Paolo Cugini
Folheando as
notícias diárias, é impressionante ver quantas mulheres ainda são assassinadas:
é um verdadeiro feminicídio. Elas não são mortas apenas nas ruas, mas também
dentro dos muros de suas casas. Segundo as estatísticas, é precisamente no
contexto familiar que as mulheres sofrem mais violência. Paradoxalmente, a
mulher é mais vulnerável precisamente no lugar onde deveria estar mais protegida.
As coisas não mudam muito quando analisamos a condição das mulheres na
religião. Apesar do progresso industrial, tecnológico e cultural, as mulheres
ainda hoje sofrem maus tratos, como a circuncisão, a imposição de regras que
indicam uma situação de inferioridade, a impossibilidade de assumir papéis
iguais aos homens. É preciso identificar, em primeiro lugar, os motivos do
silêncio das mulheres na religião e na Bíblia e, em segundo lugar, a
necessidade da Igreja de se deixar contaminar pela presença das mulheres, por
seus pensamentos, por seu modo de ser e de experimentar Deus. O perigo, como
afirma a teóloga Elisabeth Green, é o da irrelevância.
“O
cristianismo concentrado em um idioma, o masculino, corre o risco de ser
completamente irrelevante para a experiência das mulheres, incapaz de responder
às nossas necessidades espirituais mais profundas e infiéis, portanto, a missão
de pregar o Evangelho à toda criatura” (Green, 2015, p. 97).
Como, então, o cristianismo
pode ser libertado do ídolo masculino manifestado na cultura patriarcal, que se
apropriou de textos e tradições sagradas, para que as mulheres também se sintam
bem-vindas e não excluídas? Se nos perguntarmos o porquê dessa discriminação
evidente entre mulheres e homens, a resposta não a encontramos nos textos
oficiais. É necessário realizar um trabalho heurístico duplo, indicado por duas
correntes de pensamento do século passado. A primeira, consiste no lento
trabalho de desconstrução dos paradigmas culturais que se estratificaram ao
longo do tempo na cultura ocidental, para apreender a origem dos preconceitos e
qualquer forma de conhecimento estereotipado, o que nos impede de compreender a
realidade das coisas. Desconstrução, ao invés de ser um processo de destruição
do passado, é um processo de historicização e relativização do conhecimento, um
trabalho hermenêutico e catártico que afeta os níveis de entendimento.
Desconstrução significa, então, o esforço para entender melhor o problema em
questão, para remover as construções culturais postas em prática no passado,
não a serviço da verdade objetiva, mas no interesse de alguém. Nessa
perspectiva, a desconstrução anda de mãos dadas com o esforço hermenêutico que
tenta interpretar os textos contextualizando-os, fazê-los falar, permitir-lhes
expressar verdades ocultas pelo peso das estratificações culturais. Muitos
trabalhos foram realizados por algumas teólogas, que tentaram desconstruir,
acima de tudo, os textos bíblicos das construções da cultura patriarcal, para
compreender o conteúdo do silêncio das mulheres, mas também para colocar em
evidência as diferentes camadas do antropomorfismo que não respeita a
identidade de IHWH.
A outra
escola de pensamento que pode nos ajudar neste trabalho de redescoberta do
mundo feminino na história da religião é a Nouvelle Historie, construída
no início da década de 1920 e reunida em torno da revista Les Annales,
ainda presente no panorama cultural atual. Os principais protagonistas dessa
corrente de pensamento historiográfico sustentavam que toda vez que se pretende
conhecer uma história do passado, é necessário prestar muita atenção à maneira
como se lê os textos. É, de fato, material desenvolvido pelo centro, ou seja,
por aqueles que dominaram o poder naquela época em particular. Para obter as
notícias mais confiáveis sobre pessoas ou eventos, precisamos sair do centro,
procurar outros documentos marginais, outras fontes não controladas pelo poder
do momento, como achados arqueológicos, indicações geográficas e etnológicas,
diários. Outros estudiosos da mesma corrente destacaram a importância de
estudar mentalidades, pedindo a ajuda da psicanálise. Neste trabalho de busca
de verdades sobre as mulheres na sociedade e na religião, os estudos de
etnologia e antropologia também podem ser úteis.
O trabalho de descentralização
da recuperação de material histórico sobre o papel da mulher na sociedade e na
Bíblia foi abordado por várias estudiosas. A Nouvelle Historie ensina a
nos colocarmos num ponto de vista diferente para melhor observar o objetivo, ou
melhor, a nos colocarmos simultaneamente em diferentes pontos de vista, porque
o mesmo evento histórico tem facetas diferentes a partir do ponto em que nós
decidimos observá-lo. Tirar o único ponto de vista elaborado por quem dominava
o poder, para ver melhor o papel da mulher na sociedade e as razões do seu
silêncio, é a grande contribuição do pensamento feminino e da teologia das
mulheres. De fato, foram algumas teólogas que nos alertaram que, toda vez que
nos aproximamos dos textos sagrados, é necessária uma saudável suspeita para
realizar as operações necessárias ao fim de libertar o sagrado de todas as
reconstruções culturais, que com frequência e de bom grado, fecharam a palavra
de Deus a um olhar diferente, impedindo-a de dizer o que queria dizer.
Afinal, o próprio Jesus nos
ensinou esta atitude de suspeita quando, na controvérsia com os fariseus sobre
o puro e impuro, os acusou de terem substituído a palavra de Deus por preceitos
de homens, por tradições humanas. Para entender o que a palavra de Deus nos diz
sobre as mulheres, além de andar na ponta dos pés neste mundo delicado, é
necessário suspeitar de tudo, porque, na realidade, a cultura patriarcal cobriu
todas as linhas do texto sagrado com uma espessa camada cultural. Embora,
infelizmente, elas raramente sejam levadas em consideração pela teologia
oficial, muitas são as contribuições da teologia feminista e, em algumas delas,
pretendo focar minha atenção.
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