Paolo Cugini
Não suporto a hipocrisia. Não engulo quem quer ser
aquilo que não é, talvez que era no passado, mas que agora não é mais. Não
aceito o saudosismo de cômodo de quem não quer assumir a realidade, de quem
quer ficar com os pés em dois sapatos. Se você é no poder, não fale de
Movimentos sociais, pois são duas realidades antagônicas, que nunca podem se
abraçar. Quando isso acontecer quem sofre são os pobres, os excluídos, porque
perderam os próprios representantes, que nunca se encontram no poder, mas sim
no povo, no povo organizado em Movimento.
Poder político é poder político, Movimento é
movimento: são duas realidades totalmente diferentes. Num debate cultural é importante dar o sentido
as palavras, para limpar o campo de qualquer dúvida ou ambiguidade. O dato mais
irritante é escutar pessoas que tem histórico de Movimentos Sociais e que, uma
vez chegados ao poder, não querem que ninguém os critiquem, como se si
sentissem os donos da verdade. Poxa, rapaz, espera ai! Deixa os pobres falarem!
Será que esqueceram que alguns anos atrás vocês eram pobres também? Infelizmente
esta é a triste realidade: quem chega ao poder vindo das classes mais pobres,
tende a fazer de tudo para disfarçar a sua proveniência. É claro que esta não é
uma lei universal, pois temos exemplos excelentes que mostram o contrário, mas
na maioria dos casos é assim.
Dizia um meu querido amigo, desde sempre lutador crítico
contra toda forma de parasitismo político: “Quem
quiser ser vidraça deve agüentar as pedradas”. Parece-me esta a metáfora da
dialética entre política de governo e movimentos sociais os quais, por
antonomásia, por vocação, por instinto natural detonam o poder, aponta os
males, indicam o caminho de reformas, alertam a sociedade sobre os males a
serem curados. Do outro lado o poder
político, a situação, por vocação, por instinto de sobrevivência deve defender
o próprio trabalho, mostrar as mil e uma maravilha realizadas, botar painéis,
divulgar para cima e pra baixo tudo o que puder e ainda mais. Esta é a lógica
do poder e dos Movimentos Sociais, que nunca ficam do mesmo lado e se sentam na
mesma mesa a não ser para cobrar, exigir atenção. É um problema de perspectiva.
Quem fica na casa olha o mundo do sofá, pela janela, de cima pra baixo e tem
toda uma visão linda, espetacular e acha que todos vejam isso e ficam
estarrecidos quando alguém questiona a visão deles. Quem está de fora percebe a
casa de fora e sente todo o peso de uma distância, a poeira da rua, a quentura do
sol e todo mais. São duas perspectivas totalmente diferente, inconciliáveis.
Não tem como alguém convencer o outro da própria realidade. Quem está na casa
sentado no sofá acha que esta seja a realidade. Quem está na rua comendo poeira
cansa disso e começa a questionar.
É esta a função de um Movimento Social: questionar,
exigir os próprios direitos, partir pra cima, cobrar medidas. Do outro lado, um
poder político que presta não fica abafando as criticas, controlando a
oposição, querendo regular a contestação, mas presta atenção, deixa os
Movimentos Sociais se manifestarem e tenta acatar algumas das propostas. Quem
assume o poder, embora venha de lutas sociais, não pode ter a pretensão de ter
a resposta de todos os problemas – apesar de que ninguém exige isso! – mas deve
ter a humildade de escutar, de dar valor a quem fica na rua comendo poeira e se
lascando para chegar a noite sem morrer de fome. Este de fato é o problema:
toda vez que o poder tenta de abafar as critica, ali vem bomba, pode aguardar!
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