sábado, 20 de janeiro de 2024

A MULHER NA IGREJA: DECOSTRUINDO O PATRIARCADO

 



 

Paolo Cugini

 

Folheando as notícias diárias, é impressionante ver quantas mulheres ainda são assassinadas: é um verdadeiro feminicídio. Elas não são mortas apenas nas ruas, mas também dentro dos muros de suas casas. Segundo as estatísticas, é precisamente no contexto familiar que as mulheres sofrem mais violência. Paradoxalmente, a mulher é mais vulnerável precisamente no lugar onde deveria estar mais protegida. As coisas não mudam muito quando analisamos a condição das mulheres na religião. Apesar do progresso industrial, tecnológico e cultural, as mulheres ainda hoje sofrem maus tratos, como a circuncisão, a imposição de regras que indicam uma situação de inferioridade, a impossibilidade de assumir papéis iguais aos homens. É preciso identificar, em primeiro lugar, os motivos do silêncio das mulheres na religião e na Bíblia e, em segundo lugar, a necessidade da Igreja de se deixar contaminar pela presença das mulheres, por seus pensamentos, por seu modo de ser e de experimentar Deus. O perigo, como afirma a teóloga Elisabeth Green, é o da irrelevância.

“O cristianismo concentrado em um idioma, o masculino, corre o risco de ser completamente irrelevante para a experiência das mulheres, incapaz de responder às nossas necessidades espirituais mais profundas e infiéis, portanto, a missão de pregar o Evangelho à toda criatura” (Green, 2015, p. 97).

Como, então, o cristianismo pode ser libertado do ídolo masculino manifestado na cultura patriarcal, que se apropriou de textos e tradições sagradas, para que as mulheres também se sintam bem-vindas e não excluídas? Se nos perguntarmos o porquê dessa discriminação evidente entre mulheres e homens, a resposta não a encontramos nos textos oficiais. É necessário realizar um trabalho heurístico duplo, indicado por duas correntes de pensamento do século passado. A primeira, consiste no lento trabalho de desconstrução dos paradigmas culturais que se estratificaram ao longo do tempo na cultura ocidental, para apreender a origem dos preconceitos e qualquer forma de conhecimento estereotipado, o que nos impede de compreender a realidade das coisas. Desconstrução, ao invés de ser um processo de destruição do passado, é um processo de historicização e relativização do conhecimento, um trabalho hermenêutico e catártico que afeta os níveis de entendimento. Desconstrução significa, então, o esforço para entender melhor o problema em questão, para remover as construções culturais postas em prática no passado, não a serviço da verdade objetiva, mas no interesse de alguém. Nessa perspectiva, a desconstrução anda de mãos dadas com o esforço hermenêutico que tenta interpretar os textos contextualizando-os, fazê-los falar, permitir-lhes expressar verdades ocultas pelo peso das estratificações culturais. Muitos trabalhos foram realizados por algumas teólogas, que tentaram desconstruir, acima de tudo, os textos bíblicos das construções da cultura patriarcal, para compreender o conteúdo do silêncio das mulheres, mas também para colocar em evidência as diferentes camadas do antropomorfismo que não respeita a identidade de IHWH.

A outra escola de pensamento que pode nos ajudar neste trabalho de redescoberta do mundo feminino na história da religião é a Nouvelle Historie, construída no início da década de 1920 e reunida em torno da revista Les Annales, ainda presente no panorama cultural atual. Os principais protagonistas dessa corrente de pensamento historiográfico sustentavam que toda vez que se pretende conhecer uma história do passado, é necessário prestar muita atenção à maneira como se lê os textos. É, de fato, material desenvolvido pelo centro, ou seja, por aqueles que dominaram o poder naquela época em particular. Para obter as notícias mais confiáveis ​​sobre pessoas ou eventos, precisamos sair do centro, procurar outros documentos marginais, outras fontes não controladas pelo poder do momento, como achados arqueológicos, indicações geográficas e etnológicas, diários. Outros estudiosos da mesma corrente destacaram a importância de estudar mentalidades, pedindo a ajuda da psicanálise. Neste trabalho de busca de verdades sobre as mulheres na sociedade e na religião, os estudos de etnologia e antropologia também podem ser úteis.

O trabalho de descentralização da recuperação de material histórico sobre o papel da mulher na sociedade e na Bíblia foi abordado por várias estudiosas. A Nouvelle Historie ensina a nos colocarmos num ponto de vista diferente para melhor observar o objetivo, ou melhor, a nos colocarmos simultaneamente em diferentes pontos de vista, porque o mesmo evento histórico tem facetas diferentes a partir do ponto em que nós decidimos observá-lo. Tirar o único ponto de vista elaborado por quem dominava o poder, para ver melhor o papel da mulher na sociedade e as razões do seu silêncio, é a grande contribuição do pensamento feminino e da teologia das mulheres. De fato, foram algumas teólogas que nos alertaram que, toda vez que nos aproximamos dos textos sagrados, é necessária uma saudável suspeita para realizar as operações necessárias ao fim de libertar o sagrado de todas as reconstruções culturais, que com frequência e de bom grado, fecharam a palavra de Deus a um olhar diferente, impedindo-a de dizer o que queria dizer.

Afinal, o próprio Jesus nos ensinou esta atitude de suspeita quando, na controvérsia com os fariseus sobre o puro e impuro, os acusou de terem substituído a palavra de Deus por preceitos de homens, por tradições humanas. Para entender o que a palavra de Deus nos diz sobre as mulheres, além de andar na ponta dos pés neste mundo delicado, é necessário suspeitar de tudo, porque, na realidade, a cultura patriarcal cobriu todas as linhas do texto sagrado com uma espessa camada cultural. Embora, infelizmente, elas raramente sejam levadas em consideração pela teologia oficial, muitas são as contribuições da teologia feminista e, em algumas delas, pretendo focar minha atenção.

 

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