Paolo Cugini
1.
A conjuntura atual não apresenta um quadro positivo para vida do padre. Os
escândalos da pedofilia solaparam a credibilidade do clero. A rapidez das
mudanças culturais da pós-modernidade descortina a velhice do sistema eclesial
e, sobretudo, a sua incapacidade de se atualizar, de elaborar uma proposta ao
passo com os tempos. A cultura pós-moderna, que questiona as formas rígidas de
racionalidade, não aceita mais as atitudes autoritárias, típicas das estruturas
que se formaram na época medieval. O mundo caminha sempre mais na direção do diálogo
democrático e quem tem dificuldade a sair das formas rígidas do pensamento corre
o risco de ficar de fora do contexto. Enquanto até poucas décadas atrás o padre
era uma figura respeitada e referência moral do povo, hoje, neste novo quadro
sócio-cultural, o padre é uma figura ambígua, pouco crível e parte de uma
estrutura que dia após dias perde de credibilidade.
2.
O padre vive esta época com grande angústia, pois ele é ao mesmo tempo parte da
estrutura rígida da Igreja e também parte desta cultura pós-moderna em continua
mudança. De um lado, o padre se sente continuamente solicitado a ser fiel a uma
estrutura na qual acredita, pois é nela que amadureceu a própria escolha de
vida; do outro, percebe todo dia a urgência de uma mudança radical e o
sofrimento pela lerdeza da Instituição a abraçar este caminho de mudança. O
padre no diálogo cotidiano com as pessoas que encontra é solicitado a oferecer
respostas a problemas que ele não vive na própria pele. Além do mais, o
conteúdo que ele tem a disposição para orientar as pessoas não é atualizado,
pois é fruto de uma elaboração conceitual de uma época que não tem mais a ver
conosco. E, assim, o padre se encontra a toda hora num rumo cego, sem saída:
sabe que o Evangelho de Jesus é o Caminho certo que a humanidade deve percorrer
para realizar uma existência mais humana, mas, ao mesmo tempo, percebe que os
conteúdos elaborados pela Instituição do qual ele é fiel servidor tem pouco a
ver com a demanda e os questionamentos dos seus interlocutores.
3.
Acho extremamente importante entender
este elemento da atualização, pois mexe com um dato fundamental do
cristianismo, que é a vida no Espírito. De fato, Jesus não pronunciou um
conjunto de dogmas rígidos e infalíveis, mas sim uma proposta viva par os
homens e as mulheres de todos os tempos. Nesta história, o Espírito Santo tem
um papel fundamental, pois é graça a Ele que a Palavra de Jesus é atualizada
nos novos contextos culturais. Existem períodos na história da humanidade e,
sem dúvida, o nosso que estamos vivendo é um deles, aonde é visível a tensão
entre Espírito e Instituição, entre Carisma e Poder. O ideal seria o equilíbrio
entre as duas forças, mas este equilíbrio é difícil alcançar em tempo de crise,
que exige capacidade de resposta à altura da situação. É nessa altura que o
padre deveria exercer um papel importante, pois ele vive a contato com o povo –
pelo menos deveria – e por isso sente na própria pele as mudanças culturais que
necessitam de respostas imediatas. Infelizmente, quando a Igreja elabora um
documento sobre os temas da atualidade, raramente o padre é interpelado para
expor suas opiniões. Quem faz os documentos da Igreja são pessoas que tem pouco
contato com o povo, pessoas que vivem dentro de palácios, que conversam entre
si sem entender bem o que se passa no mundo. Não é de estranhar, então, se os
documentos oficiais da Igreja são uma citação contínua de documentos passados,
tentando de adaptá-los e nem sempre com sucesso, ás novas exigências. O padre
verdadeiro, aquele que ama Deus e vive a contato com o povo, sofre demais por
esta distância entre a mensagem da Igreja, que deveria atualizar o Evangelho á
luz do Espírito Santo e os problemas reais. O padre percebe que no Evangelho
tem uma força explosiva, têm indicações suficientes para oferecer respostas
uteis às pessoas que toda hora o procuram e o questionam sobre os problemas
essências da vida. Ao mesmo tempo, porém, o padre sente que não tem a resposta
certa, pois as respostas que ele tem a disposição tem pouco a ver com a
realidade que ele vive e que o seu povo vive: fazer o que?
4. Ser padre neste quadro
não é fácil, pois se trata de viver num contínuo questionamento, numa continua
ambigüidade. Num mundo em continua mudança o padre deve transmitir a toda hora
valores eternos. Num contexto cultural
que, como nos lembra o sociólogo polonês Bauman é preciso não se identificar
com algo de fixo, o padre é o sinônimo da estabilidade, daquilo que nunca muda.
O padre deveria ser a pessoa capaz de repassar aos seus contemporâneos o
testemunho da presença de Cristo, uma presença viva e clara do amor de Deus que
se manifestou na sua ação e nas suas Palavras. O problema é que nunca como hoje
este testemunho foi tão ofuscado, nunca como hoje a transparência da vida de
Jesus foi tão danificada por aquela instituição que deveria manifestá-la. E ai
vem o problema do padre, ou seja, daquele homem que sente-se chamado por Deus a
viver integralmente o amor de Jesus, mas que percebe a dificuldade de fazer
isso dentro uma Instituição que parece ter perdido o rumo, a alegria de servir
a Cristo, a força moral de testemunhá-lo. Por isso vários deles, ao longo dos
anos, deixam o ministério, outro se afrouxam, outros ainda se entregam aos
vícios. Sem dúvida, tem muitos que continuam firmes no ministério servindo a
Deus e ao povo com o maior carinho do mundo. Mas é visível o descaso, a perca
de terreno, o constrangimento que os padres vivem para não conseguir caminhar
ao passo com os tempos. Seria mais fácil e menos doloroso se o padre vivesse
preso dentro num mosteiro, num palácio: mas o padre vive no meio do povo e o
seu sentir é o sentir real do povo.
Como sair deste círculo viçoso? Que caminho percorrer para
ajudar o padre a votar com força a ser testemunho vivo do Evangelho? Como
ajudar a Hierarquia eclesiástica que está meio perdida, afastada dos problemas
do povo?