segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

A FERIDA NÃO É O TUDO

 



     Paolo Cugini


      Já é sinal de uma grande caminhada espiritual e humana poder olhar sem medo para a ferida que arde dentro de nossa alma, sem tentar escondê-la, como costumamos fazer. Então, quando aprendemos a não identificar a ferida com toda a nossa identidade, significa que temos percorrido um longo caminho dentro de nós mesmos. A ferida, na verdade, não é toda a existência, mas um aspecto do caminho. Superar a tentação de deixar que o sangue da ferida nos devaste do medo, requer muita energia espiritual. Precisamos termos um horizonte claro da existência para não nos surpreender com os sentimentos negativos do momento. E é justamente nesses momentos de desespero possível, que o caminho percorrido ou não percorrido emerge com força. E’ necessário tomar tempo para curar a ferida, para deixá-la curar, para permitir que o amor entre onde o medo tomou conta. Tempo e amor sempre andam juntos, porque não amamos realmente se não nos damos o tempo para amar e nos deixarmos amar. E, com o tempo, a ferida se fecha aos poucos, provavelmente deixando uma leve cicatriz, necessária para nos lembrar quem somos e de onde viemos.

A ferida da alma também é um sintoma de vida que nos lembra uma harmonia quebrada. No turbilhão dos acontecimentos da vida cotidiana, às vezes esquecemos de nós mesmos. Um dia, uma ferida nos obriga a parar, a olhar para ela e, quanto mais profunda, mais precisa de cuidados. Benvindas as feridas profundas que nos obrigam a sentar, a chorar de dor, a pensar nas causas, como poderia ter acontecido, enfim, pensar um pouco em nós mesmos. É curando as feridas que descobrimos que o tempo dedicado a nós mesmos não é um luxo que nos permitimos, mas um presente que revigora a nossa existência. E então, lentamente, as lágrimas se transformam em sorrisos, o choro em alegria, a dor em amor. Porque, como Jesus disse, não podemos amar os outros se primeiro não amarmos a nós mesmos. Não podemos nos inclinar sobre as feridas dos outros se não aprendermos a curar as nossas.

Obrigado, Senhor, pelo dom da ferida e da alegria do cuidado, que enche o coração e dá forças para continuar o caminho com maior autoconsciência.