quinta-feira, 29 de setembro de 2022

COMO SE MUDA PARA NÃO MORRER




 

 

Paolo Cugini


São as palavras de um refrão de uma música italiana cuja autora é conhecida também no Brasil, porque cantou com alguns cantores brasileiros: Fiorella Mannoia. Uso estas palavras como ponto de referência para a reflexão que estou realizando nesses dias. É difícil ficar coerente com os próprios ideais, com as decisões tomadas na juventude. Percebe-se esta dificuldade, não apenas nas pessoas superficiais, mas, também, naquelas acostumadas a refletir, a pensar e ponderar os passos da própria vida. É difícil ser coerente a vida toda. É fácil ser coerente quando a vida corre nas veias, quando tudo vai bem, quando o tempo é nosso aliado, quando a nossa vida esbanja saúde. Muito mais difícil é ser coerente com os próprios ideais quando o mundo anda do lado oposto ao qual decidimos viver e tudo parece andar na corrente contrária. É difícil ficarmos coerentes quando somos ameaçados, quando alguém nos pressiona, quando recebemos ofertas extremamente vantajosas. É raro encontrar uma pessoa que fica de pé quando é tentado pelo dinheiro ou pelo poder: se deita logo, nem precisa apertar muito. Nesses casos, nos impele a tentação das massas, de fazer parte da maioria, como se a Verdade fosse um problema de maioria e não de conteúdo. Sentimos o sabor da vida boa, daquela que todo mundo quer: que se danem os ideais!

 

Quantas pessoas, até amigas, nesses anos todos de vida mudaram por medo de ficar de fora, na minoria? Quantas pessoas mudaram de religião só porque não aguentaram o confronto com os irmãos e as irmãs da caminhada? Quantas pessoas mudaram de partido só por interesse pessoal? Quantas pessoas que um tempo eram doentes por um partido ou uma ideologia, de repente, se tornam doentes do partido da oposição? Quantos amigos e amigas se tornaram inimigos? Quantas pessoas encostaram por um período na minha vida somente para tirar uma lasquinha e depois “tchau!”? Muda-se para não morrer, para não ficar isolado, esquecido; só que muitas vezes, são exatamente estas mudanças que acabam conosco, com a nossa moral, com a seiva da nossa vida. E, assim, enquanto estamos fazendo de tudo para não perder o trem da multidão e da massa e, sobretudo, da vida boa, na realidade estamos perdendo aquilo que dava o sabor à nossa existência, que fazia com que a gente fosse diferente, com uma qualidade, um valor autêntico: uma ideologia, uma fé, um credo.

 

Ficando bem atentos aos processos da nossa consciência, ou seja, com aquilo que acontece em nossa vida interior, percebemos que, ao longo dos anos, a matéria se torna sempre mais protagonista em nossa existência, exigindo sempre mais espaço. É a lei da sobrevivência, do instinto que manda em nossos passos corriqueiros. Se na juventude são os grandes ideais que nos emocionam e empolgam, ao longo dos anos, a necessidade de sobreviver, de viver amparados, a sedução da vida estética, o medo da morte e das doenças estimulam o nosso lado instintivo. Como lidar com isso?

 

Seremos pessoas autênticas somente quando ficarmos fieis aos nossos ideais. Por isso, a verdade da nossa existência se realiza quando os ideais nos quais acreditamos não se desmancham perante a força agressiva da vida instintiva. O exemplo de tudo isso, mais uma vez, é Jesus. De fato, a prova da grandeza dEle, não devemos procurá-la nos milagres que Ele fazia, mas sim na firmeza que Ele teve na hora da paixão. Foi nessa hora de grande sofrimento, que os instintos exigiam um compromisso com o mundo, e a consciência puxava pela fuga, que Jesus demonstrou a toda humanidade o sentido da palavra homem, da palavra mulher. Sim, o homem, a mulher é tal quando assume a própria identidade, quando não se esconde atrás de nada e de ninguém e, sobretudo, quando sabe enfrentar as consequências da fidelidade das próprias ideias. Jesus, na hora do sofrimento, não mudou de religião, na hora do aperto, não mudou de partido: Jesus foi fiel até o fim. É este o seu grande ensinamento. Jesus não mudou para não morrer, mas morreu para dar um novo sentido à vida (Tapiramutà-2009).

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