Recebi e com muito prazer publico:
Não é novidade para ninguém que temas polêmicos sempre
foram divisores dentro das instituições religiosas, de modo ainda mais preciso,
dentro da Igreja Católica: desde o grande cisma provocado pela divergência
quanto ao Filioque, perpassando as heresias e chegando ao problema da
iconoclastia e, tempos depois o protestantismo, divisões não faltaram no
cristianismo católico e não católico. Mas o fato é que, segundo a minha pobre
visão, já vivemos hoje um cisma prático que abarca questões ideológicas muito
mais do que questões de fé. Faço-me entender:
Hoje na Igreja temos dois grandes pólos: de um lado, a
corrente conservadora que, em suas convicções, preza por resguardar a moral, a
“tradição” e os bons costumes cristãos. Por outro lado, encontramos uma
corrente progressista que provoca reflexões e busca mudanças no seio do
catolicismo. Ambas as alas vivem numa eterna guerra para provar os erros uma da
outra. Mas o fato é que estas duas correntes estão bem distantes de viver um
consenso, aquela justa medida aristotélica que é, na realidade, o cerne do
ensinamento de Jesus, pois o Evangelho conduz a uma visão límpida das coisas, a
Boa Nova reclama para si um equilíbrio humano.
Na Igreja do Brasil, nunca se viu um conservadorismo
tão forte como aquele que existe hoje, tal conservadorismo é fruto de todas as
deturpações e más vivências da Teologia da Libertação e das Ceb’s que, em
muitos lugares e situações, ganharam apenas uma conotação social e política e,
por hora, deixaram a espiritualidade em segundo plano caindo quase um laicismo
travestido de fé. Aqui quero deixar claro que não sou contra a TL e as Ceb’s no
que elas são em essência (uma proposta eclesial libertadora e autêntica), mas me
refiro especificamente às deturpações que fizeram delas.
Um fato importante nesse contexto é que o crescimento
e o empoderamento da ala conservadora se dá também pela explosão do movimento
carismático que virou febre e se misturou ao conservadorismo dando-lhe
popularidade. Aqui no Brasil está em alta no meio católico assuntos do tipo:
uso do véu pela mulheres, a modéstia no vestir, uma ênfase exacerbada no pecado,
Missa Tridentina, um devocionismo que extrapola os níveis da normalidade e um
ideal cristão que às vezes foge da realidade humana que se apresenta nos nossos
tempos.
Sob o influxo de argumentos de que a Igreja teria
condenado a Teologia da Libertação, o conservadorismo ataca qualquer temática
que possa ao menos lembrar questões sociais. Não é à toa que o Papa Francisco é
largamente taxado de comunista e criticado por seu ministério marcado por um
acento social, ecológico e humanitário. Além do Papa Francisco, um grande alvo
dos ataques conservadores é a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil)
que segue a linha do pontificado do Papa Francisco. A cada ano, com a Campanha
da Fraternidade, que acontece sempre no Tempo da Quaresma, a CNBB propõe a
conversão dos cristãos para assuntos ligados ao bem comum, ao meio ambiente,
problemas sociais e humanos que assolam os nossos tempos.
A cada ano tem crescido a objeção à Campanha da
Fraternidade, há muitos padres, leigos, institutos e até bispos (pasmem!) que
se manifestam contrários. Acusam a Campanha de ser comunista (Imagine se existe
comunismo no Brasil! Risos...), laicista e sem espiritualidade. Reclamam o
direito de viver a Quaresma no seu espírito “genuíno” como se refletir sobre a
situação do mundo não fosse oportunidade de conversão, de vida nova, de novos
tempos. Esse grupo conservador não consegue perceber que a nova criação, os
“novos céus e a nova terra” prometidos por Cristo já começam quando nos
convertemos ao amor pelo próximo e pela criação.
O tema da CF deste ano talvez tenha sido um dos mais
polêmicos de todos os tempos porque envolve a diversidade e, falando deste
tema, além de tratar sobre a diversidade religiosa (sendo uma campanha
ecumênica), traz à luz da reflexão cristã, o tema da diversidade sexual que
está em alta no Brasil. É impossível não falar de conversão quanto à homofobia,
transfobia, LGBTQI+fobia, no país onde mais se mata homossexuais e pessoas
trans no mundo. É impossível não chamar à conversão uma cultura de intolerância
e agressão a quem vive uma orientação sexual diferente dos padrões patriarcais
das culturas cristãs. Não dá para fazer vistas grossas a um assunto de tamanha
relevância no cenário nacional. O Evangelho toca estas realidades. O que dizer
então quando o próprio Catecismo da Igreja manda acolhermos as pessoas
homoafetivas com caridade? Acaso está sendo o Catecismo herético e
contraditório?
O fato evidente aqui é que falar sobre estes temas na
Igreja é ter que tocar na própria ferida, é ter que olhar para dentro da
própria instituição e enxergar com objetividade que a questão da
homoafetividade não é só ad extra, mas ad intra! A homossexualidade é uma
questão teológica séria que precisa ser discutida para além de um parágrafo do
Catecismo e para além de uma recomendação a “guardar a castidade” como se fosse
simples assim. Na prática, como podemos acolher com caridade, pastoralmente e
espiritualmente as pessoas LGBTQI+ se estamos fechamos a perceber que esta
realidade está camuflada dentro da própria instituição? É lógico que é mais
fácil tomar o caminho da “moral e dos bons costumes”, pois assim, não precisamos
mexer em nós mesmos, não precisamos nos expor e não precisaremos passar a
vergonha de admitir perante o mundo que estamos errados.
A Campanha da Fraternidade é um ponto cismático na
Igreja do Brasil. Torno a repetir: este cisma não existe formalizado e oficial,
mas trata-se de uma divisão de cunho prático, uma guerrilha que se expande
desde os ambões das Igrejas até as redes sociais onde o bombardeio ideológico é
ainda mais forte e descontrolado. Embora o tema da CF trate da unidade:
“Fraternidade e diálogo: compromisso de amor”, vemos que ela gerou muito mais
divisões, mas ainda assim, creio que ela esteja cumprindo seu papel, pois onde
não há tensões e crises, não há também crescimento e purificação. Se dentro da
Igreja, essa bonita proposta não consegue atingir sua finalidade, ao menos nos
espaços extra-eclesiais ela tem gerado diálogo, reflexão e propostas de
mudanças.
Sigamos de cabeça erguida! Possamos nos firmar no
texto bíblico que é lema da CF 2021: “Cristo é a nossa paz: do que era dividido,
fez uma unidade”. (Ef 2, 14a) O caminho das tensões não pode ser visto
negativamente, mas acredito firmemente que Cristo se utilizará disso para
continuar chamando ao diálogo e à unidade. Sejamos nós instrumentos nas mãos do
Senhor, geradores de comunhão, de acolhimento, de respeito e de amor ao
próximo. Como nos ensina o Papa Francisco na “Fratelli Tutti”: sejamos
construtores de pontes e não de muros!
Pe. Cláudio Gonçalves | Bahia, Brasil.