quinta-feira, 29 de setembro de 2022

A CONSOLAÇÃO ENGANADORA DO PASSADO

 




 

Paolo Cugini

Pintadas 2011

 

É sempre importante dar o nome às coisas, aos eventos ou às situações, sobretudo quando não conseguimos detectá-las e entendê-las. Existe toda uma literatura religiosa distorcida sobre o importante tema do pecado, que não permite entender esse fenômeno espiritual na sua justa profundeza. Sem dúvida, o pecado é uma experiência negativa que provoca amargura e tristeza nas pessoas que buscam a Deus com coração sincero. Além disso, o pecado se manifesta de várias maneiras e se camufla de um jeito que, às vezes, podemos confundi-lo com algo de positivo. O pecado é uma alternativa ao plano de Deus que, quando consegue penetrar em nosso horizonte de vida, provoca um profundo mal-estar. Por que, então, entramos nesses caminhos sombrios quando sabemos muito bem que nos causam tristeza e mal-estar?

Os sábios de todos os tempos e culturas indicam na felicidade o grande anseio do homem e da mulher. A busca da felicidade, que se realiza no bem viver, é o foco das nossas preocupações, seja de forma explícita ou implícita. A autenticidade da vivência Evangélica leva para uma vida feliz, que se manifesta como plenitude. Quem na própria vida faz a experiência do encontro pessoal com o Senhor não sente mais necessidade de nada: só Deus basta! É nesse sentido que podemos entender os votos de castidade, pobreza e obediência que, longe de serem imposições externas, são a resposta pessoal a uma profunda experiência de amor, percebida como algo incomparável. 

Qualquer experiência humana, também a mais profunda como pode ser a autêntica experiência de fé, é moldada na estrutura antropológica humana. Somos humanos e não deuses; estamos sujeitos ao tempo que passa, à caducidade com as suas influências na nossa estrutura psíquica. As experiências humanas, por serem humanas, passam através do crivo do tempo e, assim, tendem a esfriar, enfraquecer e, às vezes, a se derreter para sempre. Quanto mais profunda for a experiência de fé ou uma experiência de amor humano, maior será a força para aguentar o peso do sofrimento dos problemas que encontramos no tempo presente. Infelizmente, nem sempre conseguimos manter a concentração no nosso presente, sobretudo, nem sempre conseguimos elaborar rapidamente novas motivações, necessárias para enfrentar o tempo presente com os seus desafios.

É exatamente nessas passagens da nossa vida que se insinua o pecado, assim viramos para o passado na busca da consolação naquilo que não é mais, mas que já foi bom, muito bom. O pecado, nesse sentido, busca empurrar o homem e a mulher no passado da vida, tirando-o do presente, sobretudo quando este se apresenta como duro, insuportável e, então, dificulta o anseio constante de felicidade humana. E, assim, insatisfeitos com o nosso presente, nos transferimos ao passado, tentando ressuscitá-lo, mergulhando nele, como se fosse algo real. É a necessidade humana da consolação que nos leva a este sutil caminho do pecado, vivendo no presente com a cabeça no passado. Claramente, não é a única forma com a qual o pecado se apresenta à nossa consciência, mas é um dos caminhos que ele percorre, sobretudo nas pessoas adultas, com uma discreta e significativa bagagem de sonhos.

Por que o pecado se manifesta, nestes casos, como fuga no passado tirando-nos da realidade do nosso presente? A resposta, para os cristãos, não é muito difícil. De fato, é no presente da história humana que Cristo se manifesta. É no hoje da nossa vida que podemos encontrar misteriosamente e, de fato, a presença real de Jesus Cristo, para nos convertermos a Ele e segui-lo. “Hoje a Salvação entrou nesta casa” (Lc 19). Foi com essas palavras que Jesus se apresentou na casa de Záqueu, oferecendo para ele um caminho novo de vida. Somente permanecendo no presente da vida teremos chance de encontrar o Senhor que nos convida no Caminho da vida. Nesse sentido, podemos entender a vida espiritual como um constante esforço de manter os pés no chão da nossa realidade, desmascarando as insistentes tentativas de fuga na busca da consolação do passado. E assim, a oração, longe de ser uma alienação, torna-se um necessário exercício cotidiano de mergulho no presente da história – não de qualquer presente, mas daquele presente que Deus nos apontou e continua nos apontando como único espaço para alcançarmos a vida verdadeira.

 

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