quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

A SÍNDROME DE MONTEZUMA-Caminho de libertação do passado

 




Paulo Cugini

 

Como explicar o fato de Cortez, com algumas centenas de homens, ter conseguido tomar o reino de Montezuma que contava com centenas de milhares de homens? O problema é: por que os índios ofereceram tão pouca resistência? Esta é a questão que está na base da obra do filósofo e pensador búlgaro e naturalizado francês Tzvetan Todorov: A Conquista da América. O problema do outro, Marin Fontes, São Paulo 2019.

 Sabemos que, pelos textos da época, os índios dedicam grande parte do seu tempo à interpretação das mensagens que os acontecimentos da atualidade manifestam. O problema para eles consiste em entender como um evento já ocorreu no passado, pois nada de novo acontece que já não tenha acontecido. Trata-se, portanto, de compreender, ou melhor ainda, de descobrir quando e de que forma ocorreu aquele acontecimento específico, que está a acontecer agora, e assim compreender como os antigos resolveram o problema. O futuro do indivíduo é determinado pelo passado coletivo. O indivíduo não constrói o seu futuro, ele se revela. Os índios de Montezuma ficam estupefatos com a notícia, porque tudo deve ter acontecido no passado, porque tudo volta.

Os espanhóis foram uma verdadeira surpresa para os mexicanos, por isso Montezuma não quis receber Cortez: demorava a perceber se já tinha acontecido uma situação semelhante no passado. Os astecas não escreviam, mas faziam pinturas. Havia um livro de pinturas antigas que revelava acontecimentos passados ​​aos sábios. Diante de cada nova situação, buscavam-se respostas no passado: o futuro não existia, porque tudo já havia acontecido. A identidade dos espanhóis é tão diferente e nova que perturba todos os meios de comunicação e os astecas já não conseguem recolher informações: já não existem no passado. Em vez de perceberem o acontecimento como um encontro puramente humano, ainda que inédito - a chegada de homens ávidos por ouro -, os índios os integram numa rede de relações naturais, sociais e sobrenaturais, onde o acontecimento perde a sua singularidade.

A ausência da escrita é um elemento importante da situação. Os astecas registravam situações com desenhos e não com linguagem escrita. A submissão do presente ao passado continua a ser uma característica significativa das sociedades indígenas da época. Isto diz respeito também à educação das crianças, que tiveram que aprender os ensinamentos do passado para interpretar os sinais do presente. A profecia, nesta perspectiva, é memória. Passado e futuro pertencem ao mesmo livro.  



Podemos ver claramente a relutância de Montezuma em admitir que um acontecimento totalmente novo pudesse acontecer. A vitória dos conquistadores também é vista numa perspectiva religiosa, como a superioridade da concepção de tempo do cristianismo, que avança para a novidade que, neste caso, corresponde à vitória sobre os indígenas. Os nativos não conseguem improvisar, porque para eles o acontecimento presente nunca é novo, mas tem sempre uma contrapartida no passado. Nessa perspectiva, o problema passa a ser interpretar os presságios, os sinais do presente para entender que acontecimento passado se trata.

O que podemos definir com termos retirados da atualidade, a síndrome de Montezuma, nos preocupa muito de perto. Principalmente com o passar dos anos, a tendência de nos refugiarmos no passado, rejeitando a novidade do presente que nos encontra despreparados, torna-se uma característica da nossa forma de agir e interagir com o mundo que nos rodeia. O grande problema, em determinado momento da vida, passa a ser a novidade que o presente acontecimento pode trazer. É capaz de se relacionar com a novidade, aquele que durante a vida aprendeu a deixar-se questionar e, assim, apreender cada situação da vida como possibilidade de crescimento e de renovação. Esta é a atitude da pessoa aberta, disposta, atenta, que ama a vida tal como ela se manifesta e não como gostaria de mantê-la.

Aqueles que, pelo contrário, se deixam dominar pela síndrome de Montezuma, muitas vezes partem de um caminho feito constantemente na defesa, na procura constante de segurança material, existencial, em que o importante é não lutar, não sujar as mãos, para permanecer protegido. Quem passa a vida na via de emergência acaba virando um velho rabugento, que tem medo de tudo, porque, afinal, tinha medo de viver.

A cura da síndrome de Montezuma, que se forma a partir das escolhas que fazemos quando crianças, é uma grande meta de todo pai, mãe, educador. Salvamo-nos desta síndrome mortal vivendo plenamente o nosso presente, não fugindo das coisas novas, mas abraçando-as com as duas mãos, porque aprendemos lentamente a reconhecer nas coisas novas o mistério da vida que nos chega, a saboreemos a emoção de tudo o que uma vida plena implica.


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