quinta-feira, 29 de setembro de 2022

QUANDO O PASSADO É PRETEXTO PARA COBRIR O VAZIO DO PRESENTE

 




 

Paolo Cugini

Pintadas 2011

 

 

Estava falando outro dia com um amigo meu, por telefone, e me chamou atenção uma coisa. Enquanto eu estava partilhando a minha vida presente, os trabalhos pastorais na nova paróquia, o trabalho como professor na faculdade, ele ficou lembrando somente os velhos tempos que se foram. Logo, não percebi o teor do diálogo, mas depois, relembrando essa conversa, fiquei matutando dentro de mim e me questionando: por que será que este cara falou somente do seu passado? Será que não tem nada de bom no seu presente? Qual é o seu problema?

Ainda hoje assistimos a situações deste tipo não apenas em conversas entre amigos, mas também em situações políticas e sociais. Lembro o papo furado de um candidato a prefeito de uma das cidades em que passei nesses anos de Bahia. Toda vez que pegava no microfone, independente do contexto, sempre fazia questão de citar a construção daquilo que ele pomposamente chamava de “O maior prédio escolar da Bahia”. Anos de administração pública pífia e muitas vezes corrupta, eram justificados somente com a referência a um passado glorioso que não existia mais, conseguindo enganar o presente do povo pobre, com um discurso vazio feito de lembranças passadas.

 Quanta gente vive desfrutando o próprio passado de glória! Quanta gente sentou sobre as cinzas quentinhas de um passado glorioso, ou até heroico, mas que depois não correspondeu a um presente do mesmo teor. Quanta gente se acomodou sobre os heroísmos da própria juventude, sobre as conquistas realizadas no passado, mas que depois não tiveram continuidade, acomodando-se no sofá da vida, vivendo de lembranças do tempo que foi e que nunca mais será. Quantas pessoas encontrei nesses anos de Bahia que estufam o peito falando das lutas sociais realizadas no passado, quando eram pobres lascados e hoje estão com o bolso cheio! Quantos fantasmas encontramos nas praças das nossas cidades, fantasmas de pessoas que já eram e que não são mais, pelo simples fato de renunciara a lutar, a viver o próprio presente, satisfeitos com as migalhas que ganharam com o passado de glória. Quantas pessoas aprenderam a preencher o vazio da própria vida com as lembranças de um tempo que se foi, renunciando viver o próprio presente e saborear a novidade da vida!

O problema é que o passado não volta e, sobretudo, não existe, pois existe somente o presente. Quem vive só de lembranças não consegue saborear a força e a novidade do presente e, em outras palavras, não consegue viver uma vida autêntica. Esta reflexão tem também um sentido evangélico. De fato, já o profeta Isaías convidava o povo a esquecer o passado para se concentrar na vida presente, que Deus estava querendo realizar. O mesmo Paulo na carta aos Filipenses dizia: “Por causa de Cristo tudo o que eu considerava como lucro, agora considero como perda”(Fil 3,8). É no presente da nossa vida que Deus vem ao nosso encontro. A atenção aos sinais dos tempos que o Senhor coloca na nossa vida para nos mostrar o Caminho, exige uma constante atenção ao presente da história. Quem vive com a mente constantemente virada ao passado, não consegue perceber a passagem do Senhor no presente da vida e, assim, fica endurecendo o coração, se tornando resistente à Palavra de Deus, insensível à ação do Espírito Santo. Sobretudo, porém, quem vive fora do tempo, perde uma ocasião propícia para se converter e colocar a própria vida na trilha que o Senhor traçou.

Quantas vezes nas paróquias em que passei, nas comunidades que encontrei me deparei com situações como esta! Quantas vezes nas paróquias e nas comunidades de base encontrei pessoas com a cabeça virada para o passado, incapazes de colher a novidade da presença do Senhor na história! Quantas discussões e incompreensões por causa disto – a incapacidade crônica de escutar a novidade, amarrados num passado que, graças a Deus, nunca irá voltar. Somos humanos e humano é o medo da novidade presente. A vida espiritual deveria servir a isso, ou seja, a caminhar de cabeça erguida, fitando a glória do Senhor ressuscitado que está em nossa frente para que em nosso presente possamos colocar sinais da Sua presença. A vida espiritual se realiza no diálogo cotidiano com o Senhor da vida e da história que aponta a novidade do caminho que precisamos percorrer. Que o grito do Senhor que encontramos no livro da Apocalipse: “Eis que faço nova todas as coisas” possa encontrar discípulos e discípulas acordados e não dormindo sobre os sonhos do passado, mas atentos para os novos desafios que o Senhor coloca em nossa frente.

 

A CONSOLAÇÃO ENGANADORA DO PASSADO

 




 

Paolo Cugini

Pintadas 2011

 

É sempre importante dar o nome às coisas, aos eventos ou às situações, sobretudo quando não conseguimos detectá-las e entendê-las. Existe toda uma literatura religiosa distorcida sobre o importante tema do pecado, que não permite entender esse fenômeno espiritual na sua justa profundeza. Sem dúvida, o pecado é uma experiência negativa que provoca amargura e tristeza nas pessoas que buscam a Deus com coração sincero. Além disso, o pecado se manifesta de várias maneiras e se camufla de um jeito que, às vezes, podemos confundi-lo com algo de positivo. O pecado é uma alternativa ao plano de Deus que, quando consegue penetrar em nosso horizonte de vida, provoca um profundo mal-estar. Por que, então, entramos nesses caminhos sombrios quando sabemos muito bem que nos causam tristeza e mal-estar?

Os sábios de todos os tempos e culturas indicam na felicidade o grande anseio do homem e da mulher. A busca da felicidade, que se realiza no bem viver, é o foco das nossas preocupações, seja de forma explícita ou implícita. A autenticidade da vivência Evangélica leva para uma vida feliz, que se manifesta como plenitude. Quem na própria vida faz a experiência do encontro pessoal com o Senhor não sente mais necessidade de nada: só Deus basta! É nesse sentido que podemos entender os votos de castidade, pobreza e obediência que, longe de serem imposições externas, são a resposta pessoal a uma profunda experiência de amor, percebida como algo incomparável. 

Qualquer experiência humana, também a mais profunda como pode ser a autêntica experiência de fé, é moldada na estrutura antropológica humana. Somos humanos e não deuses; estamos sujeitos ao tempo que passa, à caducidade com as suas influências na nossa estrutura psíquica. As experiências humanas, por serem humanas, passam através do crivo do tempo e, assim, tendem a esfriar, enfraquecer e, às vezes, a se derreter para sempre. Quanto mais profunda for a experiência de fé ou uma experiência de amor humano, maior será a força para aguentar o peso do sofrimento dos problemas que encontramos no tempo presente. Infelizmente, nem sempre conseguimos manter a concentração no nosso presente, sobretudo, nem sempre conseguimos elaborar rapidamente novas motivações, necessárias para enfrentar o tempo presente com os seus desafios.

É exatamente nessas passagens da nossa vida que se insinua o pecado, assim viramos para o passado na busca da consolação naquilo que não é mais, mas que já foi bom, muito bom. O pecado, nesse sentido, busca empurrar o homem e a mulher no passado da vida, tirando-o do presente, sobretudo quando este se apresenta como duro, insuportável e, então, dificulta o anseio constante de felicidade humana. E, assim, insatisfeitos com o nosso presente, nos transferimos ao passado, tentando ressuscitá-lo, mergulhando nele, como se fosse algo real. É a necessidade humana da consolação que nos leva a este sutil caminho do pecado, vivendo no presente com a cabeça no passado. Claramente, não é a única forma com a qual o pecado se apresenta à nossa consciência, mas é um dos caminhos que ele percorre, sobretudo nas pessoas adultas, com uma discreta e significativa bagagem de sonhos.

Por que o pecado se manifesta, nestes casos, como fuga no passado tirando-nos da realidade do nosso presente? A resposta, para os cristãos, não é muito difícil. De fato, é no presente da história humana que Cristo se manifesta. É no hoje da nossa vida que podemos encontrar misteriosamente e, de fato, a presença real de Jesus Cristo, para nos convertermos a Ele e segui-lo. “Hoje a Salvação entrou nesta casa” (Lc 19). Foi com essas palavras que Jesus se apresentou na casa de Záqueu, oferecendo para ele um caminho novo de vida. Somente permanecendo no presente da vida teremos chance de encontrar o Senhor que nos convida no Caminho da vida. Nesse sentido, podemos entender a vida espiritual como um constante esforço de manter os pés no chão da nossa realidade, desmascarando as insistentes tentativas de fuga na busca da consolação do passado. E assim, a oração, longe de ser uma alienação, torna-se um necessário exercício cotidiano de mergulho no presente da história – não de qualquer presente, mas daquele presente que Deus nos apontou e continua nos apontando como único espaço para alcançarmos a vida verdadeira.

 

COMO SE MUDA PARA NÃO MORRER




 

 

Paolo Cugini


São as palavras de um refrão de uma música italiana cuja autora é conhecida também no Brasil, porque cantou com alguns cantores brasileiros: Fiorella Mannoia. Uso estas palavras como ponto de referência para a reflexão que estou realizando nesses dias. É difícil ficar coerente com os próprios ideais, com as decisões tomadas na juventude. Percebe-se esta dificuldade, não apenas nas pessoas superficiais, mas, também, naquelas acostumadas a refletir, a pensar e ponderar os passos da própria vida. É difícil ser coerente a vida toda. É fácil ser coerente quando a vida corre nas veias, quando tudo vai bem, quando o tempo é nosso aliado, quando a nossa vida esbanja saúde. Muito mais difícil é ser coerente com os próprios ideais quando o mundo anda do lado oposto ao qual decidimos viver e tudo parece andar na corrente contrária. É difícil ficarmos coerentes quando somos ameaçados, quando alguém nos pressiona, quando recebemos ofertas extremamente vantajosas. É raro encontrar uma pessoa que fica de pé quando é tentado pelo dinheiro ou pelo poder: se deita logo, nem precisa apertar muito. Nesses casos, nos impele a tentação das massas, de fazer parte da maioria, como se a Verdade fosse um problema de maioria e não de conteúdo. Sentimos o sabor da vida boa, daquela que todo mundo quer: que se danem os ideais!

 

Quantas pessoas, até amigas, nesses anos todos de vida mudaram por medo de ficar de fora, na minoria? Quantas pessoas mudaram de religião só porque não aguentaram o confronto com os irmãos e as irmãs da caminhada? Quantas pessoas mudaram de partido só por interesse pessoal? Quantas pessoas que um tempo eram doentes por um partido ou uma ideologia, de repente, se tornam doentes do partido da oposição? Quantos amigos e amigas se tornaram inimigos? Quantas pessoas encostaram por um período na minha vida somente para tirar uma lasquinha e depois “tchau!”? Muda-se para não morrer, para não ficar isolado, esquecido; só que muitas vezes, são exatamente estas mudanças que acabam conosco, com a nossa moral, com a seiva da nossa vida. E, assim, enquanto estamos fazendo de tudo para não perder o trem da multidão e da massa e, sobretudo, da vida boa, na realidade estamos perdendo aquilo que dava o sabor à nossa existência, que fazia com que a gente fosse diferente, com uma qualidade, um valor autêntico: uma ideologia, uma fé, um credo.

 

Ficando bem atentos aos processos da nossa consciência, ou seja, com aquilo que acontece em nossa vida interior, percebemos que, ao longo dos anos, a matéria se torna sempre mais protagonista em nossa existência, exigindo sempre mais espaço. É a lei da sobrevivência, do instinto que manda em nossos passos corriqueiros. Se na juventude são os grandes ideais que nos emocionam e empolgam, ao longo dos anos, a necessidade de sobreviver, de viver amparados, a sedução da vida estética, o medo da morte e das doenças estimulam o nosso lado instintivo. Como lidar com isso?

 

Seremos pessoas autênticas somente quando ficarmos fieis aos nossos ideais. Por isso, a verdade da nossa existência se realiza quando os ideais nos quais acreditamos não se desmancham perante a força agressiva da vida instintiva. O exemplo de tudo isso, mais uma vez, é Jesus. De fato, a prova da grandeza dEle, não devemos procurá-la nos milagres que Ele fazia, mas sim na firmeza que Ele teve na hora da paixão. Foi nessa hora de grande sofrimento, que os instintos exigiam um compromisso com o mundo, e a consciência puxava pela fuga, que Jesus demonstrou a toda humanidade o sentido da palavra homem, da palavra mulher. Sim, o homem, a mulher é tal quando assume a própria identidade, quando não se esconde atrás de nada e de ninguém e, sobretudo, quando sabe enfrentar as consequências da fidelidade das próprias ideias. Jesus, na hora do sofrimento, não mudou de religião, na hora do aperto, não mudou de partido: Jesus foi fiel até o fim. É este o seu grande ensinamento. Jesus não mudou para não morrer, mas morreu para dar um novo sentido à vida (Tapiramutà-2009).

PASTORAL DA JUVENTUDE – CONTINUANDO A REFLEXÃO

 



Paolo Cugini (2006)

 

No número de junho do Jornal “Caminhar Juntos” comecei uma reflexão sobre a pastoral da juventude. Naquele artigo coloquei algumas exigências que parecia-me imprescindíveis para participar de um grupo jovem da Igreja católica: o amor a Cristo e o amor a Igreja. Salientei isto porque perante a multidão de jovens que não freqüentam a Igreja, a tentativa para atraí-los ou de conduzi as lideranças dos grupos abaixaram o nível da proposta. Só, que desta forma engana-se os jovens. Também o problema não é este, os salões no Sábado a noite de jovens, mas, criando ambientes vivos, onde os jovens experimentam antes de mais nada uma amizade, um relacionamento humano, uma atenção pessoal.

 

Isto que parece-me o ponto central do problema. O risco das dioceses e das paróquias com falta de vontade e criatividade, é de apresentar uma proposta morna, insossa, sem amor, aquela mesma proposta que o mundo oferece, embora com conteúdos diferentes. As praças e as boates nas festas ficam cheias de jovens anônimos que não se conhece, e continuam no anonimato depois da festa. Tudo começa e termina na festa. A empolgação vai embora um dia depois e nínguem lembra mais de ninguém. Pelo contrário Jesus quando encontrava alguém parava para dialogar com ele, se afastava da mutidão e da confusão para que o diálogo pudesse descer em profundidade. Sem dúvida quem encontrava Jesus lembrava dele; era um encontro que marcava a vida. Encontrar os jovens dessa forma é aquilo que está precisando. Nessa altura da pra entender que o problema não está na sigla (PJ, MP, PJ, PJR, PJE, RNC...), mas na intensidade da relação que conseguimos tecer com os jovens que encontramos.

 

Por isso queremos nos comprometer para formarmos grupos de amigos, de pessoas que se amam, se respeitam, que aprende através da vida de grupo, a se perdoar, a partilhar, a dialogar. O mundo não oferece nada disso por isso para formar grupo jovem desse tipo é preciso passar para uma forte experiência de Deus. Não se formam grupo jovem simplesmente porque quer desenvolver um trabalho. Se começa um grupo jovem com o desejo de ajudá-los assim encontrarem com Jesus Cristo para fazer a experiência dele, para viver como Ele. O grupo jovem da Igreja católica tem uma identidade bem precisa: o Evangelho de Jesus cristo. Se é assim, pode coordenar um grupo jovem só aquela pessoa que está buscando conhecer a Jesus e está amando a sua Igreja.

 

Os trabalhos (políticos, sociais, educativos... ) que o grupo desenvolve torna-se uma conseqüência e nunca a prioridade. De fato, a experiência desses anos ensina-nos que quanto mais os jovens de um grupo se esforçam para aprimorar a vida espiritual e a vivencia na Igreja, tanto mais se comprometem com vontade e dedicação os trabalhos sociais. Pelo contrário quem começa um grupo jovem para “fazer um trabalho” sem cuidar da vida espiritual é destinado ao fracasso. “queremos ver Jesus: Caminho, Verdade e Vida”: O tema do projeto pastoral da CNBB para os próximos anos. Que este desejo de ver Jesus esteja nos corações de todas as pessoas de boa vontade que trabalham para e com a juventude da nossa paróquia.