quinta-feira, 21 de maio de 2020
ENTENDER PAPA FRANCISCO
UM LIVRO QUE OFERECE AS CHAVES DE LEITURA PARA
COMPREENDER A PROPOSTA DO PAPA FRANCISCO
Por que a proposta pastoral e eclesial do Papa
Francisco está criando tanta confusão no mundo católico?
O que incomoda em sua proposta?
Acima de tudo, o que não entendemos e por que somos tão difíceis de segui-lo? É
tão longe do evangelho ou é muito aderente a ele? Estas são algumas das
questões subjacentes ao meu próximo livro, que será publicado em italiano no mês
de junho pelas edições dehonianas de Bolonha, com o seguinte título:
Igreja Povo de Deus: da
experiência brasileira à proposta do Papa Francisco
Reserve na
livraria.
domingo, 10 de maio de 2020
A PROFECIA DAS MULHERES NA IGREJA
Paolo Cugini
Os estudos da teologia
feminista já há anos alcançam não apenas um nível de cientificidade de
valor valioso, mas estão levando o entendimento da dinâmica cultural
estratificada no texto bíblico e na tradição eclesial a resultados
impensáveis. Afinal, para aqueles acostumados a uma abordagem do
texto bíblico transmitida pela tradição predominantemente masculina, é difícil
compreender as nuances que o olhar feminino pode perceber. É estranho
pensar que fazemos parte de uma tradição cultural que tratou as mulheres como
inferiores, como seres cuja alma foi questionada até o século VII0 d.C.
Houve uma concentração de mundos que se uniram para nocautear o pensamento
feminino As culturas que fazem fronteira com o Mediterrâneo e, em
particular as semitas, gregas e romanas, não pouparam golpes e argumentos
imaginativos para demonstrar a inferioridade do que mais tarde será chamado de
sexo mais fraco. Por um lado, o pensamento grego preparou os fundamentos
filosóficos para a elaboração de uma antropologia misógina, que apoiou a
cultura patriarcal já existente. Então os romanos chegaram, com Sêneca,
Plínio o Jovem e Juvenal, só para citar alguns, reforçando a abordagem
antropológica dualista e tendenciosa a favor do homem, mostrando como
precisamente essa estrutura antropológica justificava a subordinação da mulher
em relação ao homem. Subordinação que deveria ser muito clara também no
nível social, na distribuição dos espaços: o homem na praça, a mulher em casa para
cuidar dos filhos e tudo mais.
A batalha dos sexos é
disputada em nível social. No debate cultural dos primeiros séculos do
cristianismo, um dos principais temas, que já aparecerão nos escritos do Novo Testamento,
será a decisão de quem começa a ensinar em um lugar público. O tema
adquire significado precisamente no advento do cristianismo, à medida que a
casa doméstica se torna o lugar do estabelecimento das primeiras comunidades
cristãs. E é precisamente no lar, um espaço onde culturalmente a mulher
não é apenas relegada, mas é chamada a cumprir sua identidade, que as
comunidades cristãs testemunham o protagonismo das mulheres, que tomam a
palavra para ensinar. O pensamento cristão antigo usará todas as
ferramentas possíveis, também adotadas pela cultura pagã circundante, para
restaurar a ordem, ou seja, silenciar as mulheres. Ponto de viragem deste
declínio cultural, serão as palavras do autor da primeira carta a Timóteo
que intimará mulheres para manter a calma: " A mulher aprenda
em silêncio em total submissão. Não permito que a mulher ensine, nem
domine o homem, permaneça antes em uma atitude calma "(1 Tim 2:
11-12).
A partir deste momento,
forma-se uma aliança cultural real para demonstrar a inferioridade das mulheres
sobre os homens e a necessidade de os homens guiarem as mulheres, que devem
permanecer submissas a elas. O que o pensamento patrístico acrescentará à
produção cultural misógina abundante do mundo grego e romano não será apenas o
aprofundamento da antropologia platônica sobre o assunto, mas, sobretudo, o
fundamento bíblico da subordinação da mulher ao homem. Primeiro, ela
enfatiza o fato inegável de que o primeiro a ser criado por Deus era Adam, e só
mais tarde criou Eva, a famosa costela. Existe, portanto, uma
subordinação que encontra apoio até da vontade de Deus. Além disso, e será um
dos cavalos de produção da produção homilética medieval contra a mulher, está
fora de questão que foi Eva ser enganada pela cobra e não Adam. A fraqueza
natural da mulher, sua fragilidade física e mental, sua inconstância e a consequente
necessidade de um homem para poder levar em frente sua existência, doravante
encontra no texto bíblico um aliado irrefutável.
Como Selene Zorzi mostrou em
um estudo recente[1] , a produção cultural cristã contra as mulheres é
desencadeada atingindo níveis paroxísticos, após 1115 depois de Cristo, isto é,
após a imposição do celibato obrigatório ao clero. " A
marginalização e a difamação das mulheres teriam sido uma espécie de tática
para incentivar a continência do celibato " (ZORZI, P. 142) . Um dos textos mais famosos e mais repulsivos
desta esquálida produção cultural cristã, o que diz muito sobre o
patriarcado e as estruturas misóginas é a pregação do século XIo Peter
Damian: "Eu digo a você, feiticeiras, carne voluptuosa do diabo,
que você expulsou do paraíso, você, poção de mentes, espadas de almas, veneno
de quem bebe e banquetes, questão de pecar, ocasião de se perder [...] Venha
agora, me escute, putas , prostitutas com seus beijos lascivos, lugares
onde porcos gordos rolam, camas para espíritos impuros, semideuses, sirenes,
bruxas [...] " (ZORZI, P. 146). .
A leitura dessas passagens
ajuda a entender por que a igreja acha tão difícil admitir mulheres no
sacerdócio ministerial. Houve muitos séculos de pregação, manipulação da
realidade, alianças culturais, que relegaram as mulheres não apenas ao lar, mas
também às favelas da história. A estratificação paternalista e misógina no
Ocidente chegou ao ponto de convencer as mulheres a serem
inferiores. Basta folhear as páginas de alguns textos produzidos na esfera
cristã, que incitam as mulheres a permanecerem submissas aos homens para serem
felizes diante de Deus, a perceber o desastre cultural e espiritual posto em
prática. A mulher serve para a reprodução e o cuidado das crianças e do
lar: ponto. Essa abordagem permanecerá normativa por toda a Idade Média
até recentemente. A única diferença que ocorre na era moderna será a perda
de importância do argumento antropológico em favor do argumento baseado em
papéis sociais. O objetivo explícito desses argumentos será justificar a
exclusão das mulheres da ordenação sacerdotal. Ao longo da era moderna, o
trabalho de denegrir as mulheres consideradas inconstantes e de coração fraco,
inconstante e muito loquaz continua: todos os assuntos consideravam obstáculos
à ordenação.
Folheando a literatura cristã
da era patrística, medieval e moderna sobre o tema do papel da mulher na
sociedade, além de estar chocado com o vazio dos argumentos e com a malícia em
relação a eles, percebe-se a total ausência de argumentos significativos em
relação ao tema tão delicada da exclusão das mulheres da ordenação
sacerdotal. Sem dúvida, percebe-se que o clima altamente hostil
criado ao longo dos séculos, dificultou sua inserção na hierarquia eclesial. Hoje,
no entanto, não é mais justificado. De fato, esses são tópicos
culturais, entre outras coisas, argumentos de nível muito baixo, até
repugnantes para as mulheres e não elementos significativos nos quais basear
uma decisão tão firme.
Na minha opinião, a admissão
de mulheres ao ministério na igreja católica seria um gesto profético. Em
um clima cultural cada vez mais hostil às mulheres, que as vêem cada vez mais
fracas, objeto sexual mais do que pessoas, menor ao ponto de não receber o
mesmo salário que os homens quando fazem o mesmo trabalho, um clima que parece
confirmar todos os preconceitos misóginos da cultura patriarcal ocidental, a
admissão de mulheres no ministério sacerdotal seria um gesto de contra
tendência, o que faria a sociedade pensar muito. Das palavras dos
documentos oficiais, nos quais o "gênio feminino" é exaltado, ao
fato de considerá-las dignas de assumir papéis que sempre foram
considerados exclusivos para os homens. Além disso, a Bíblia está cheia
desses gestos proféticos, de sinais que provocam o povo de Israel, sinais que
indicam um novo caminho, que revela, ao mesmo tempo, o erro dos antigos. A
profecia vem da capacidade de olhar para longe, da força para se libertar dos
fechamentos asfixiais do tempo presente, das lógicas de poder nas quais alguém
permanece entrelaçado. A profecia é sempre a vitória da misericórdia sobre
a dureza da lei, é o espaço oferecido ao Espírito para entrar na história de
homens e mulheres para perturbá-la, reorganizá-la. A profecia é um sinal
de liberdade que abre novos caminhos, seguindo o exemplo do que Jesus realizou:
a profecia é a força desmascaradora da religião dos homens, que obscurece a
beleza libertadora da Palavra de Deus com tradições humanas, com uma lógica
perversa, que discrimina e coloca um contra o outro.
É essa profecia que precisamos
hoje. E é precisamente essa profecia que esperamos da igreja hoje: a
profecia do ministério feminino. Para remover todas as dúvidas, para poder
dizer claramente que, se ainda existem no mundo pessoas que consideram as
mulheres inferiores aos homens, a Igreja não. Se ainda há quem considera a
mulher incapaz de ensinar e explicar a Palavra de Deus em público, a Igreja não. Se
ainda há alguém que afirma que a mulher não é capaz de liderar uma
comunidade, que não possui carisma suficiente para discernir e orientar,
dizemos claramente que isso não é verdade. Querida igreja, pedimos a você:
não nos deixe sem argumentos. Acima de tudo, porém, perguntamos a você:
não nos negue esta profecia.
[1] ZORZI, S., além do "gênio
feminino". Mulheres e gênero na história da teologia cristã,
Carocci, Roma 2015
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