Paolo Cugini
Pintadas 2011
Estava falando outro dia com um amigo
meu, por telefone, e me chamou atenção uma coisa. Enquanto eu estava
partilhando a minha vida presente, os trabalhos pastorais na nova paróquia, o
trabalho como professor na faculdade, ele ficou lembrando somente os velhos
tempos que se foram. Logo, não percebi o teor do diálogo, mas depois, relembrando
essa conversa, fiquei matutando dentro de mim e me questionando: por que será
que este cara falou somente do seu passado? Será que não tem nada de bom no seu
presente? Qual é o seu problema?
Ainda hoje assistimos a situações deste
tipo não apenas em conversas entre amigos, mas também em situações políticas e
sociais. Lembro o papo furado de um candidato a prefeito de uma das cidades em
que passei nesses anos de Bahia. Toda vez que pegava no microfone, independente
do contexto, sempre fazia questão de citar a construção daquilo que ele
pomposamente chamava de “O maior prédio escolar da Bahia”. Anos de administração
pública pífia e muitas vezes corrupta, eram justificados somente com a referência
a um passado glorioso que não existia mais, conseguindo enganar o presente do
povo pobre, com um discurso vazio feito de lembranças passadas.
Quanta gente vive desfrutando o próprio
passado de glória! Quanta gente sentou sobre as cinzas quentinhas de um passado
glorioso, ou até heroico, mas que depois não correspondeu a um presente do
mesmo teor. Quanta gente se acomodou sobre os heroísmos da própria juventude,
sobre as conquistas realizadas no passado, mas que depois não tiveram
continuidade, acomodando-se no sofá da vida, vivendo de lembranças do tempo que
foi e que nunca mais será. Quantas pessoas encontrei nesses anos de Bahia que
estufam o peito falando das lutas sociais realizadas no passado, quando eram
pobres lascados e hoje estão com o bolso cheio! Quantos fantasmas encontramos
nas praças das nossas cidades, fantasmas de pessoas que já eram e que não são
mais, pelo simples fato de renunciara a lutar, a viver o próprio presente,
satisfeitos com as migalhas que ganharam com o passado de glória. Quantas
pessoas aprenderam a preencher o vazio da própria vida com as lembranças de um
tempo que se foi, renunciando viver o próprio presente e saborear a novidade da
vida!
O problema é que o passado não volta e,
sobretudo, não existe, pois existe somente o presente. Quem vive só de lembranças
não consegue saborear a força e a novidade do presente e, em outras palavras, não
consegue viver uma vida autêntica. Esta reflexão tem também um sentido evangélico.
De fato, já o profeta Isaías convidava o povo a esquecer o passado para se
concentrar na vida presente, que Deus estava querendo realizar. O mesmo Paulo
na carta aos Filipenses dizia: “Por causa
de Cristo tudo o que eu considerava como lucro, agora considero como perda”(Fil
3,8). É no presente da nossa vida que Deus vem ao nosso encontro. A atenção aos
sinais dos tempos que o Senhor coloca na nossa vida para nos mostrar o Caminho,
exige uma constante atenção ao presente da história. Quem vive com a mente
constantemente virada ao passado, não consegue perceber a passagem do Senhor no
presente da vida e, assim, fica endurecendo o coração, se tornando resistente à
Palavra de Deus, insensível à ação do Espírito Santo. Sobretudo, porém, quem
vive fora do tempo, perde uma ocasião propícia para se converter e colocar a
própria vida na trilha que o Senhor traçou.
Quantas vezes nas paróquias em que
passei, nas comunidades que encontrei me deparei com situações como esta!
Quantas vezes nas paróquias e nas comunidades de base encontrei pessoas com a
cabeça virada para o passado, incapazes de colher a novidade da presença do
Senhor na história! Quantas discussões e incompreensões por causa disto – a incapacidade
crônica de escutar a novidade, amarrados num passado que, graças a Deus, nunca
irá voltar. Somos humanos e humano é o medo da novidade presente. A vida
espiritual deveria servir a isso, ou seja, a caminhar de cabeça erguida,
fitando a glória do Senhor ressuscitado que está em nossa frente para que em
nosso presente possamos colocar sinais da Sua presença. A vida espiritual se
realiza no diálogo cotidiano com o Senhor da vida e da história que aponta a
novidade do caminho que precisamos percorrer. Que o grito do Senhor que
encontramos no livro da Apocalipse: “Eis
que faço nova todas as coisas” possa encontrar discípulos e discípulas acordados
e não dormindo sobre os sonhos do passado, mas atentos para os novos desafios
que o Senhor coloca em nossa frente.