terça-feira, 25 de janeiro de 2022
quarta-feira, 5 de janeiro de 2022
CONSIDERAÇÕES SOBRE PÓS-CRISTANDADE
Paolo Cugini
Onde o
cristianismo desaparece, as formas pagãs retornam (Chantal Delson).
Quais são os elementos que
podem nos levar a pensar que a era da Cristandade acabou? Em primeiro lugar, o fato de que
a Igreja não afeta mais a sociedade, não é mais em conjunto com ela. A
Cristandade moldou a sociedade durante séculos, a ponto de até os ritos religiosos
fazerem parte do tecido social, que identificava um povo. Hoje, de forma
clara e, podemos dizer com segurança, felizmente, isso não é mais o caso, a
ponto de muitos se declararem ateus. Mesmo aqueles que se declaram crentes,
têm pouca participação na vida religiosa. A Cristandade foi a casca que cobriu
a cultura ocidental de fora, também deu forma a alguns de seus valores, deu-lhe
uma identidade, para melhor ou para pior.
Como surgiu esse colapso de
época, esse fim de um estilo social tão significativo? Muitos são os
fatores que contribuem para oferecer elementos para essa resposta. É sem
dúvida uma mudança de época, uma mudança de paradigma que, para acontecer,
exige a convergência dos fatores que a caracterizaram. O fim da Cristandade traz consigo uma espécie de
Cristianismo, uma forma de pensar e viver a relação com Deus. Após o século IV
dC, o afastamento das fontes da primeira comunidade cristã, marca o passo do
advento da Cristandade, que progressivamente se identifica com uma forma
política e social: o Sacro Império Romano. Do cristianismo primitivo, isto
é, das origens, permanecem os contornos externos, junto com alguns conteúdos,
que adquirem significado pelo serviço que prestam à manutenção de um
determinado ambiente cultural.
Os temas do pecado, da salvação,
junto com os do arrependimento, da conversão e da penitência, temas evangélicos
mas esvaziados do seu significado profundo e, sobretudo, desvinculados da
mensagem da misericórdia de Jesus, têm servido durante séculos para manter submissos
os ignorantes, ao poder da Igreja. A Cristandade era, portanto, uma
religião subserviente ao poder político, que criava um sistema de ritos, uma
liturgia, uma moral e uma teologia capaz de manter o povo submisso, em perene
sentimento de culpa, necessitado de perdão, que só os funcionários da igreja
podiam doar. Pecado, culpa, penitência, salvação: estes são os temas que
moldaram o cristianismo, sua estrutura político-social. Não por acaso, com
o colapso do andaime externo do cristianismo, os próprios conteúdos por ela
elaborados e preconizados se esvaziaram de sentido e as pessoas se afastaram
dessa estrutura, que os mantinha submissos.
Se a Cristandade como
estrutura social desapareceu em pouco tempo e ninguém mais sente falta, a
situação é bem diferente no plano puramente religioso. Séculos de ritos,
pregações, liturgias marcadas pelo tema do pecado e do medo do inferno,
deixaram uma marca profunda na consciência das pessoas religiosoas, deram forma
a uma mentalidade. O Concílio Vaticano II não foi suficiente para minar o
desastre espiritual perpetrado no período do cristianismo. As
contribuições das mais avançadas pesquisas teológicas, exegéticas e históricas
não foram suficientes para demonstrar que, o que se passava por cristão, não
passava de um grande engano, uma grande impostura, a grande invenção de uma
religião a serviço de o poder. Séculos de castiçais, incensários, cultos
pomposos, em grande parte de linguagem incompreensível pela maioria do povo,
fizeram-nos crer definitivamente que a religião proposta pelo Evangelho tinha
aquela forma específica. E assim, enquanto as catedrais são fechadas e
muitas igrejas vendidas porque os fiéis as abandonaram, a religião que a
Cristandade moldou permanece.
Será que mais algumas décadas
serão suficientes para limpar os escombros dessa religiosidade e abrir espaço
para o Evangelho? A resposta não é fácil. Claro, o que vemos hoje, é
a resistência de quem não quer perder sua identidade moldada pela era da
Cristandade. Este é o problema central. Quem identifica a proposta de
Jesus com aquela forma religiosa específica, não aceita a mudança. E
assim, assistimos ao regresso das batinas, das liturgias pontifícias, dos
prelados que, com duros discursos, mostram que ainda querem contar. Na
realidade, este estilo religioso, já não diz nada à sociedade, serve apenas aos
poucos adeptos, fechados em si próprios, com medo do que acontece lá
fora. Em vez disso, o que se configura é o espaço para uma nova forma de
viver o Evangelho e é precisamente sobre esta nova possibilidade que se deve
prestar atenção.
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