O Papa Francisoc ao Sínodo rodeado com as mulheres que participam dos trabalhos |
Muitas coisas estão acontecendo em Roma no Sínodo
Pan;Amazonico e muita conversa está saindo nas redes sobre assuntos que nem
tudo mundo entende. O amigo pe Luís Miguel Modino, que trabalhou na diocese De
Ruy Barbosa e á alguns anos está trabalhando em Manaus, é um parceiro do Instituto Humanitas Unisinos –
IHU que acompanhou toda a preparação do Sínodo e agora está
em Roma acompanhando atentamente os debates. Diariamente, e em
uma página especial, o IHU publica notícias e textos que repercutem as reuniões
sinodais. Por essa razão, e para ajudar as pessoas a entenderem o que
está se passando no Sínodo, publico a intervista que Pe Modino realizou com o teólogo
Pe Paulo Suess, que é perito do Sínodo. Pe Paulo Suess é doutor em Teologia
Fundamental, fundador do curso de Pós-Graduação em Missiologia, na então
Pontifícia Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo, assessor
teológico do Conselho Indigenista Missionário - Cimi e professor em várias
Faculdades de Teologia no ciclo de Pós-Graduação em Missiologia.
Pe Modino – Qual a importância da
promoção de uma discussão como essa do Sínodo Pan-Amazônico, de uma Igreja com
rosto indígena, com rosto amazônico?
Paulo Suess – Vai ser muito importante, pois nós
criaremos raízes como Igreja. E, nas igrejas locais, passaremos de uma Igreja
de visita para uma igreja de presença. Isso vai tocar todo nosso esquema,
inclusive a nossa identidade católica. Se falou, hoje mesmo num grupo,
dessa indentidade cattolica. Precisamos aprofundar os estudos bíblicos, estudos catequéticos, mas,
às vezes, se esquece o essencial dessa identidade, pois ela anda com duas
pernas: com a palavra e com o sacramento.
E, uma vez já sendo presente, vai
ser mais barato, porque se queixam que na Amazônia é
tudo muito caro, precisa de muito dinheiro para gasolina, para chegar nos
locais, viajar. Então, se é assim, que fiquemos lá. Assim, não se precisa mais
pagar a gasolina porque você é da comunidade. Ou seja, é fazer ser da
comunidade esses ministérios. Só quando esses ministérios são da comunidade
haverá também uma presença sacramental e uma presença
da palavra.
Creio que o novo caminho poderia ser este: o
que fizemos com visitas, o que fizemos com gente de fora pode passar a ser
feito com gente do local. Isso não quer dizer que vamos substituir a missionalidade,
pois essa igreja local também vai ser missionária. A partir de uma igreja
com rosto amazônico, vai ser missionária não alienante, não
colonizadora, uma igreja mesmo segundo o espírito de Jesus que se encarnou
nesse mundo.
Pe Luis Miguel Modino |
Pe Modino – Como avalia as primeiras
movimentações do Sínodo? O que o senhor destacaria dos debates nesses primeiros
dias?
Paulo Suess – É um grande balaio, uma cesta em que
apareceu tudo. E apareceu tudo com uma grande liberdade. Eu estive aqui, certa
vez, participando do Sínodo para as Américas e na
ocasião havia temas proibidos. Não se poderia falar porque o Papa não queria.
Agora não, não há proibições estruturais. Um ou outro cardeal quer proibir
alguns temas, acha inconveniente falar de algumas coisas e gostaria de fechar
algumas questões. Mas, a partir da presença do Papa Francisco,
tudo está aberto, tudo está interligado e com isso apareceram todos esses
temas.
Agora, vai depender muito da redação, dos
primeiros esquemas, capítulos, o que se aproveita a partir também dos grupos,
porque atualmente estamos todos com um leque de temas. Já iniciamos o segundo
passo essa semana, a construção do documento final. É nesse momento que vai
depender muito das escolhas desse balaio, o que tiramos e realmente achamos
como um novo caminho que estamos procurando.
Pe Modino – E nos cafés, nas residências e em
outros encontros que vão ocorrendo, nos bastidores, o que está sendo comentado?
Paulo Suess – Eu estou sentindo que estamos com certo
otimismo. Se conhece a máquina e como ela funciona, se conhecem as forças
presentes, porém, numericamente, ao menos, há muitos que querem andar
nesses novos caminhos. Nesses 500 anos aqui, nos tornamos
de uma igreja majoritária em uma igreja minoritária, porque ocuparam os espaços
que deixamos abertos por causa da centralização dos ministérios. Por isso,
creio que a maioria vai compreender que descentralizando os
ministérios vamos marcar presença e vamos poder retomar, de uma
certa maneira, essa Amazônia com espírito do Evangelho que
luta por justiça e liberdade e contra a violência e tudo que observamos na
análise da realidade.
Pe Modino – O Sínodo tem sido um
momento muito elogiado, mas também muito criticado, inclusive dentro da própria
Igreja. Essas críticas estão incidindo de alguma maneira dentro da assembleia
sinodal?
Paulo Suess – Creio que não tenha um impacto. Porém, é
bom observar as vozes contrárias, analisar seus motivos, que às vezes são
pessoais, sentir como pode ser uma quebra na sua trajetória profissional aqui
em Roma, porque agora a linha é outra e eles ainda não se
deram conta do espírito da época em que vivemos. Então, a gente escuta e
procura esvaziar os argumentos que muitas vezes não são argumentos, são apenas
autodefesas apenas para continuar assim como sempre se fez e com isso estamos
fora do processo histórico em que se desenvolve a evangelização.
O teologo Paulo Suess com o Papa Francisco |
Pe Modino – Esse Sínodo é o que conta com mais
presença feminina. Até agora, nesses primeiros dias, como estão se posicionando
as mulheres dentro da Assembleia Sinodal?
Paulo Suess – O Sínodo é
um sínodo de bispos e não de leigos, de padres nem
de mulheres.
Porém, sempre que são mencionados temas candentes para as mulheres se percebem
os aplausos, as interrupções, as satisfações e se vê em todos os casos a
presença das mulheres. Assim, embora não tenham a presença, a força pelo voto
se introduz mais pela força do argumento.
Pe Modino – E, pessoalmente, o que mais o
marcou até agora?
Paulo Suess – Essa abertura, em que se pode falar de
tudo, em que há um grande consenso sobre os novos caminhos,
sobre a descentralização, sobre a ministerialidade,
sobre o rosto amazônico. Eu cheguei na Amazônia em 1966,
trabalhei dez anos em diferentes regiões, depois trabalhei com a questão
indígena. Por isso, a questão do rosto amazônico é bálsamo para minha alma.
Bálsamo no sentido de que vai ao encontro do que nós sempre defendemos. Assumir
para redimir, isso está em Puebla N. 400. É preciso assumir essas culturas, assumir o rosto e sua
diversidade e depois vamos falar em redenção.
Pe Modino – O papa Francisco,
inclusive, tenta trazer imagens para mostrar que está muito perto do povo. Tem
uma imagem, que até apareceu como capa do L'Osservatore Romano, em que ele
abraça uma mulher negra brasileira que está participando da assembleia. Também
apareceu tomando chimarrão e em fotos com todas as pessoas. Como isso
influencia aqueles que estão participando da assembleia?
Paulo Suess – O chimarrão, provavelmente, já tomava
na Argentina. Não precisava muito de inculturação (risos).
Mas os outros são grandes elementos. O Papa é bom em dar sinais, que vão mais
longe do que as palavras. Porém, nós sabemos que ele está numa estrutura ainda
muito cristalizada e, para aquecer um pouco esses cristais, ainda não conseguiu
tudo. E não pode fazer tudo como nós pensamos, como falamos nos corredores porque,
se ele fizer isso, amanhã outro papa iria desfazer. Então, ele precisa também
em tudo lutar internamente por um grande consenso para poder dar durabilidade
para novos caminhos e para que não possam dizer que esse não é o caminho e
parar tudo, levando para outra direção.
Pe Modino – Qual é sua expectativa para o
“pós-sínodo”, o que espera que pode nascer dessa experiência sinodal?
Paulo Suess – Eu creio que o pós-sínodo vai ser como o Concílio Vaticano
II. Vai haver momentos em que se esquece, momentos em que nos
lembramos e vai haver, sobretudo, horizontes e processos iniciados e, mesmo se
não der para concluir tudo no Sínodo, na admoestação apostólica que o Papa vai
fazer no documento, marcará que os caminhos são abertos. E são abertos para, na
região, nos sentarmos e pensarmos como vamos aplicar essa parte do Sínodo em
nossa região, em nossa diocese.
Esse é o caminho sinodal, ele é mais complicado do que o caminho ditatorial ou imperial em que
se decide. No Sínodo, se quer trabalhar na base do
consenso. E consenso não da unanimidade, porém num grande consenso, o que leva
tempo, tempo de conscientização da própria Igreja, dos nossos irmãos. E, ainda,
vai depender da nomeação de bispos, da escolha de padres, vai depender muito da
formação de padres, que se falou que não se faça em redomas, mas com processos
participativos, com o povo, com a comunidade. Tudo isso leva tempo porque
implica em mudanças culturais.