quarta-feira, 31 de março de 2021

CAMPANHA DA FRATERNIDADE: UNIDADE OU DIVISÃO?

 


Recebi e com muito prazer publico:



 

Não é novidade para ninguém que temas polêmicos sempre foram divisores dentro das instituições religiosas, de modo ainda mais preciso, dentro da Igreja Católica: desde o grande cisma provocado pela divergência quanto ao Filioque, perpassando as heresias e chegando ao problema da iconoclastia e, tempos depois o protestantismo, divisões não faltaram no cristianismo católico e não católico. Mas o fato é que, segundo a minha pobre visão, já vivemos hoje um cisma prático que abarca questões ideológicas muito mais do que questões de fé. Faço-me entender:

Hoje na Igreja temos dois grandes pólos: de um lado, a corrente conservadora que, em suas convicções, preza por resguardar a moral, a “tradição” e os bons costumes cristãos. Por outro lado, encontramos uma corrente progressista que provoca reflexões e busca mudanças no seio do catolicismo. Ambas as alas vivem numa eterna guerra para provar os erros uma da outra. Mas o fato é que estas duas correntes estão bem distantes de viver um consenso, aquela justa medida aristotélica que é, na realidade, o cerne do ensinamento de Jesus, pois o Evangelho conduz a uma visão límpida das coisas, a Boa Nova reclama para si um equilíbrio humano.

Na Igreja do Brasil, nunca se viu um conservadorismo tão forte como aquele que existe hoje, tal conservadorismo é fruto de todas as deturpações e más vivências da Teologia da Libertação e das Ceb’s que, em muitos lugares e situações, ganharam apenas uma conotação social e política e, por hora, deixaram a espiritualidade em segundo plano caindo quase um laicismo travestido de fé. Aqui quero deixar claro que não sou contra a TL e as Ceb’s no que elas são em essência (uma proposta eclesial libertadora e autêntica), mas me refiro especificamente às deturpações que fizeram delas. 

Um fato importante nesse contexto é que o crescimento e o empoderamento da ala conservadora se dá também pela explosão do movimento carismático que virou febre e se misturou ao conservadorismo dando-lhe popularidade. Aqui no Brasil está em alta no meio católico assuntos do tipo: uso do véu pela mulheres, a modéstia no vestir, uma ênfase exacerbada no pecado, Missa Tridentina, um devocionismo que extrapola os níveis da normalidade e um ideal cristão que às vezes foge da realidade humana que se apresenta nos nossos tempos.   

Sob o influxo de argumentos de que a Igreja teria condenado a Teologia da Libertação, o conservadorismo ataca qualquer temática que possa ao menos lembrar questões sociais. Não é à toa que o Papa Francisco é largamente taxado de comunista e criticado por seu ministério marcado por um acento social, ecológico e humanitário. Além do Papa Francisco, um grande alvo dos ataques conservadores é a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) que segue a linha do pontificado do Papa Francisco. A cada ano, com a Campanha da Fraternidade, que acontece sempre no Tempo da Quaresma, a CNBB propõe a conversão dos cristãos para assuntos ligados ao bem comum, ao meio ambiente, problemas sociais e humanos que assolam os nossos tempos.

A cada ano tem crescido a objeção à Campanha da Fraternidade, há muitos padres, leigos, institutos e até bispos (pasmem!) que se manifestam contrários. Acusam a Campanha de ser comunista (Imagine se existe comunismo no Brasil! Risos...), laicista e sem espiritualidade. Reclamam o direito de viver a Quaresma no seu espírito “genuíno” como se refletir sobre a situação do mundo não fosse oportunidade de conversão, de vida nova, de novos tempos. Esse grupo conservador não consegue perceber que a nova criação, os “novos céus e a nova terra” prometidos por Cristo já começam quando nos convertemos ao amor pelo próximo e pela criação.

O tema da CF deste ano talvez tenha sido um dos mais polêmicos de todos os tempos porque envolve a diversidade e, falando deste tema, além de tratar sobre a diversidade religiosa (sendo uma campanha ecumênica), traz à luz da reflexão cristã, o tema da diversidade sexual que está em alta no Brasil. É impossível não falar de conversão quanto à homofobia, transfobia, LGBTQI+fobia, no país onde mais se mata homossexuais e pessoas trans no mundo. É impossível não chamar à conversão uma cultura de intolerância e agressão a quem vive uma orientação sexual diferente dos padrões patriarcais das culturas cristãs. Não dá para fazer vistas grossas a um assunto de tamanha relevância no cenário nacional. O Evangelho toca estas realidades. O que dizer então quando o próprio Catecismo da Igreja manda acolhermos as pessoas homoafetivas com caridade? Acaso está sendo o Catecismo herético e contraditório?

O fato evidente aqui é que falar sobre estes temas na Igreja é ter que tocar na própria ferida, é ter que olhar para dentro da própria instituição e enxergar com objetividade que a questão da homoafetividade não é só ad extra, mas ad intra! A homossexualidade é uma questão teológica séria que precisa ser discutida para além de um parágrafo do Catecismo e para além de uma recomendação a “guardar a castidade” como se fosse simples assim. Na prática, como podemos acolher com caridade, pastoralmente e espiritualmente as pessoas LGBTQI+ se estamos fechamos a perceber que esta realidade está camuflada dentro da própria instituição? É lógico que é mais fácil tomar o caminho da “moral e dos bons costumes”, pois assim, não precisamos mexer em nós mesmos, não precisamos nos expor e não precisaremos passar a vergonha de admitir perante o mundo que estamos errados.

A Campanha da Fraternidade é um ponto cismático na Igreja do Brasil. Torno a repetir: este cisma não existe formalizado e oficial, mas trata-se de uma divisão de cunho prático, uma guerrilha que se expande desde os ambões das Igrejas até as redes sociais onde o bombardeio ideológico é ainda mais forte e descontrolado. Embora o tema da CF trate da unidade: “Fraternidade e diálogo: compromisso de amor”, vemos que ela gerou muito mais divisões, mas ainda assim, creio que ela esteja cumprindo seu papel, pois onde não há tensões e crises, não há também crescimento e purificação. Se dentro da Igreja, essa bonita proposta não consegue atingir sua finalidade, ao menos nos espaços extra-eclesiais ela tem gerado diálogo, reflexão e propostas de mudanças.

Sigamos de cabeça erguida! Possamos nos firmar no texto bíblico que é lema da CF 2021: “Cristo é a nossa paz: do que era dividido, fez uma unidade”. (Ef 2, 14a) O caminho das tensões não pode ser visto negativamente, mas acredito firmemente que Cristo se utilizará disso para continuar chamando ao diálogo e à unidade. Sejamos nós instrumentos nas mãos do Senhor, geradores de comunhão, de acolhimento, de respeito e de amor ao próximo. Como nos ensina o Papa Francisco na “Fratelli Tutti”: sejamos construtores de pontes e não de muros!

Pe. Cláudio Gonçalves | Bahia, Brasil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário