EM BUSCA DE UMA LITURGIA ENCULTURADA NA AMAZÔNIA
Paulo Cugini
Faz alguns meses que montamos um pequeno grupo de pesquisa litúrgica na
paróquia. Todos os sábados nos reunimos à tarde para ler e comentar
algumas páginas do material que a Conferência Episcopal Amazônica (CEAMA)
desenvolveu para colocar em prática as indicações do Sínodo sobre a
Amazônia. Já analisamos o papel muito importante que as mulheres
desempenham nas comunidades indígenas e nos perguntamos como as mulheres podem
estar envolvidas nas nossas comunidades cristãs. O caminho continuou
levando em consideração as experiências espirituais dos líderes religiosos
indígenas, cujas capacidades reconhecidas pelas comunidades indígenas lhes
permitem comunicar-se com os poderes superiores presentes na
natureza. Esses personagens são chamados de: xamãs.
A
expressão “xamânico” não reduz o assunto às experiências e à vida do xamã, mas
refere-se a uma forma de encontrar o profundo mundo do espírito que reside em
todas as coisas. Um ponto de partida fundamental é reconhecer que a selva
é uma coisa viva. Para os povos amazônicos, a natureza não é algo que está
à nossa disposição, mas um espaço vivo, animado e, quem a vivência desta forma,
percebe a presença dos espíritos que a habitam: os xapiris. Devemos ter em
mente que isto não significa que a floresta (selva) tenha um animus autónomo,
como apoiaria uma posição animista. O sagrado vive na selva, mas não é só
isso. Ela o contém, dentro está a linguagem de um mundo que não pode ser
acessado dominando-o, mas transformando-se nele. “A selva tem uma
densidade sacramental. Essa presença sagrada é fruto de um momento de
origem em que tudo era um caos” (coloquei entre aspas alguns trechos do texto
em português do documento do CEAMA, que ainda não foi publicado).
Existe
uma harmonia na selva que deve ser decifrada para redescobrir a sabedoria
presente nas coisas. Para reconhecer o mistério presente na natureza é
necessário transformar-se nela; somente tornando-se sua realidade ele
poderá ser compreendido. Aqui ocupam um lugar decisivo as chamadas “ervas
alucinógenas”, que na realidade, do ponto de vista ocidental, são descritas
como substâncias que provocam um estado de transe semelhante ao dos alcaloides. Porém,
a forma mais adequada é chamá-las de “ervas professoras”. Na verdade,
permitem o acesso à linguagem, à chave da sabedoria presente na natureza da
selva. Existe, portanto, uma revelação sagrada que pode ser acessada
através das plantas mestras. É aqui que o xamã tem uma missão
especial. “Ele é alguém que se preparou através de um processo de
purificação. Não basta consumir a planta, mas é fundamental purificar o
organismo para entrar em contato com a verdade que a natureza contém”. Esta
revelação comunica-se com cantos e danças que não têm dimensão decorativa ou
estética, mas são o modo como a sabedoria se dá a conhecer. O xamã, neste
sentido, não tem uma missão sacerdotal, mas profética; o sentido da sua atividade
não é mediar a eficácia do sagrado, mas dar a conhecer a sua mensagem.
Ao
fazer uma interpretação teológica dos mitos ancestrais indígenas, é fundamental
questionar a forma como ela se articula: a revelação no sentido cristão com a
comunicação divina nas práticas rituais indígenas. Portanto, é fundamental
pensar na relação entre o cosmos e Jesus Cristo e o papel da mediação humana do
cosmos. A lógica xamânica tem uma estrutura própria que não deve a todo
custo forçar a entrada na ritualidade cristã. Contudo, poderíamos
perguntar-nos se um xamã cristão pode contribuir para o caminho de uma
comunidade eclesial. Para isso, é necessário reconhecer que a natureza
possui uma vida que contém sabedoria para viver melhor. Portanto, a
revelação de Jesus Cristo contida nos textos canônicos não entra em conflito
com a presença criada de um logos em toda a criação. Existe, portanto, um
conteúdo sagrado na natureza, que o xamã pode captar e comunicar à comunidade.
As
cristologias cósmicas dos Padres da Igreja, em particular de Máximo o
Confessor, não entrariam em conflito com a ideia de que o ser das coisas nos
ensina uma vida mais integral. Podemos concluir, neste sentido, que, se o
xamanismo contribui de alguma forma para a lógica ministerial na vida da
Igreja, está mais ligado a um carisma profético do que a um carisma
sacerdotal. Neste sentido, precisamos rever outra questão, que é pensar na
profecia apenas em conexão com a história. “A noção de história
desenvolvida no Ocidente tem estado ligada ao exercício da liberdade humana sobre
a criação.” Nesse sentido, fazer história significa impactar transformando
a natureza. O que é ensinado ao carisma xamânico nada tem a ver com uma
forma de agir diante das coisas, mas com aprender com as coisas. Nesse
sentido, a profecia seria a revelação de uma sabedoria escondida em tudo o que
existe, como o rio, a selva, a onça ou os pássaros: revela uma esfera sagrada e
não um tipo de comportamento, que deveríamos alcançar. Porém, viver esta
experiência requer uma purificação que afeta o comportamento. Não se pode
beber ayahuasca sem jejuar e, mais ainda, sem se abster de relações
sexuais. Antes, mas também depois, alguém se torna aquilo que come ou
experimenta. É necessário, portanto, reconsiderar a forma de compreender a
ontologia, as relações com Deus e a experiência da natureza para além dos
processos dedutivos, dando maior espaço à sensibilidade.
Na
lógica xamânica existe um ensinamento fundamental sobre a relacionalidade que
escapa à construção da verdade meramente dedutiva e que dá lugar à dimensão da
consciência emocional e concreta. Qualquer ministério pensado para a
Amazônia deve fazê-lo reconhecendo esta questão central, para propor a verdade
do Evangelho: isso não pode ser feito no formato da perspectiva do
conhecimento, que tem prevalecido no Ocidente. “O desafio, portanto, não é
assumir a ritualidade xamânica para a organização do rito cristão, mas assumir
a forma relacional em que tudo é vivenciado e onde os sentidos, como espaço em
que se dá a inteligência da realidade, têm uma dimensão central”. É também
o primeiro passo para evitar a estigmatização destas formas de ligação com a sabedoria
da natureza, começar a reconhecer que existe uma forma de se conectar com o
ser, em que se conhece através da emoção, da comunhão e da união com os seres
que habitam. a selva.
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