quarta-feira, 4 de outubro de 2023

SOBRE A DIREITA CATÓLICA E A SINODALIDADE

 





Romero Venâncio (UFS)

A direita católica brasileira que estudo é representada por um leigo (Bernardo Kuster), um padre (Paulo Ricardo), um bispo (Adair J. Guimarães - Formosa/GO) e um grupo (Centro Dom Bosco do Rio de Janeiro) e como marco temporal o pós-2013. Os acontecimentos políticos e ideológicos de 2013 e o que se seguiu, a presença de Olavo de Carvalho dentro do catolicismo e a nomeação do Papa Francisco. O projeto de estudo tem esse escopo sociológico/teológico e político.

Essa direita católica (que as vezes chamo de "extrema direita" por conta de sua virulência e beligerância na internet) foi crescendo nas redes digitais e tendo grande impacto em dioceses, paróquias e pastorais na última década. Eles traçaram como meta a recuperação de um pensamento conservador na Igreja enquanto reação aos valores modernos. Atacar de maneira deliberada tudo que venha da modernidade é o comum a todos/todas. Do Concílio de Trento ao Papa Pio IX. De Pio X a Pio XII. Formar uma "consciência conservadora" dentro e fora da Igreja.

Três horizontes diretos de ataques foram bem delimitados: o Concílio Vaticano II, a Teologia da Libertação e o papa Francisco. Os ataques são desiguais e combinados. A depender do momento e contexto, a virulência torna-se maior. Neste momento (2022-2023) as baterias se voltam contra o Papa Francisco e o projeto de sinodalidade. Para melhores esclarecimentos sobre o termo "Sinodalidade", recomendo o breve livro: "Sinodalidade: tarefa de todos" de Dom Pedro Carlos Cipolini (editora Paulus, 2021).

O Vaticano II seria origem da Sinodalidade e a eleição do papa Francisco seria a realização perfeita da "conspiração" moderna dentro da Igreja, segundo essa direita católica. Nota-se de cara que a paranoia e teorias da conspiração são crenças constantes que povoam a mente deles. A eleição de Lula, então... Vira delírio apocalíptico. Toda essa situação parece até "irracional" (sentido dado por Lukács no monumental livro: "A destruição da razão") mas não é bem assim. Tem uma racionalidade subterrânea em tudo que a direita católica brasileira faz e pensa.

Atacar o Concílio Vaticano II e sua consequência direta que é o papado de Francisco tem uma lógica nos projetos desta direita atuante nos nossos dias. A fragilidade argumentativa deles perante o mundo moderno é visível em tudo que fazem. O medo de coisas como "relativismo", "feminismo", "socialismo", "ambientalismo", "educação sexual", "diálogo interreligioso" ou "igreja democrática" chega a ser digno de pena. Parecem "montanhas a parirem ratinhos". A saída é sempre recorrer a figura do diabo como categoria explicativa. Aqui mora o ponto fraco e o sectarismo de toda  a direita católica. Recuperam uma "teologia do diabo" completamente anacrônica e carente de fundamentação histórico.

A referência teológica básica que usamos neste momento é um breve e rigoroso livro do teólogo Karl Rahner intitulado: "O cristão do futuro" publicado pela Fonte editorial. O livro tem quatro ensaios todos publicados nos anos 60 durante e depois do Concílio Vaticano II. Os títulos dos quatro textos que fazem o livro são bastantes sugestivos: "A Igreja que muda", "Situação ética numa perspectiva ecumênica", "Os limites da Igreja: contra o triunfalismo clerical e leigos derrotistas" e "O ensino do Concílio Vaticano II sobre a Igreja e a realidade futura da vida cristã". Como percebemos, ensaios bastante atuais e bem ao estilo de Rahner. Nem será preciso dizer e fundamentar porque Karl Rahner e sua teologia são odiados pela direita católica atual.

O ódio da vez dessa gente é o projeto de "Sinodalidade". Para essa direita, a convocação de um sínodo pelo Papa Francisco é uma “afronta à tradição". É mais uma "tática modernista" para entregar a Igreja ao mundo. Primário tudo isto. Um recuo histórico-teológico, podemos ver o primeiro grande projeto sinodal na primeira igreja dos Apóstolos/Apóstolas. Seria cobrar demais desta direita católica saber da primeira Igreja ou da teologia que a fundamenta. A indigência teológica de toda essa gente é notória e vergonhosa. Não passa de puro suco de fundamentalismos.

Para exemplificar a paranoia da vez contra a "Sinodalidade". O tal do Bernardo Kuster está em Roma fazendo o que chama de "cobertura" dos primeiros momentos do Sínodo para o seu canal e para "orientação" de seus seguidores bem ao "estilo Olavo de Carvalho". A primeira deprimente live é intitulada: "DIRETO DE ROMA: O ecumenismo invade a Vigília no Vaticano". A "tese" dele é que a Teologia da Libertação tem como objetivo "sequestrar o Sínodo". Tá tudo lá. Nos 17 minutos da sofrível live vemos toda uma paranoia sobre o que chama de "bastidores do Sínodo". Triste saber que milhares de católicos seguem isto. Lamentável, mas real. Faz parte desta nova e triste face do catolicismo no Brasil.


Nenhum comentário:

Postar um comentário