Paolo Cugini
Mounier percebe o perigo de que a
revolução nunca aconteça. E, refletindo sobre isso, o autor se interroga sobre
o sentido da violência como passagem obrigatória pela realização da nova
sociedade. O mundo da pessoa – escreve Mounier – exclui a violência como meio
de constrição interior, mas algumas necessidades que se formaram na desordem
anterior produzem ainda violência nas pessoas (MOUNIER, 1982, p. 35). Se é
verdade que, em algumas circunstâncias, o uso da violência pode ser consentido,
é preciso limitar ao máximo este meio revolucionário. Porém:
Se somente da violência pode, em
algumas circunstâncias, depender a decisão final, nenhuma razão plausível pode
exclui-la. A violência pode chegar somente como extrema necessidade. Quando é
utilizada de forma prematura sufoca os homens e prejudica o resultado final.
(MOUNIER, 1982, p.49).
Percebe-se, dentro o pensamento de Mounier, uma
profunda tensão entre o reconhecimento como princípio do uso da violência em
situações limites e, do outro lado, uma constante aspiração à paz. A não
violência deve ser o fruto da força e deve conseguir repudiar toda aliança com
o medo e a fraqueza. A renúncia de subverter com violência a desordem estabelecida
é legitima somente se nasce da aceitação dos limites inevitáveis que a ação
impõe e não por causa do medo.
Se, como vimos, Mounier não exclui em linha de
princípio a ação violenta, todavia a sua preferência é com os meios de ação não
violenta. No livro Revolução personalista e comunitária, o autor manifesta a
vontade de experimentar, antes de tudo, os meios não violentos e de não utilizar
nunca os meios violentos que, em si mesmos e num sentido absoluto, sejam condenáveis
mas, acrescenta Mounier: “nós não acreditamos que todos os meios violentos sejam
negativos pelo único fato de que são violentos” (MOUNIER, 1984, p. 281). Por
isso, o cristão não deve recusar de forma prevenida o uso da violência, mas se
questionar sobre a sua legitimidade e manter uma constante atenção sobre os
meios que são envolvidos em cada ação. A não violência é uma arma tipicamente
cristã, mas não é a única[1]. A
teoria da revolução encontra-se aqui com uma filosofia da ação, aquela mesma
que Mounier amadureceu no Trattato del Carattere (MOUNIER, 1993). Nessa
obra, o autor insiste sobre a relação entre homem e ambiente e sobre a
importância da experiência da ação.
A única prova da verdade
de um homem são os seus atos. O valor das suas palavras, a autenticidade do seu
pensamento, se revela somente na confirmação que é data, pois nós mesmos somos
jogados na ação antes de refletirmos sobre ela (MOUNIER, 1993, p. 5).
Como é muito fácil perceber, a reflexão de Mounier
acaba formalizando uma ética da ação, mais do que uma técnica da ação. O
filósofo francês sublinha a exigência da ação, contra toda forma de pureza
idealista que foge da realidade[2].
As páginas que dedica a este tema são de grande importância na estrutura do seu
pensamento. O personalismo se recusa a ser técnica de ação e, ao mesmo tempo,
recusa a acusação de ser uma mera filosofia utópica, sem nenhuma relevância
para a história. Pelo contrário, o personalismo, que se desenvolveu ao longo
dos anos 30 e 40 do século passado, sobretudo nas páginas da revista Ésprit,
sempre ofereceu propostas concretas para os problemas encontrados[3].
O discurso sobre as formas concretas da ação é apenas
esboçado. De um lado, de fato, nos anos entre as duas guerras, quando Mounier
amadureceu o seu pensamento revolucionário, a exigência primeira era romper com
a desordem estabelecida e o personalismo nesta época não conseguiu desenvolver
um programa político social; do outro lado, quando Mounier, depois do segundo
conflito mundial, teria as condições necessárias para enfrentar o problema,
encontrou uma situação histórica e política extremamente mudada, de uma certa
forma uma sociedade pós-revolucionária. Nem por isso Mounier reduziu o
personalismo a uma espécie de revolução interior. De fato, depois da
libertação, denunciava “a doença infantil da revolução espiritual” que amiúde
se resolve numa postura
conservadora sem futuro, que fica confundindo a
denúncia com a ação, sem conseguir incidir na ação da história.
Para inserir o personalismo no
drama histórico do nosso temo não basta dizer: pessoa, comunidade, homem, etc.;
é também preciso dizer: fim da burguesia ocidental, advento das estruturas do
socialismo, função iniciadora do proletariado. (MOUNIER, p. 105) Somente assim,
será possível evitar que o personalismo se torne uma ideologia boa para todos,
sem alguma possibilidade de orientar as pessoas e, sobretudo, sem ter a chance
de mudar o caminho da história. A filosofia personalista, portanto, não pode
ser uma máscara para uma política de conservação social. Apesar disso, é bom
salientar que o personalismo nunca conseguiu elaborar uma teoria da ação
política[4].
“Recusada a democracia parlamentar, condenados sem apelo os partidos,
considerados com suspeita os sindicatos, falta ao personalismo o meio para
desenvolver o seu potencial revolucionário” (CAMPANINI, 2012, p. 113).
O pensamento político de Mounier consegue elaborar
apenas uma teoria da ação para pequenos grupos. Foi isso que aconteceu logo no
início da experiência da revista Ésprit, quando Mounier formou sobre todo o
território francês pequenos grupos de estudo – os “grupos Ésprit” – que
conseguissem manter uma ligação entre a realidade e a elaboração filosófica. A
estrutura da sociedade do futuro pode ser criada no:
pequeno grupo, que vale para os
homens que recolhem e pela intensidade da difusão, mais que pelo número, que
não se propõe grandes tarefas revolucionárias, mas a descoberta corajosa de
panoramas desconhecidos e a vigilância sobre um tesouro necessário ao bem-estar
de todos, tesouro que os tumultos esquecem e ameaçam. (MOUNIER, p. 29).
A praxe revolucionária se resolve nesse contexto numa
preparação da nova sociedade dentro de pequenos grupos, na espera de que estas
formas novas de relacionamento social se ampliem, afetando toda a estrutura
social. Mais uma vez, Mounier revela a sua vocação tipicamente cultural, mais
do que política. A reflexão sobre a ação se resolve na passagem de uma ética do
compromisso para uma ética do testemunho. Assim como também desenvolveu o
discurso na sua obra fundamental – O personalismo –, Mounier indica quatro
dimensões da ação: fazer, agir, contemplar, ação coletiva. Na realidade,
somente o primeiro desses pontos tem como finalidade a ação propriamente dita,
o poiéin, que Mounier resolve, sobretudo na economia, na ação do homem sobre
as coisas, com todas as ligações que existem entre economia e política. O agir,
que Mounier indica com o grego pràttein, tem como objetivo a ação ética,
caracterizada pela autenticidade do seu jeito de se colocar, mais do que as
formas concretas de como ela se realiza no plano dos acontecimentos históricos.
Também na categoria da theoréin, a contemplação
não tem muito sentido da ação, assim como é compreendida no pensamento comum.
Segundo a reflexão de Mounier, “a contemplação é uma tarefa do homem na sua
totalidade; não é evasão da atividade comum para uma atividade escolhida e
separada, mas aspiração para um reino de valores que desenvolvem toda a
atividade humana” (MOUNIER, 2006, p. 125). A teoria da ação termina afirmando
uma tensão entre o “polo político” e o “polo profético”, o primeiro mais
concentrado sobre o sucesso, o segundo mais orientado sobre o
testemunho, todos dois, porém, indispensáveis ao homem
de ação. É bom salientar que a teoria da ação do personalismo não se resolve
numa confissão de impotência ou num refúgio sobre o plano ético e religioso. Na
realidade, em Mounier existe uma teoria da ação, não uma técnica da ação[5].
Examinando com atenção a posição política de Mounier,
percebe-se uma relevância prática. De fato, o filósofo francês reconhece o
valor da não violência como atitude religiosa, como apelo à santidade. Isso,
porém, não exclui o dever de se opor à força com a força. O homem não consegue
se opor somente com o testemunho pessoal perante estruturas construídas contra
a pessoa. “Nunca conseguirá sozinho sacudir a instituição do mal na estrutura
do mundo moderno” (MOUNIER, 1984, p. 226). Por isso, junto com o compromisso espiritual,
é preciso uma revolução interior, mas também política, para remover o reino da injustiça
e da desordem estabelecida.
A teoria de Mounier sobre a ação indica dois polos: de
um lado a denúncia de uma impossível pureza absoluta do compromisso; do outro,
a indicação do perigo que a política se transforme em pura vontade de potência.
Entre espiritualismo puro e vontade de potência, o personalismo se esforça para
criar um difícil equilíbrio, sem porém, sacrificar a contemplação da ação, sem
renunciar à técnica e, ao mesmo tempo, conferindo a prioridade aos meios espirituais.
[1] Cfr. Muito
interessante, para aprofundar o relacionamento entre ação violenta e ação não
violenta, são os escritos publicados em: Pacifistes ou bellicistes?,
Paris 1939 (Em: MOUNIER, Emmanuel, Oeuvres, vol. 1, Paris: Bibliothéque de la
Pléiade, pp. 785-836).
[2] Mounier enfrentou
o tema da fuga da realidade em: Che cos’é il personalismo? Torino, 1948,
cit. p. 22.
[3] Sobre esse assunto
cfr. O nosso trabalho sobre o nascimento da revista Ésprit (CUGINI, 2009).
[4] É isso que
sustenta CAMPANINI, 1968, p. 213.
[5] Segundo Giorgio
Campanini (1968, p. 216) a teoria da ação de Mounier manifesta o grande limite
do personalismo e a explicação da sua escassa incidência na política francesa.