sexta-feira, 21 de julho de 2023

UM LIVRO SOBRE EMMANUEL MOUNIER - PAI DO PERSONALISMO E CRIADOR DA REVISTA ESPRIT

 


Retomar os textos de Emmanuel Mounier, folhear as páginas da revista Esprit por ele fundada, pode parecer um gesto obsoleto, uma nostalgia do passado. Em parte, este também é o caso, mas há mais. O que acompanha as páginas que apresentamos é o desejo de compartilhar minha caminhada filosófica pessoal ao longo de trinta anos, em busca de um pensamento cristão capaz de ler e interpretar a realidade, mostrando ao mesmo tempo a novidade e a força do Evangelho. Mounier foi, em seu tempo, uma referência para todos e todas aqueles que tentaram ler as páginas escuras da história entre as duas grandes guerras, a partir de uma perspectiva cristã. Nessa empreitada, ele estava em boa companhia. De fato, na França dos anos 30, o debate sobre o pensamento cristão e sobre a possibilidade de uma filosofia cristã era muito vivo. Autores como Blondel, Gilson, Maritain, só para citar alguns, levantaram a voz, abrindo um debate significativo sobre o tema em questão. Buscar uma relação entre fé e vida, liturgia e história, nunca foi fácil. Isso é testemunhado por páginas da história em que muitas vezes assistimos ou ao retraimento intimista e individualista, que demonstra o medo do mundo, mais do que o desejo de transformá-lo por dentro, mergulhando nele confiando no conteúdo da fé para qual adere. Por outro lado, a tentação de mergulhar no mundo a ponto de esquecer ou negar as próprias origens cristãs. Mounier experimentou esse delicado equilíbrio entre fé e vida na primeira pessoa e sempre teve o cuidado de descrevê-lo, de mostrar caminhos concretos para alcançar uma harmonia possível. Acompanhar seu compromisso de não se deixar levar pela ânsia de ação, de permanecer concentrado na busca dos fundamentos espirituais, que possam iluminar e dar sentido à ação, será o objetivo da primeira parte desta pesquisa, que busca narrar o nascimento da revista Esprit. Um dos aspectos mais interessantes da experiência cultural de Mounier, encontra-se no que podemos definir como o laboratório espiritual e cultural que tem sido a revista Esprit . Mounier não é o pensador clássico que à mesa elabora uma filosofia, um sistema filosófico abrangente. O personalismo comunitário nasceu nas páginas da revista Esprit, uma revista concebida como um laboratório cultural, em torno do qual Mounier conseguiu envolver as melhores mentes pensantes da França nas décadas de 1930 e 1940. Um pensamento que quis e soube lidar com o mundo religioso protestante e católico e com o pensamento político de esquerda, na busca contínua de oferecer á crise de civilização que a Europa vivia, não só ideias culturais importantes mas, talvez e acima de tudo, um método.

Buscar pontos de referência, caminhos já trilhados de uma reelaboração conceitual que tente ler os dinamismos da história à luz da proposta cristã é muito importante, especialmente nesta fase delicada do pós-cristianismo, em que corremos o risco de esquecer tudo, de apagar da memória histórica até as contribuições mais preciosas. Confrontar-se nesta conjuntura histórica com o personalismo comunitário de Emmanuel Mounier pode ser estimulante, também porque não é uma proposta filosófica amadurecida à mesa, longe dos problemas da vida cotidiana. O pós-cristianismo é uma fase de transição epocal em que se torna fácil deixar-se levar pela emoção da novidade, da busca de novos caminhos, sem se preocupar muito com o que fica para trás. Olhar para Mounier significa considerar a pessoa como o ponto de partida fundamental, para todos aqueles que desejam trilhar um caminho na novidade que a época atual traz, sem correr o risco de se perder, de se confundir. Essa referência à pessoa torna-se ainda mais importante no clima filosófico pós-metafísico, de perda daqueles fundamentos que marcaram o Ocidente. Portanto, não uma referência qualquer, mas à forma como o personalismo de Mounier compreende a pessoa, ancorado na fonte cristã na qual ainda hoje é possível beber sem medo de ser esmagado sob os escombros de um passado pesado. Por isso, na segunda parte desta pesquisa apresentaremos alguns dos temas que marcaram o caminho da proposta personalista de Mounier, temas que, como teremos meios de demonstrar, permanecem constantemente abertos ao confronto com a dinâmica cultural do tempo.

Como todo pensamento e como toda proposta cultural, que marca uma época e oferece o que pensar para gerações inteiras, também a proposta de Mounier não nasce por acaso, não se desenvolve de forma isolada, mas tem origens, provoca comparações. Esse é o sentido da terceira parte da pesquisa, que propõe uma comparação com o autor que o próprio Mounier define como mestre: Charles Péguy. Há relações culturais que se transformam em amizades espirituais, mesmo que os autores nunca tenham-se conhecido, como é o caso de Mounier e Péguy. As amizades culturais que marcam uma vida, porque vão fundo, abrem passagens na alma e no coração, dirigem o pensamento, constituem um guia tão importante que se mantém sempre presente durante o percurso da vida. Ao longo dos anos, ao aprofundar o pensamento de Mounier, encontrei alguns autores cujas reflexões se referiam constantemente ao pai do personalismo comunitário. Uma delas é a filósofa francesa Simone Weil. Muitas vezes me questionei sobre o motivo da falta de colaboração entre os dois pensadores e, por isso, decidi dedicar algumas páginas ao tema.

O último esforço de pesquisa é voltado para eventos atuais. Aqui o caminho se complica, porque o risco é de se atolar no pântano do imediato, das simpatias temáticas, correr o risco de perder de vista a seriedade do caminho, a atenção às perspectivas que se pretende observar. Por isso, considerei oportuno comparar o personalismo com o meu campo específico de trabalho, que é a pastoral, que consiste no esforço diário de anunciar o Evangelho no contexto específico de uma paróquia. Este é o conteúdo da quarta e última parte desta pesquisa.

Sem dúvida, a reflexão de Mounier apresenta alguns aspectos ultrapassados, pois estão vinculados ao período em que sua proposta foi elaborada. A situação política e cultural de nossos dias mudou e, em alguns aspectos, não se pode propor paralelos. De qualquer forma, o que há de significativo no personalismo de Mounier é a capacidade de pensar os problemas encontrados sem buscar respostas imediatas capazes de satisfazer a maioria, mas de elaborar uma proposta para a frente. Tentaremos ao longo dos capitulos, de mostrar os conteudos que aindam podem oferecer sentido ao nosso caminho, nesta cultura pós moderna e pós cristã. 


Um comentário:

  1. Munier,pode ser atualizado?Ele está tão vivo quanto imaginamos... perpassa toda trajetória do cristianismo dinâmico, conservador está propenso as mudanças necessárias no contexto atual da sociedade contemporânea que a qualquer custo busca solicitação emergências para essa tão estudado conflito do eu,que Jesus Cristo respondeu com ações simples, práticas...Dai então nada se acaba tudo deve ser atualizado...

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