimular a capacidade reflexiva das pessoas. A liberdade é de fato, ligada à capacidade de pensar típica do homem e da mulher. Sempre admirei a liberdade de expressão que, neste contexto sócio-politico de terceiro-mundo, torna-se coragem, ousadia. È isto que deveria produzir uma seria reflexão na liderança política dos nossos municípios. Não é possível, de fato, medir o desenvolvimento de um povo fazendo referencia somente aos indicadores econômicos. Não adianta expor a lista das obras realizadas, quando não se fez nada para ajudar a criar um clima social mais livre. A democracia é a convivência dos opostos, o respeito das idéias alheias. Aonde isto não acontece, não é possível falar de democracia, mas de oligarquia- governo de poucos-, ou de monarquia, governo de um só.  

Liberdade e cultura caminham juntas. Até quando é o prefeito da cidade que decide quem ensina aonde, não haverá crescimento cultural. Um professor amedrontado passa para os próprios alunos a própria covardia e, esta, não favorece o desenvolvimento de uma personalidade autônoma. Sendo que dificilmente mudarão no breve período estas leis feitas pela mesma elite na época do coronelismo, será necessário que os poucos homens e as poucas mulheres livres, ou seja não atrelados/as ao poder, inventem meios para despertar os espíritos mais ousados. Não basta, de fato debater, analisar. Precisamos de homens e de mulheres que saibam agüentar a maldade do poder, as suas mesquinharias para inventar estratégias novas. Nessa altura, fazer cultura significa inventar técnicas de resistência, um contra-pensamento que desmascare as armadilhas de morte escondidas nas mentiras do poder. Se quisermos reconstruir cidades aonde seja possível pensar, gritar a própria liberdade, falar com qualquer pessoa sem medo de sermos vistos pela posição, devemos considerar totalmente fracassado o atual projeto político. De fato, estamos nauseados de políticos corruptos, que cuidam discaradamente dos próprios interesses pessoais o familiares, que gostam cinicamente de humilhar aqueles que eles chamam de inimigos.  Chega de promessas mentirosas, de mascaras nas épocas das eleições, de palavras recheadas do nada. Precisamos de homens e mulheres autênticos, que tenham uma só palavra. Estes homens e estas mulheres não se encontram no atual poder político. Por isso não queremos nas nossas fileiras pessoas interessadas a subir a escada do poder político. Se no passado cometeram este pecado, serão perdoados se terão a força de libertar-se destes desejos impuros e imorais.

A libertação será moral o não será nunca: é este o nosso grito. Por isto é necessário ajudar os adolescentes e jovens para que eles descubram a riqueza da própria vida interior, não para fugir num narcisistico individualismo, mas para assumir com mais força a própria dignidade humana. Ser homem e mulher não é apenas um direito: é também um dever. Sentir o compromisso de cuidar de si mesmo e das pessoas que moram perto de nós; perceber a responsabilidade que ser pessoa é cuidar dos outros, interessar-se deles: é esta consciência que deve ser despertada e formada. Estamos, de fato, vivendo não em décadas economicamente perdidas, mas sum humanamente disperdiçadas. Recuperaremos este tempo somente se fizermos o esforço de ajudar as novas gerações para que aprendam a pensar com a própria cabeça, sem medo de ninguém, mas somente com um grande temor de Deus no coração. O tempo é de Deus e Ele está  com todos aqueles e aquelas que se esforçam de proteger as suas criaturas do mal, para que no mundo reine o bem.





     

domingo, 16 de setembro de 2018

ESTAMOS PERDENDO A JUVENTUDE






Paolo Cugini

Foi esse o título de um artigo que chamou muito a minha atenção, que apareceu numa revista religiosa o mês passado. O autor – prof. Renold I. Blank – lançou um “grito de alerta” sobre a situação de juventude na Igreja Católica. Segundo ele, os grupos jovens da igreja alcançam pouquíssimos jovens, também porque a proposta deles é muito radical.

Quem não é engajado na luta social (PJMP) ou quem não quer rezar (grupos de oração) não pode pertencer ao grupo. E assim a grande maioria dos jovens não é atendida. Infelizmente os coordenadores dos grupos jovens, deparando sobre a dificuldade de liderar com os jovens, ficam paparicando os poucos sobreviventes abrindo mão do esforço missionário, base de um trabalho com a juventude.

Uma Igreja que quer ser proposta positiva para os jovens deveria, em primeiro lugar, sair nas estradas, nos praças, nas escolas e, porque não, nos bares para encontrar os jovens onde eles vivem. É o contato humano, o encontro pessoal o primeiro meio de evangelizar. O conteúdo passa através da relação e, esta, para acontecer, deve ser procurada e deve ser realizada de forma desinteressada. É a bondade das nossas relações que se torna sinal de algo de misterioso que provoca a curiosidade.

A maioria dos jovens não freqüenta a Igreja, não andam nos nossos “importantíssimos” encontros, não se sentem envolvidos em lutas sociais e não gostam de rezar. Nem por isso não precisam encontrar-se com os outros jovens, para aprofundar o conhecimento de si e do mundo. Aliás deveriam ser eles os primeiros sujeitos do nosso trabalho de evangelização.

Pessoalmente acho que o problema que não permite aos agentes de pastoral de fazer um passo mais firme para encontrar a juventude, è devido à maneira de entender o problema da evangelização. Para a esmagadora maioria dos agentes de pastoral, evangelizar os jovens significa catequizar, organizar grupos de oração, ou, grupos de engajamentos sociais. O fato é que mais de 96% dos adolescentes e jovens das nossas Paróquias, não entram nesses esquemas. Talvez, a historia está querendo nos convidar para pensarmos caminhos de evangelização deferentes, mais criativos, em outras palavras, mais atentos a realidade complexa da juventude de hoje.

Isto quer dizer que a Paróquia, além de promover grupos de jovens que querem aprofundar o conhecimento de Jesus (PJMP) e grupos de oração, deve aprender a pensar de uma forma mais livre e criativa. Deve, por assim dizer, elaborar umas propostas para a maioria dos jovens que não pisam o pé na Igreja e não se sentem atraídos pelas nossas propostas religiosas. Poderia ser este o trabalho de um conselho pastoral ou do grupo  dos coordenadores de grupos de jovens.

Mas não é um conselho pastoral que pode entender o rumo que a pastoral da juventude deve tomar. É a vivencia com os jovens, é a rua, a praça, os novos areópagos aonde a juventude se encontra, ou seja, nas redes sociais que se decide o que fazer e como enfrentar o delicado tema da evangelização da juventude. Não podemos, também, passar a vida toda se queixando porque os jovens não andam nas missas, pois é um tipo de proposta que não bate na vivencia deles. É tocando a realidade dos jovens que podemos entender o caminho que Deus está preparando para que possam se encontrar com Ele.

Para um tipo de trabalho desse, quer dizer bem missionário e despojado, é preciso pessoas que já encontraram o Senhor e que se alimentam do seu amor. Não tem possibilidade nenhuma de desenvolver um trabalho de evangelização se cultivar interesses pessoais. Talvez seja este o problema maior da nossa pastoral da juventude. Entram no campo da missão, obreiros que cultivam algumas expectativas pessoais, muitas vezes de tipo afetivo. Quando não tiver gratuidade, não vai muito longe no trabalho pastoral, pois a gratuidade é um sinal da presença de Jesus Cristo na historia.  São pessoas que alcançaram uma maturidade afetiva e humana que podem criar relações humanas livres e, por isso, caminho de um autentico encontro com Cristo. Pelo contrario, quando a ação pastoral no meio dos jovens é liderada por pessoas não resolvidas afetivamente, a projeção deles sobre os jovens que encontram é misturada e, ao mesmo tempo guiada, pelas carências afetivas não resolvidas.

Por isso Jesus não dava ousadia quando as pessoas o procuravam para prestigia-lo depois de um milagre. Ele não se alimentava da fama humana, mas do amor do Pai. Esta é uma grande indicação não apenas religiosa, mas também humana, que nos ajuda para avaliar a nossa maneira de liderar com as pessoas que nos rodeiam no trabalho pastoral, sobretudo com a juventude. Estou frisando a juventude porque a personalidade de um jovem é ainda em formação e o desastre que nele pode provocar um evangelizador carente e mal resolvido na afetividade, é demasiado grande. As crônicas que lemos nos jornais nestes dias, estão confirmando, infelizmente, as minhas palavras.




quarta-feira, 12 de setembro de 2018

OBRIGADO





Vigilia de oração com a qual cumprimentei os amigos e amigos das paróquias em que fui pastor de 2015 a 2018. Pronto para a missão na Amazônia

terça-feira, 11 de setembro de 2018

EM QUE MUNDO VIVEMOS?





Paolo Cugini
Durante o curso de Mestrado em Teologia da Evangelização que frequentei  na cidade de Bolonha (Itália) um dia, pela tarde, entre alguns padres estrangeiros que frequentam o mesmo curso, se desencadeou um debate. Enquanto um padre italiano estava desabafando, expressando o seu mal-estar pelo numero impressionante de estrangeiros, pela maioria africanos e asiáticos, que estão chegando na Itália todos os dias – de quientos a mais de dois mil todos os dias -  um padre grego da Igreja ortodoxa sustentava que isso que a gente estava vendo não era nada em comparação daquilo que estava acontecendo na Grécia. “Pessoal vocês não estão vendo nada. Sirianos, indianos, e tantos outros de vários países estão entrando na Grécia pela Turquia: ninguém sabe o numero preciso deles”. Foi neste exato momento que dois padres de origem africana, pela precisão do Congo, entraram com tudo na conversa. “Vocês nunca se perguntaram porque dezenas de milhares de pessoas vendem tudo para adquirir uma passagem, arriscar a própria vida para uma viagem que ninguém sabe se vai dar certo? Vocês sabem quantas pessoas já morreram no mar Mediterrâneo, pois isso é veiculado pela mídia. Mas ninguém explica o motivo desta fuga de massa, pois isso dói, isso mexe com o orgulho europeu”. 

Segundo Jaques, que faz parte de um organismo africano presente em vários países europeus que visa apresentar a todos os níveis possíveis a problemática dos países africanos e, sobretudo, dos países centro-africanos, o motivo de uma massa impressionante de pobres estar saindo da África são as guerras causadas pelos europeus. Holanda, França e Inglaterra estão travando uma verdadeira guerra da qual ninguém sabe e, sobretudo, ninguém fala, para conseguir as terras das minerações. E ali quando entram devastam tudo sem respeito de nada e de ninguém. A história se repete. Parece que não bastaram os estragos que causaram na América. Por isso o povo não aguenta e se manda.

Martina é uma jovem doutora em filosofia. Estava sentada ao meu lado outro dia durante um curso em Roma sobre os problemas da adolescência. Ela mora em Siracusa, uma das cidades da Sicília, a grande ilha italiana situada no mar Mediterrâneo. Siracusa é uma das cidades na qual chegam os barcos dos migrantes. Ela me contou que o fenômeno novo que está acontecendo sobre o problema dos migrantes, é o numero impressionante de menores que está chegando. Não são mais apenas adultos que estão abandonando o próprio lar, o próprio pais,  mas crianças. Em varias cidade italianas pessoas de boa vontade estão se articulando para acolher e acompanhar estes menores, na maioria crianças. Martina me contou que se estes voluntários, apelidados de Tutores, não chegam a tempo, o pessoal ligado às varias máfias, traficantes pegam as crianças e os menores para explora-los, jogando-os nos itinerários da droga, da prostituição, do comercio de órgãos humanos.   Um drama humanitário está acontecendo e ninguém fala nada e, sobretudo ninguém faz nada. Como sempre são as pessoas de boa vontade que de forma silenciosa e gratuita estão arregaçando as mangas para fazer de tudo pra dar um jeito, pra salvar estas crianças. É difícil nessa altura puxar uma reflexão seria. Na minha mente só consigo me perguntar: Que mundo é este, meu Pai do Céu?!

CEBs E SACRAMENTO DO BATISMO



Paolo Cugini
                                                                           
1.   Se é verdade que “pelo sacramento do batismo somos incorporados a Igreja” é também verdade que nas nossas comunidades, em muitos casos, o batismo é algo de estranho, que dificultamos a encaixar dentro a vida mesma da comunidade. Quantas vezes aceitamos como padrinhos pessoas que parecem verdadeiros “marcianos”, no sentido que nunca vimos em momento nenhum na vida da comunidade, seja na vida celebrativa que em outros eventos. Ou quantas vezes batizamos crianças “de cuja educação na religião católica não se tem fundada esperança” Então o problema é este: como celebrar nas nossas paróquias o sacramento do batismo, para que expresse de verdade aquilo que significa, ou seja a incorporação na Igreja católica e não apenas uma passagem, uma rápida visita? Melhor ainda: de que forma podemos celebrar o sacramento do batismo de modo que expresse o começo da caminhada na comunidade e não o termino?

2. As“CEBs são um nível eclesial fundamental onde os batizados vivem a sua fé de modo comunitário, profético e missionário, numa opção preferencial pelos pobres, denunciando o projeto social existente, animando a todos para a construção de uma sociedade orientada pela utopia do Reino de Deus” . Não tem sentido, então, ser membro das CEBs e ficar “frio”, desinteressado, perante a situação social ou a vida mesma da comunidade. Através do batismo, a pessoa entra a fazer parte de um corpo vivo, de membros vivos que exigem contato, relacionamento, envolvimento. È isto que deveria acontecer cada vez que os pais se apresentam à comunidade querendo receber o sacramento do batismo, que os agentes pastorais deveriam traduzir como um pedido de envolver a criança dentro da vida da mesma comunidade. Em São Paulo encontramos o mesmo sentido do sacramento ligado à participação ativa da vida da comunidade: “Todos fomos batizados num só Espírito para sermos um só corpo” (1Cor 12,13). O Espírito Santo recebido no sacramento do batismo visa a construção do corpo de Cristo, que é a Igreja.

3. Como traduzir estas idéias no nosso dia a dia pastoral? Como celebrar o sacramento do batismo para  que marque efetivamente o ingresso e a participação ativa na vida na comunidade? Para responder a estes questionamentos, tentarei esboçar algumas indicações tiradas da pratica corriqueira e da convivência com agentes pastorais.
Em primeiro lugar, se quisermos ligar de uma maneira intrínseca o batismo á vida da comunidade, precisamos fazer de tudo para que a comunidade exista. Não podemos, de fato, exigir a participação ativa da comunidade para pais de crianças que moram mais de duas léguas distantes da capela. Iremos formar comunidades também aonde o numero de casas é escasso, mas pelo menos garantindo um mínimo de CEB.
Em secundo lugar, não adianta fundar comunidades se depois não tivermos a paciência de acompanhá-las com visitas freqüentes para estimular as pessoas manifestando a própria solidariedade pelo processo eclesial iniciado.

Enfim, para que a comunidade possa caminhar com as próprias pernas, será necessário um constante trabalho de formação da liderança local, sobretudo para ajudá-las a assumirem as decisões necessárias pra levar em frente a comunidade. Uma destas decisões poderia ser a admissão dos candidatos ao batismo, feita pelo conselho pastoral da comunidade em dialogo com o padre e as irmãs da paróquia. È claro que, uma comunidade viva e ativa como esta, com liderança que assume com responsabilidade as decisões pelo bom andamento da caminhada da comunidade, não precisa mais de organizar cursos de batismo para pais e padrinhos. Este é, aliás, o sonho expresso também nas “Orientações Pastorais” da nossa diocese, quando relata que: “o ideal é chegarmos a um crescimento comunitário na fé em que não necessite mais de “cursos de preparação”, mas onde a participação e o testemunho cristão das famílias sejam os critérios  para a admissão ao Batismo” .
È verdade que não se vive só de sonhos e de utopias, mas fazer de tudo para que estes sonhos se realizem, faz parte da nossa ousadia pastoral.

 


segunda-feira, 10 de setembro de 2018

DESESTRUTURANDO A ESTRUTURA RELIGIOSA




Paolo Cugini

A pergunta é esta: se tivéssemos a coragem de desestruturar a religião, sobraria o que? Dizendo com palavras mais compreensíveis: se tivéssemos a coragem de tirar do discurso religioso todos os elementos culturais, ou seja, os elementos que ao longo dos séculos foram se volumando no redor do espaço religioso, será que iria sobrar alguma coisa daquilo que nós chamamos de religião? Afina de conta acreditamos em que ou em quem? São perguntas que sempre entram na minha cabeça de padre quando participo de solenidades religiosas, festas de padroeiro/a, procissões, etc. Quanto de religioso existe nestas festas populares e quanto de cultural? Porque se gastam tantas energias para organizar eventos religiosos quando de religioso tem bem pouco e de Deus ainda menos?

É verdade que a mediação cultural é necessária para o anuncio do Evangelho. O problema é quando a cultura substitui o kerigma, ou seja, o conteúdo do Evangelho. É isso que dizia Jesus aos fariseus que ao longo dos séculos, para amenizar o impacto dos mandamentos de Deus inventaram tradições que, lentamente substituíram a mesma Palavra. “Assim invalidais a Palavra de Deus pela tradição que transmitistes. E fazeis muitas outras coisas desse gênero” (Mc 7, 13). Se de um lado a cultura é necessária para anunciar o Evangelho de forma inculturada, do outro a mesma cultura deve sempre ser averiguada, passar a peneira do Evangelho para que não aconteça aquilo que aconteceu com os fariseus. A cultura não é um valor que pode ficar acima do Evangelho, mas sim deve constantemente ser evangelizada. É este o trabalho que a pequena comunidade que se reúne para meditar a Palavra deve fazer: aprender a vislumbrar a presença de Cristo dentro da história. Isso exige disponibilidade a escutar a voz do Espirito Santo, a constantemente se questionar e, assim, questionar as estruturas culturais que ao longo do caminho são assumidas para mediar o Evangelho numa particular circunstancia.

Porque é tão difícil este trabalho de discernimento cultural? O motivo me parece muito simples, pois o Evangelho exige uma continua disponibilidade à conversão, à mudança e nem tudo mundo é disponível a isso. É mais fácil sentar-se no cômodo sofá da vida, naquilo que sempre foi feito e aproveitar disso. Além disso, a religião se presta muito para ser explorada, pois o sentimento religioso popular junta muita gente, massas enormes. Por isso nas grandes festas religiosas nunca faltam os políticos, que como urubus aproveitam destas gigantescas ocasiões para se amostrar. É por isso que estou questionando a voz alta a religião popular: a que serve? Tem a ver o que Deus como a porcaria que encontramos em varias festas chamadas de religiosas. Quantas vezes participei de festas de padroeiro/a com uma grande angustia no coração pelo fato que não entendia o sentido daquilo que estava acontecendo. Dentro a Igreja a missa e fora quiosques vendendo cachaça e cerveja para arrecadar dinheiro pela Igreja! Porque as pessoas não conseguem perceber o tamanho destas contradições? Porque se acha normal uma bagunça dessa? E porque quando se questiona tem muita gente achando ruim?

As vezes fico meditando o fato que Jesus depois da ceia derradeira saiu para a Horta das oliveiras, sozinho. Se Judas o achou e entregou é porque Jesus era acostumado a esta atitude, se retirar sozinho. Talvez esteja na solidão a autenticidade da experiência religiosa e não na massa anônima. Talvez seja por isso que é fácil manipular culturalmente a massa, pois é anônima, sem reposta, aceita tudo, engole tudo. Um pouco de solidão na companhia de Jesus ajudaria a ver com mais profundeza a realidade daquilo que chamamos de religião, descobrindo que talvez sobrou pouquíssimo: quase nada.



PARA ONDE FOI A RELIGIOSIDADE HUMANA? CONVERSANDO COM O FILOSOFO XAVIER ZUBIRI






Paolo Cugini

 Estamos vivendo uma das épocas da humanidade que mais questionam a presença de Deus. A cultura pós-moderna, na qual querendo ou não estamos mergulhados, está literalmente varrendo não apenas os valores morais que nortearam a vida do homem ocidental, mas também questionando na raiz o sentido da dimensão espiritual do homem e da mulher, pondo em xeque a presença de Deus. Parece que quando as pessoas alcancem um estado de vida que permite satisfazer os instintos básicos da vida, não sentem mais a necessidade de Deus. Parece que o anseio de Deus seja algo que acalma quando o homem e a mulher estão satisfeitos. Isso é até mesmo um dado pastoral. De fato, muitas vezes as pessoas se afastam da caminhada da Igreja quando alcançam um estilo bom de vida. Podemos, então questionar: será que a matéria preenche a vida? Ao mesmo tempo a pergunta pode ser dirigida do lado oposto: será que Deus serve para isso? Numa recente pesquisa foi mostrado um dúplice resultado contrastante. De um lado, foi observado que os países com o maior patamar de vida são aqueles com o menor índice de presença religiosa. Na Suécia, por exemplo, que aparece constantemente ao topo do ranking dos países mais abastados e como o melhor estilo de vida, o índice de ateísmo chega ao 96%. Ao mesmo tempo, porém, a pesquisa mostra que é o mesmo pais, que aparece no topo de outro ranking sem duvida meno honroso: a percentagem de suicídios. Talvez podemos rapidamente salientar que não são os bens matérias que preenchem a sede profunda de sentido que o homem e a mulher percebem dentro de si. Não podemos encurralar a dimensão humana apenas no espaço da dimensão material: existe algo que fica além, que transcende a dimensão material. Não é o dinheiro que preenche o vazio existencial e o homem e a mulher não se resumem nos desejos instintuais. Mais uma vez: tem algo a mais que define a estrutura antropológica do homem e da mulher e que foge aos critérios científicos.

O filosofo espanhol Xavier Zubiri (1898-1983) refletiu por muito tempo sobre este assunto e chegou a uma conclusão que, como mínimo, podemos definir mirabolante. De fato, Zubiri, em algumas das suas obras, declarou que não é verdade que podemos dividir a humanidade entre as pessoas que têm religiosidade distinguindo-as daquelas que não têm, pois o homem e a mulher são religiosos, ou seja, a religiosidade aponta o sentido profundo do ser humano. Porque Zubiri chegou a esta conclusão difícil de engolir num contexto cultural pós-moderno, que fica indiferente as aproximações religiosas? Segundo o nosso autor é necessário observar com atenção o ser humano e descobrir o quanto é frágil, carente, em outras palavras: criatura. O homem e a mulher para viver precisam de alguém e isso vale seja no sentido material que espiritual e até cultural. O fato que o homem e a mulher são criaturas aponta por algo que está por trás, ao fundamento da vida: o Criador. A criatura por si mesmo incapaz de sobreviver, percebe ao longo dos anos a própria essência de criatura e aprende a se dirigir ao Criador para viver dignamente na terra. A religião é a percepção de uma ligação de dependência radical com o Criador e o desenvolvimento da vida humana depende da percepção desta ligação intrínseca do homem e da mulher com Deus. A religião define a essência do ser humano: durma com um barulho desse!

Se Zubiri tem razão, ou seja, se for verdade que o homem e a mulher são religiosos por essência e a realização da vida acontece a partir do reconhecimento desta interligação com Deus, como explicar isso na cultura pós-moderna, materialista e indiferente ao discurso religioso? Talvez seja isso mesmo a grande tarefa da Igreja nesta estação pós-moderna: ajudar a humanidade a descobrir, aliás, a redescobrir a autenticidade da própria essência religiosa. Talvez isso não necessite ser feito com palavras, argumentos, demonstrações racionais, mas sim com o dialogo honesto, com aquele respeito do outro que era típico nas conversas que Jesus tinha com os interlocutores. O mundo perdeu o sentido da própria essência religiosa talvez por causa das próprias pessoas por assim dizer religiosas, ou pelas próprias instituições religiosas, que deixaram de ser amiúde espelho transparente da presença de Deus na história, ofuscando a verdade de Deus. Que tipo de trabalho pastoral aprontar para ajudar as pessoas a se reconciliarem com Deus e, por isso, consigo mesmo? Talvez seja este um dos grandes desafios que a cultura pós-moderna está apresentando para todas as pessoas que trabalham em prol do Reino de Deus.