sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Uma teologia líquida

 




 

Análise crítica da teologia dogmática e proposta de um novo modo de pensamento teológico

 

 

Paolo Cugini

 

No panorama contemporâneo, a reflexão teológica encontra-se numa encruzilhada epistemológica crucial. Se a teologia dogmática pode ser definida como "sólida", isto é, fundada em princípios e sistemas estáveis ​​e muitas vezes imutáveis, o seu oposto natural é a "liquidez". Esta metáfora, emprestada do léxico das ciências sociais, sugere uma teologia capaz de se adaptar, fluir e renovar em relação às necessidades históricas, culturais e sociais do presente.

A solidez da teologia tradicional, embora assegure coerência e identidade doutrinal, muitas vezes gera rigidezes que dificultam o diálogo com as complexidades dos acontecimentos atuais. Essa rigidez epistêmica, de fato, torna difícil atender às novas demandas da sociedade, gerando desorientação e desconfiança nas possibilidades de reforma. Uma estrutura sólida, se incapaz de mudança, corre o risco de ruir diante de desafios que não consegue compreender ou resolver, a ponto de desaparecer gradualmente do horizonte cultural.

Nesse contexto, surge a necessidade de uma nova teologia, capaz de abordar os problemas à medida que surgem, sem se tornar rígida diante da diversidade ou da novidade. A teologia líquida, nessa perspectiva, não se limita a tolerar as diferenças, mas as acolhe como uma oportunidade de crescimento, escuta e diálogo. Ela encara a pluralidade de opiniões não como uma ameaça, mas como um estímulo construtivo que pode renovar a própria doutrina.

A teologia líquida distingue-se, portanto, pela sua capacidade de dar e receber, de acolher as contribuições de outras teologias sem receio de contaminação. Desta forma, incorpora um modelo eclesial mais inclusivo e misericordioso, em nítido contraste com a rigidez doutrinal que, ao longo dos séculos, por vezes semeou violência e intransigência. As páginas sombrias da história, da "santa" Inquisição à caça às bruxas, testemunham como a teologia rígida, aliada ao poder político, impôs à força uma fé uniforme, obliterando a diversidade e a liberdade de consciência.

Em conclusão, a teologia líquida oferece um paradigma alternativo, capaz de superar as rigidezes do passado e promover um pensamento teológico mais aberto e dialógico, atento aos desafios do presente. Somente por meio dessa transformação epistemológica será possível restaurar a teologia à sua função original: como um espaço de pesquisa, debate e experiência espiritual autêntica.

 

sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

A LIBERDADE DAS MULHERES

 




O dia em que as mulheres deixaram a igreja: para sempre

 

Paolo Cugini

 

 

E chegou o dia. Havia um burburinho no ar, acompanhado de risos cúmplices. Uma correria silenciosa, mas alegre. Tinham combinado tudo em segredo, como nos velhos tempos de escola. Mas agora já eram mulheres crescidas e, justamente por isso, decidiram que naquele dia iriam embora para outro lugar. Tinham tomado a decisão de sair da igreja para sempre: sem regresso. Os últimos acontecimentos convenceram-nas de vez que ali não havia lugar para elas. Talvez, afinal, aquelas recusas constantes fizessem parte de uma voz do Mistério que orientava a história, o universo, a seguir por outros caminhos. O universo é imenso, então por que insistir em permanecer num lugar que, dia após dia, se revela hostil?

Esse era o pensamento das amigas que, cheias de alegria, naquele dia decidiram percorrer todas as ruas da vila para chamar todas as mulheres que encontravam e anunciar-lhes a grande novidade: o Mistério chama-nos a todas para ir além. Séculos e séculos a receber apenas recusas, incompreensões, ordens de silêncio. E depois, não se lembram de quando se divertiam a queimar-nos, a chamar-nos bruxas! E por que, então, haveríamos de ficar num sítio assim, que não nos quer, que nos trata mal? Vamos embora todas, gritavam, e dançando e cantando alegremente passavam de porta em porta. “Vamos, meninas! Somos livres! Não nos deixemos mais aprisionar pelos seus discursos mesquinhos.”

Foi assim que, a partir daquele dia, as igrejas ficaram sem nenhuma mulher: partiram todas. E nesse dia, ficou escrito nos céus e gravado nos sussurros do vento: “Serão tempos novos,” proclamava o silêncio das naves vazias, “pois as mulheres, filhas da terra e da coragem, ouviram o segredo pulsar do Mistério.” Assim, como ondas que abandonam a praia após longos séculos de tempestade, afastaram-se dos lugares que nunca as tinham amado, levando consigo a antiga chama da liberdade. E os sinos, que outrora chamavam para a reunião, permaneceram mudos a contemplar a revolução serena das almas em marcha.

Foi o fim de uma época e o nascer de outra, onde a voz das mulheres, finalmente liberta das correntes da invisibilidade, ecoou pelas vielas, nas praças, sob o céu infinito: “Não haverá mais prisão que nos possa deter, nem palavra que nos faça calar. De hoje em diante, a vida escreve-se noutro lugar.” E ainda hoje, quem escuta com o coração aberto pode ouvi-las, dançando leves na fronteira entre o velho e o novo mundo, anunciando que onde a liberdade chama, nenhum coração ficará acorrentado.

 

 

quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Redescobrir o Mistério para além da ortodoxia

 




Paolo Cugini

 

 

No silêncio que precede toda grande virada, ergue-se uma voz que convida a desviar do caminho já trilhado. É a voz dos profetas, aqueles que escolhem ir contra, atravessar a teologia pelo outro lado da ortodoxia. Seu caminho é solitário, frequentemente criticado, mas necessário: só quem ousa desafiar o senso comum pode descobrir o rosto oculto da verdade, escondido justamente onde ninguém ousa olhar.

A profecia, neste contexto, não é apenas antecipação do futuro, mas também ruptura com o passado. Quem insiste em identificar a vida com a norma, com o que já foi dito e feito, condena-se a uma esterilidade espiritual, incapaz de captar a embriaguez do verdadeiro. A verdade não se encontra onde todos apontam, mas no caminho inverso, na direção oposta, lá onde a sede de vida, de justiça e de amor impulsiona a buscar o novo sob as cinzas do antigo.

Assim, a teologia “na contramão” torna-se desejo de autenticidade, reconhecimento de que o Mistério não se deixa aprisionar em fórmulas herdadas, mas se esconde aos olhos de quem se julga guardião do passado. É aqui que brota a água viva, não da memória fossilizada, mas do presente que inquieta e renova, como o vento que sacode os galhos e convida a sair da segurança dos hábitos.

Ir contra, então, é um ato profético: exige coragem e espírito crítico e, sobretudo, a capacidade de se deixar interrogar pelo desconhecido, pelo lado da história que ainda não tem nome. Só quem abraça a incerteza descobre que a fé é caminho, nunca posse; o amor é risco, nunca simples adesão; a justiça é sede, nunca prêmio. Nessa tensão vive a verdadeira teologia: não no controle, mas no abandono confiante ao Mistério que se revela apenas a quem ousa ir contra.

A própria fé não nasce da segurança, mas daquele passo incerto que leva para fora do rebanho. A história da espiritualidade é atravessada por mulheres e homens que souberam escutar a voz interior contrária, escolher o caminho menos trilhado e, por isso, geraram novidade. Hoje, mais do que nunca, em tempos de crise e transformação, voltar a profetizar a partir da teologia do outro lado é um gesto de responsabilidade e esperança, um convite a deixar-se surpreender pelo Mistério que nos precede e acompanha, para além de qualquer cerca de doutrina.