sábado, 22 de junho de 2024

Conscientizando os pobres

 



 

 

Paulo Cugini

 

Sensibilizar os pobres significa mostrar-lhes, antes de tudo, que Deus criou o homem e a mulher à sua imagem e que um aspecto essencial desta igualdade divina é a igualdade social. Se o mundo está dividido entre ricos e pobres, isso não se deve à vontade de Deus, mas ao egoísmo humano. Isto significa que os excluídos devem tomar consciência do plano inicial de Deus para colaborar na sua reconstrução. Nesta perspectiva, quanto maior for a capacidade da comunidade evangélica de viver em harmonia, de quebrar as barreiras e divisões das condições sociais e dos grupos étnicos, mais as pessoas serão capazes de assimilar a ideia de igualdade.

 Da assimilação do valor da igualdade, o processo de conscientização passa para a ideia de cidadania. Se somos iguais perante Deus, então não há ninguém autorizado a humilhar os outros, a colocar-se numa atitude de superioridade. Isto também se aplica às pessoas eleitas para governar a cidade: é um serviço e não uma forma de autoafirmação pessoal. Conscientizar os excluídos significa acompanhá-los lentamente para serem participantes e protagonistas nas cidades. É um processo muito lento e constantemente fadado ao fracasso devido à distinção do sentimento de igualdade aberto por gerações de políticos corruptos e sem escrúpulos. Mas a jornada é necessária para não continuarmos gerando bolsões de humanidade passiva e morta. São os excluídos que devem aprender a encontrar respostas para escapar da exclusão. Ao mesmo tempo, enquanto se conscientizam os excluídos, é preciso conscientizar as classes dominantes, pelo menos as pessoas mais sensíveis, mais humanas, mais conscientes da igualdade do gênero humano, para que formulem leis justas e respeitem para a dignidade humana.

Os pobres, os excluídos não participam no desenvolvimento da cidade, no caminho democrático porque estão habituados a considerar-se inferiores, habituados a permanecer calados, habituados a pensar que a sua opinião não vale nada. Portanto, é inútil afirmar, como fazem alguns políticos, que “ninguém participa...”, quando tudo foi feito para deixar claro que quem decide tudo é apenas um grupo de poucas pessoas. Uma nova mentalidade deve ser gerada.

(do diário de 2005).

 

sábado, 15 de junho de 2024

As CEBs e o Projeto Político Popular dos anos '70-'80

 




Paolo Cugini

Durante o VI encontro Inter eclesiástico realizado em Trindade, no estado de Goiânia, tomou corpo uma ideia que já vinha sendo acalentada há algum tempo pelos agentes de pastoral das CEBs, a saber, o Projeto Político Popular. Este projeto surge lentamente na trajetória das CEBs na consciência da responsabilidade da construção de uma nova sociedade, que deve surgir a partir das ruínas causadas pela ditadura militar, que encerrará sua experiência em 1985. Há a consciência de que a sociedade ser nova na medida em que consegue aliviar o sofrimento dos pobres, oferecendo-lhes os meios para viver com dignidade.

Quem mais do que ninguém ajudou a formalizar esse projeto básico foi o teólogo e escritor Frei Betto. O Dominicano fez muitas contribuições sobre o delicado tema da relação entre comunidades de base e compromisso político. Em um artigo de 1986, ele argumentou que:

A consciência evangélica das CEBs não aceita a sociedade atual com tantos sinais de morte. Por isso a palavra “Libertação” surge como súplica constante em cada oração, canto ou comentário. Entre os militantes não é possível apreender o significado político do termo a partir das CEBs. A libertação é um passo necessário e decisivo para conhecer ou conquistar outra qualidade de vida.

 Após a queda da ditadura militar, há nas CEBs um sopro de ar novo, a consciência da grande contribuição dada ao país para que a mudança política fosse implementada, mas sobretudo a consciência do necessário compromisso que os militantes da as CEBs são chamadas a se oferecer para construir a nova empresa brasileira. Nos círculos bíblicos fala-se de utopia, de terra prometida e a nova situação política criada torna-se um instrumento hermenêutico de interpretação dos textos.

A nova sociedade é a grande utopia subjacente, a versão atual da terra prometida, onde fluirá leite e mel e onde não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor (Ap 21.4). Na consciência popular esta utopia situa-se deste lado da análise política que permite decifrá-la com um mínimo de rigor e precisão; na realidade, indica outro lugar.

Nas reflexões bíblicas realizadas nos círculos bíblicos do período em questão, cada vez mais se consolida uma identificação, nomeadamente a relação entre a libertação e o Reino de Deus. De facto, se é verdade que o Reino de Deus ainda não está entre nós. de forma definitiva, pode ser construída com a prática popular. O Projeto Político Popular, afirma Frei Betto, assim como o Reino de Deus está sendo construído na dupla dimensão de conscientização e organização.

A conscientização nas CEBs passa por cursos de capacitação, clubes bíblicos, programas de rádio, reuniões sindicais, subsídios para trabalhos em grupo e muitas outras atividades. Na realidade, mais do que momentos teóricos, o que molda as consciências dos militantes das CEBs é toda a prática social constituída pela participação nas lutas dos conflitos populares, o que impõe também a necessidade de um maior nível de organização. A participação no sindicato também é considerada um importante fator de sensibilização na trajetória das CEBs para a construção do Projeto Político Popular. Como afirma Frei Betto no artigo citado: «Os militantes das CEBs adquirem consciência crítica dos problemas nacionais e das próprias condições de trabalho quando participam de algum grupo de oposição sindical».

A participação nos movimentos sindicais é muito mais significativa e importante no campo, onde os agricultores sofrem muito com as perseguições e injustiças cometidas diariamente pelos grandes proprietários. Fora de casa, o Movimento dos Sem Terra, que surgiu na década de 1970 graças também ao impulso da Pastoral da Terra, é um dos movimentos sociais que ainda hoje está presente no Brasil. Além disso, é importante destacar que no segundo congresso nacional da CUT (Sindicato dos Trabalhadores - Central Única dos Trabalhadores), realizado no Rio de Janeiro, predominaram delegações das áreas rurais do Brasil.

Durante o encontro intereclesial realizado em Trindade, emergiu o fato significativo da consciência dos militantes das CEBs de que na realidade o Projeto Político Popular já está em andamento: basta organizá-lo melhor.

Grupos de trabalho coletivo, demandas organizadas, sindicatos autênticos, oposições sindicais, cooperativas, movimentos de mulheres, organização negra, comitês pró-constituinte, administrações populares, apoio a candidatos populares, luta pela terra, hortas comunitárias, movimentos pró-favela, bibliotecas populares, movimentos organizacionais em defesa da vida, da saúde comunitária: todas essas realidades já existentes indicam que o Projeto Político Popular já está em andamento.

O processo de construção deste projeto político conduz, segundo Frei Betto, a uma sociedade onde o poder político será exercido pelo povo ao serviço do povo e os meios de produção serão socializados. A leitura marxista da realidade sociopolítica utilizada naquela época tanto pelos teólogos da libertação quanto pelos militantes das CEBs é bem destacada nesta passagem. O Projeto Político Popular se concretiza através da confiança que os pobres depositam no seu irmão pobre, na medida em que nas pequenas lutas são derrotados limites como o medo, a violência e a desigualdade.

No universo social do Brasil predominam cinco esferas da sociedade que merecem nossa atenção: as da pastoral, as dos movimentos populares, as dos movimentos populares específicos (negros, mulheres, índios, etc.), as do sindicato movimentos e os dos partidos. Será através desses setores, afirma Frei Betto, relendo os dados que emergiram do encontro Inter eclesiástico de 1986, que se construirá o Projeto Político Popular. Há uma clara consciência de que os militantes das CEBs serão tanto mais igreja quanto mais estiverem presentes na dinâmica do Reino de Deus já presente na terra na proximidade dos pobres e despossuídos.

Todos os cinco setores são igualmente importantes, mas para a construção do Projeto Político Popular é a militância do partido político que, segundo Frei Betto, tem vantagem sobre os demais setores. Após a queda da ditadura militar em 1985, período em que as CEBs atingiram a plena maturidade social e eclesial, houve a consciência da necessidade e da possibilidade de terem um impacto mais significativo. «É fato indiscutível que as CEBs – afirma Frei Betto – constituem hoje um movimento profundamente político no Brasil. Os militantes são formados através das comunidades e os movimentos populares são fortalecidos”.

O compromisso social e político dos cristãos formados pela trajetória das CEBs, especialmente naqueles militantes que assumiram posições de liderança, produziu uma consciência civil que exige ser investida no bem do país, que naquele período era chamado a um ponto de inflexão. Como traduzir todo este potencial em ações para a transformação da Nação?

É justamente o problema mencionado no final do parágrafo anterior que será central no desenvolvimento da trajetória das CEBs. Segundo a maioria dos teóricos das CEBs, a estrutura deste modelo eclesial particular é composta pela integração da fé e da vida, da escuta atenta da realidade, iluminada pela Palavra celebrada nas pequenas comunidades, para um caminho que conduz à transformação da sociedade. precisamente neste ponto que divergem as posições, ou seja, sobre os métodos a seguir para a transformação da sociedade. Na verdade, embora alguns defendam que a trajetória das CEBs não pode ser identificada com um partido político específico e que a transformação da sociedade deve se dar no trabalho constante de conscientização das bases e do compromisso com os movimentos sociais e a pastoral, segundo outros, a verdade da transformação que as CEBs são chamadas a trazer ao tecido social brasileiro deve se manifestar no compromisso partidário que, no caso do Brasil, será o Partido dos Trabalhadores (PT).

A este respeito, Comblin afirma que:

As CEBs nunca conseguirão concretizar o seu projeto se caírem no sectarismo, no elitismo ou se se identificarem com determinados projetos sociais ou políticos. Se se identificarem com um sindicato ou com um partido político, nunca conseguirão unir todos os católicos pobres. Se definirem uma linguagem, usarem símbolos, partidários ou elitistas, nunca conseguirão atrair as massas.

 O tema em questão é muito delicado e tem sido objeto de intermináveis ​​debates no âmbito das próprias CEBs e das coordenações. Tratava-se de compreender como dar continuidade à possibilidade de transformação da sociedade brasileira, ao sonho almejado nos meios bíblicos e nutrido nos encontros inter-eclesiásticos de uma sociedade mais justa e solidária, atenta ao grito dos pobres. Quanto mais avançava o percurso, mais claro se tornava que era muito difícil levar a cabo esta transformação de outra forma que não fosse transformar o compromisso político em compromisso partidário.

Lendo a literatura sobre o tema, percebe-se como se tornou difícil manter a mente clara e desapegada diante de uma situação histórica que exigia respostas imediatas. Havia o risco de permanecer apenas no nível intelectual ou de descarrilar a grande esperança almejada, na utopia idealista. De qualquer forma, percebemos uma tendência subjacente de canalizar a força adquirida com a experiência das CEBs para um partido político que melhor representasse o Projeto Político Popular, estruturado ao longo de todos esses anos. O debate tornou-se particularmente acalorado entre 1981 e 1986. Nessas duas datas aconteceram os IV e VI Encontros Intereclesiais das CEBs: no meio houve 1985, ano do fim da ditadura militar. Em nossa opinião, este é o período crucial do debate político que ocorreu dentro das CEBs, um debate que marcará não apenas o caminho de uma experiência particular da Igreja, mas também de uma nação inteira. Na verdade, não devemos esquecer a grande capilaridade das CEBs da década de 1980 no Brasil, da sua presença não só em todos os estados e cidades do Brasil, mas sobretudo, nos principais movimentos sociais e sindicais.

 Se isto for verdade, não se deve esquecer outro fator importante, que não esteve muito presente nos debates de então, nomeadamente a consciência de que a escolha partidária nas CEBs não corresponderia às consequências da reflexão em curso. Os pobres, especialmente nas zonas rurais longe dos grandes centros, sabem que as suas vidas e as vidas dos seus familiares dependem dos poderosos. Se o Projeto Político Popular implementado na década de 1980 na trajetória das CEBs esperou muito para ser traduzido na prática, é devido ao distanciamento da base pobre dos ideais da classe média envolvida nos setores sociais. Não é por acaso que Lula conseguiu eleger-se presidente do Brasil apenas em 2002, após ser derrotado três vezes, treze anos após a primeira tentativa. Esta é a prova de quando afirmamos, ou seja, que para ser eleito politicamente entre os pobres não basta o contacto eclesial. Os pobres precisam sentir o poder daquele que pretende ser candidato. Vamos, então, para entender melhor a dinâmica do ocorrido.

 

 

O encontro intereclesial de 1981: primeiros indícios da delicada relação entre política e partidos nas CEBs

 

O problema já havia se manifestado durante o quarto encontro Inter eclesiástico das CEBs realizado em Itaici (São Paulo) em 1981 com o tema: Povos oprimidos se organizando para a libertação. Leonardo Boff, num artigo em que fez um balanço dos resultados da reunião, sustentou que: «Os membros das CEBs são livres de votar no partido que quiserem, mas a partir do nível de consciência desenvolvido nas comunidades, o os membros tendem a apoiar os partidos que realmente vêm do povo para defender os interesses e direitos dos trabalhadores."

 No mesmo ano, novamente na revista REB, apareceu um artigo de Luiz Gomez de Souza com o título inequívoco: A política partidária das CEBs. No artigo o autor mostrou como os jornalistas presentes na reunião de Itaici estavam convencidos de que durante o evento seria decidido em qual partido os membros das CEBs votariam nas eleições. Em 1981, Gomez de Souza notou a incapacidade dos partidos então presentes no Brasil em ouvir a voz das classes sociais, especialmente daqueles movimentos sociais que se expressavam com tanta tenacidade no Brasil da ditadura militar.

No quarto encontro Inter eclesiástico ficou clara a necessidade de construir um plano político, capaz de articular as lutas que os movimentos populares, em sua maioria oriundos das fileiras das CEBs, estavam promovendo, para não correr o risco de se dispersarem tanto. muita energia positiva. Por isso, pensou-se em incentivar a pedagogia popular, no estilo inaugurado por Paulo Freire, uma pedagogia que ajudasse os militantes a caminharem juntos, respeitando os diferentes ritmos de luta que surgiram em algumas situações emergentes, como a ocupação de terras ou a organização nas grandes favelas, que se estabeleceu nas periferias das grandes cidades brasileiras do Sul devido ao "gigantesco processo de migrações internas" daqueles anos. A pedagogia popular como ponto de encontro entre o ritmo dos agricultores pobres e o dos estudantes universitários que naqueles anos quentes se colocaram ao lado dos pobres, estudantes cheios de ideais e ansiosos por ver resultados.

No documento final do IV Encontro Inter eclesiástico, ao mesmo tempo que se especifica que “a política é a grande arma que temos para construir uma sociedade justa como Deus quer”, por outro lado, adverte contra que a política só seja capaz de explorar os pobres. Os membros das CEBs saíram da reunião de 1981 com a consciência de que:

 boa política é tudo o que fazemos para nos organizarmos na justiça e para criar novas relações entre pessoas e grupos. Uma boa ação política é quando nos reunimos para defender as nossas vidas contra mentirosos e exploradores, através de associações de bairro, sindicatos e outras formas de organização popular.

O parágrafo seguinte do mesmo documento esclarece a necessidade de tomar medidas concretas no sentido de aumentar a consciência política também através do compromisso com um partido. A este respeito, especificamos a necessidade de examinar cuidadosamente os programas dos partidos para descobrir quais são os seus verdadeiros interesses, para compreender que mudança na sociedade eles propõem. É significativo notar que, em 1981, a trajetória das CEBs não estava identificada com nenhum partido:

Pensamos também que a comunidade eclesial de base não é nem pode ser um núcleo partidário, mas é o lugar onde devemos viver, aprofundar e celebrar a nossa fé, onde devemos comparar a nossa vida e a nossa prática à luz da Palavra de Deus, para ver se a nossa acção política está de acordo com o plano de Deus.

O encontro Inter eclesiástico de 1986: a escolha partidária das CEBs

A atitude será muito diferente em 1986, ou seja, no período imediatamente posterior ao fim da ditadura, período que exigiu tomadas de posição imediatas em relação às novidades que se abriam diante dos olhos da nação brasileira. Tratava-se de orientar um caminho de fé que desde o início fez da relação intrínseca entre fé e política o ponto forte e específico deste caminho eclesial. Em alguns artigos do período que analisamos, Frei Betto discorda daqueles que estão na trajetória das CEBs e que não conseguem compreender a urgência do momento e dar o próximo passo em direção à organização partidária. Segundo Betto, que expressa a opinião daquele ramo da teologia da libertação que pressiona para que se dê uma forma partidária ao processo político iniciado nas CEBs, há muita improvisação e sobretudo um grande desconhecimento sobre o significado profundo da o compromisso político dos cristãos. «O espontaneísmo é a tendência de assumir que a ação política pode ser improvisada, sem vínculos com outras forças sociais e políticas e sem uma visão estratégica que venha da análise da realidade, que permita que a luta seja travada de forma mais ampla».

É fruto de uma mentalidade espontânea, afirma Frei Betto, de ocupar terras, como aconteceu na década de 1980 através do Movimento dos Sem Terra, sem se preocupar com a violência que a polícia exerceu sobre os ocupantes. Outro grande sintoma de ignorância política entre os integrantes das CEBs é o chamado “basismo”.

 «A posição que considera todo político profissional, investido de um mandato, como um inimigo potencial é Basista. No nível eclesial, o homem da base faz um corte estrutural entre as CEBs e o Vaticano, como se não tivesse relação entre os dois”.

A última posição que Frei Betto crítica é a daqueles que se acham progressistas pelo impulso messiânico que os anima, insistindo em querer fazer coincidir o tempo pessoal do militante com o tempo histórico da revolução. Cada vez que nas CEBs uma posição política é julgada correta sem aceitar qualquer tipo de crítica, atribuindo os fracassos à falta de consciência do povo, estamos diante desse estilo “progressista”.

Esses grosseiros erros de perspectiva só podem ser superados através de um trabalho sério de formação política, para evitar o risco de transformar a religiosidade das CEBs numa espécie de ideologia pastoral, como se a motivação da fé fosse um mero suporte para lutas sociais ou legitimação divina de certas bandeiras políticas. Não se trata, então, segundo Frei Betto, de construir um novo cristianismo, indicando a formação de um partido cristão, mas de orientar o Projeto Político Popular para aquele partido que mais se identifica com o Caminho das CEBs.

 Frei Betto é contra a ideia apresentada por alguns líderes das CEBs – entre eles Clodovis Boff – que naqueles anos pressionavam pela criação de um partido especificamente cristão, como havia acontecido em outros países. A oposição de Betto se deve à especificidade da trajetória das CEBs que sempre quis ser, desde suas origens, não um espaço fechado para poucos seletos, mas aberto a todos aqueles que se reconhecem no projeto de um país mais justo e solidário. mundo. Pois bem, entre estes não podemos excluir tanto irmãos e irmãs de outras religiões, como também pessoas abertamente ateias ansiosas por participar na realização deste sonho comum. Segundo Frei Betto, voz de uma corrente predominante dentro das CEBs, a ação política que se busca só pode surgir a partir de uma abordagem socialista e, portanto, de esquerda.

À luz do horizonte ético da fé, nas condições históricas atuais, não se encontra uma ideologia de caráter libertador, antagónica à exploração capitalista, capaz de reconhecer a classe trabalhadora como protagonista das transformações sociais, fora do marxismo.

Palavras claras que indicam o Partido dos Trabalhadores – PT – como interlocutor privilegiado dos militantes das CEBs nos anos seguintes.

quinta-feira, 30 de maio de 2024

UM MUNDO EM FUGA

 


 

Paolo Cugini

 

A liberdade é um dos grandes anseios da humanidade. Não existe pessoa que não deseje viver de uma forma livre. Por isso as lutas, as rebeliões. Quantas pessoas morreram buscando a liberdade!

No nosso contexto assistimos perplexos á algo de diferente. As pessoas são acostumadas a viverem submissas. Apesar das angarias, das humilhações, o povo em vez de se revoltar, agüenta, engole. As injustiças acontecem á luz do sol, mas ninguém fala: é o silencio que paira no ar. Vivemos num contexto social que é fruto de uma história, de anos de opressão, de anos de dominação. Quem manda é acostumado a mandar sem ser questionado. Você pode dizer que vivemos num país democrático, mas quem cresce com na cabeça a idéia de ser o dono do pedaço, não aceita qualquer questionamento, sobretudo de alguém que é pobre, de alguém que não tem nada que, neste paralelo, equivale a dizer que não é nada.   

Sendo que é natural aspirar a liberdade, em contexto de opressões o povo busca caminho de saída para descarregar a tensão, a alienação. Em muitos casos a religião pode oferecer esta possibilidade de fuga, quando leva o povo a fugir do presente, dos compromissos da vida corriqueira para se refugiar num paraíso projetado no futuro que não compromete ninguém. Os rios de álcool que correm nestes lugares nos finais de semana, podem ser interpretados como fuga de uma vida alienante, recheada e frustrações, de desilusões, de fracassos. Mergulhar na cachaça é a resposta de muitos pra não sentir a dor no peito do próprio nada, pra não ter que encarar em silencio a própria morte. Botar o som a maior altura do mundo é um meio muito eficaz pra não ter que escutar o ruído do próprio vazio e também pra desafiar todo mundo. Se na vida não estamos conseguindo viver de uma forma digna, porque ninguém nos oferece uma chance, pelo menos no meu pedaço faço o que quiser atrapalhando a vida de todos.

  Talvez seja um problema de cultura, de tomada de consciência. É a cultura da dignidade humana. Para assimilar esta cultura não basta estudar. Quantos doutores, ou presuntos doutores, estão por ali massacrando as pessoas com o maior cinismo do mundo! A cultura da dignidade humana necessita, sobretudo uma história, uma vida feita de decisões coerentes. A cultura da dignidade humana é a mesma cultura do amor, da consideração do outro como irmão, como irmã, seja ele quem for. É a cultura que desabrocha de um coração atento ao outro, acostumado a viver pensando ao outro, atento as pessoas que vivem perto, não se importando da cor da pele, da proveniência, do estado social.

Esta cultura do amor que se abre á cultura da dignidade humana é visível de uma forma contundente em Jesus. Nele percebe-se a atenção constante para o outro. A sua Palavra provoca sempre uma reflexão, um questionamento pessoal. A sua pessoa é mergulhada no silencio. O encontro com Ele provoca uma resposta consciente e livre. A sua proposta não é opressiva, mas, pelo contrário, é um convite a se libertar. A final de conta, somente um homem livre realiza a si mesmo, somente um homem livre vive a própria dignidade humana, ou seja, como um filho, uma filha de Deus.

 

domingo, 21 de abril de 2024

OS POBRES AJUDANDO OS POBRES

 


 

 

Paulo Cugini

 

 

Há cerca de um ano, a Cáritas da paróquia de San Vincenzo di Paolo, onde exerço o meu ministério, organiza uma vez por mês um almoço para aqueles que vivem nas ruas, que não têm casa. É uma gota no oceano de pobreza que envolve o território da nossa freguesia: temos consciência disso. Em todo o caso é um sinal, no sentido de que, com este pequeno gesto, queremos implicitamente comunicar que os vemos, sabemos o quanto sofrem e, na medida do possível, estamos lá. Na realidade não se trata apenas do almoço, mas também do pequeno-almoço da manhã e da distribuição de roupas. Além disso, uma vez por mês, no mesmo dia do almoço, a Cáritas visita as famílias que moram embaixo da ponte de Manaus, área que faz parte da nossa paróquia.

Equipe da cozinha da Cáritas paróquial 

No sábado, 20 de abril, participei do dia da Caritas e fiquei impressionado com alguns dados. Pude constatar que aqueles que operam o serviço da Caritas são todos pobres, ou seja, são pessoas do mesmo grupo social daqueles que são alcançados pela Caritas. Na verdade, alguns destes voluntários da Cáritas já foram ajudados a pagar a renda, ou com um saco de compras. É, portanto, uma questão de pessoas pobres ajudarem outras pessoas pobres. Sem dúvida, quem chega para participar da refeição da Caritas é mais necessitado do que quem faz esse serviço, mas ainda é pobre. O segundo fato que realmente me impressionou foi a situação de grande pobreza daqueles que visitamos sob a Ponte de Manaus ou nas proximidades da ponte. São situações como essas que, ao nos depararmos com elas, ficamos atordoados, sem palavras, permeados por uma sensação de impotência, provocados a pensar que parece não haver limite para a desumanidade de quem agarra tudo o que pode e não se preocupa com aqueles que não conseguem nem comer as migalhas debaixo da mesa dos ricos.

Uma das baracas que se encontram perto da ponte

O município de Manaus fornece diariamente refeições aos pobres em dois locais da cidade. Não os distribui gratuitamente, mas exige um real. Um gesto simbólico para dizer que não oferece refeição grátis. Refeição que, quem quiser, deve chegar às 9 da manhã para pegar o ingresso de inscrição e depois retornar às 12. Estratégia usada pelo município para desencorajar os espertos que, para comer de graça , entram sorrateiramente na fila dos pobres. O município, portanto, faz alguma coisa, mesmo que a demanda seja muito ampla. Manaus é, na verdade, uma cidade do país mais desigual do mundo. É o que emerge dos recentes dados divulgados pelo site Unisinos da Universidade de São Leopoldo, no Sul do Brasil, que organizou um mestrado sobre a realidade social da América Latina. Cerca de 20 milhões de pessoas no Brasil vivem em favelas. Ainda assim, o Brasil é a oitava potência económica do planeta e poderia facilmente colocar-se no pódio, dada a grande riqueza em matérias-primas e o tecido industrial do país. No continente sul-americano, mais do que em outras partes do planeta, é visível o resultado devastador do modelo neoliberal, que continua a enriquecer alguns e empobrecer a maioria da população.

O evento formativo de Fé e Cidadania


Foi fundada na paróquia de São Vincenzo de Paulo a Comissão Fé e Cidadania . No mesmo sábado do jantar da Cáritas, à noite o grupo Fé e Cidadania organizou um evento em que o Promotor de Justiça Flávio Mota e o advogado Carlo Santiago foram convidados a apresentar e explicar as leis contra a corrupção eleitoral presentes no Brasil. Este ano, na verdade, é ano de eleições municipais e, nas cidades brasileiras, são eleitos prefeitos e vereadores. São eleições muito disputadas, porque o dinheiro para a infraestrutura, educação e saúde das cidades chega aos cofres dos municípios e, consequentemente, quem chegar ao poder terá que gerir muito dinheiro. Não é por acaso que o país mais desigual do mundo seja um dos países mais politicamente corruptos. Onde há pobreza há corrupção.

O promotor de justiça Flavio Mota com o advogado Carlos Santiago


O trabalho pastoral que o Movimento Fé e Cidadania é chamado a realizar consiste, em primeiro lugar, em formar os cidadãos sobre as leis do país contra a corrupção eleitoral e, em segundo lugar, em garantir que os candidatos atuem no nosso território paroquial no cumprimento das leis. Tanto o promotor de justiça como o advogado presente no evento lembraram-nos que, o trabalho de sensibilização que a paróquia está pronta para começar neste ano de eleições, não será fácil e tranquilo, mas será necessário dotarmo-nos de muita paciência e prudência. Vamos esperar pelo melhor.

 

domingo, 7 de abril de 2024

12 ENCONTRO NACIONAL DE FÉ E POLÍTICA - DICAS PARA UMA ESPIRITUALIDADE LIBERTADORA

 




BELO HORIZONTE 5-7 DE ABRIL DE 2024

 

Paulo Cugini

 

De sexta-feira, 5, a domingo, 7 de abril, aconteceu em Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais, o 12º encontro nacional do Movimento Fé e Política. Este Movimento nasceu em junho de 1989, de um encontro de pessoas unidas pela fé cristã empenhadas nas lutas populares, com o objetivo de alimentar a dimensão ética e espiritual que deveria animar a atividade política. Deixar-se animar pelo Espírito de vida é a essência do Movimento Fé e Política, que não propõe diretrizes para a ação política cristã, nem se comporta como se fosse uma tendência partidária, mas que luta pela superação do capitalismo através da construção de um sistema socioeconômico que apoie e respeite a vida do planeta. Ao longo da sua existência, o MF&P promoveu encontros de estudo, jornadas de espiritualidade e publicou quinze Cadernos sobre Fé e Política. Dez anos após a sua criação, atento à nova situação dos movimentos sociais, o Movimento passou a promover grandes Encontros Nacionais de Fé e Política.

O que aconteceu em Belo Horizonte nos últimos dias foi o 12º encontro nacional, que teve como tema: Espiritualidade libertadora. Encante a política com arte, cultura e democracia! Diante de um público muito grande, vindo de todo o Brasil, os palestrantes abordaram o tema da crise atual que não é apenas política, mas também econômica e ecológica. Dois dos fundadores históricos do Movimento, Frei Betto e Leonardo Boff, estiveram presentes no encontro e contribuíram para a reflexão com suas profundas intervenções.

Frei Betti


Frei Betto compartilhou uma reflexão sobre a proposta específica de Jesus, que é o Reino de Deus, esclarecendo que: “O Reino de Deus é a proposta para o futuro da humanidade. Jesus não estava falando lá de cima, mas aqui na terra. Que o seu reino venha até nós." O Reino para Jesus indica a relação no amor e na partilha dos bens. “Compartilhar os bens da terra e os frutos do trabalho humano. Até que a humanidade compartilhe os bens da terra, não realizaremos o Reino de Deus”.

Frei Betto, para aprofundar a discussão, utilizou a imagem do carro correndo em direção a um gol. “A gasolina é a comunidade. O veículo é o sindicato, o MST, o movimento feminista, o movimento LGBTQ+, o Partido: cada uma de nós escolhe o seu veículo para caminhar rumo ao Reino de Deus. O posto de gasolina é a oração. Pai nosso e nosso pão. Temos o direito de invocar o Pai Nosso se lutarmos para que os bens da sociedade sejam para todos. Jesus era um homem de oração. Na oração aprendemos a harmonizar-nos conosco próprios, com os outros e com Deus”.

O frade de domingo concluiu seu discurso lembrando que Jesus não veio para fundar uma igreja ou uma religião, mas veio para salvar o projeto político de Deus: uma sociedade de Justiça e Paz, que ele chamou de Reino de Deus. seguidores de um preso político.

Leonardo Boff


O discurso de Leonardo Boff centrou-se sobretudo na temática ecológica, que é o tema sobre o qual mais trabalha há cerca de trinta anos, demonstrando grande preocupação com a forma como as coisas estão a evoluir. “A Terra está chegando ao ponto em que não aguenta mais. Já ultrapassamos o ponto crítico do aquecimento global no planeta. Precisamos fazer conexões. A terra já mudou. Entre 2025 e 2027 a Terra se equilibrará em 38 graus. Os governos devem redefinir a forma como constroem cidades."

Boff também se concentrou na crise política que está a perturbar muitos países, uma crise visível nas cerca de 18 guerras muito graves que estão a fazer muitas vítimas, especialmente civis, em muitas partes do mundo, como na Faixa de Gaza, na Ucrânia e na Congo. Ninguém fala deste último conflito gravíssimo, mas é de dimensões impressionantes. Neste quadro apocalíptico, Boff desviou a atenção para o Brasil e, em particular, para a Amazônia. “É necessário parar o desmatamento em grande escala. O futuro da humanidade passará pela Amazônia e o economista Stiglitz também apoia isso.” Por estas razões não podemos pensar apenas no Brasil, mas devemos promover a responsabilidade coletiva. “Precisamos pensar grande, não apenas no Brasil. Devemos assumir a responsabilidade coletiva, como disse Paulo Freire.”

Nas conclusões do discurso Boff indicou dois desafios que devem unir todos aqueles que lutam por um mundo melhor.” O primeiro desafio é a democracia que deve ser diária, como valor universal. Outro grande desafio: superar uma profunda desigualdade, uma profunda injustiça social”. Para construir um novo tipo de sociedade que respeite os princípios democráticos e trabalhe para eliminar todos os tipos de desigualdade, é necessário começar de baixo.

Muitos militantes do Movimento Fé e Política


É o trabalho de base, que se realiza tanto nos movimentos sociais como nas comunidades eclesiais de base, que torna possível construir um mundo diferente, mais justo e democrático.

quarta-feira, 13 de março de 2024

IMPORTANTE DEBATE SOBRE IGREJA E HOMOSSEXUALIDADE

 



No sábado passado, 09 de março deste ano, realizamos mais um momento de estudos e aprofundamento via Google Meet, proporcionando uma oportunidade significativa para a formação dos futuros diáconos.

Na oportunidade, contamos com a presença de seminaristas da Província Eclesiástica de Feira de Santana, transformando este encontro em algo mais do que uma simples aula ou momento de formação. Tornou-se uma oportunidade fundamental para adquirir os conhecimentos necessários para o exercício do múnus profético do ministério ordenado, seja como diáconos permanentes ou presbíteros da igreja que é Mãe.

O foco desta formação foi aprofundar o entendimento sobre a temática "Igreja e homossexualidade", alinhando-se aos princípios orientadores do Papa Francisco. O Prof. Dr. Pe. Paolo Cugini, missionário italiano atualmente na Amazônia, conduziu a formação, compartilhando sua experiência pastoral junto às pessoas homossexuais.

O Padre Cugini destacou a importância de superar a ignorância, fundamentalismo e discursos preconceituosos, que acabam por excluir as pessoas homossexuais, abordou a temática de forma contextualizada e alinhada aos ensinamentos do Papa e o que diz a própria ciência. Ele apresentou reflexões sobre o significado de LGBT+, fez profunda referência a documentos da Igreja, como a Familiaris Consortio de São João Paulo II, a Dei Verbum, estabeleceu conexões com pensamentos de Joseph Ratzinger e citou ainda o Escolástico São Thomaz de Aquino sobre o dado Natural e binário da vida.

Ao longo da formação, o Pe. Paolo Cugini contextualizou a situação da homossexualidade na sociedade, destacando os danos causados por classificações patológicas no passado. Citou o Papa Francisco, defendendo a aplicação da lei natural e moral na realidade concreta. Apresentou estudos contemporâneos sobre a biologia orgânica da homossexualidade, incluindo pesquisadores como Teresa Forcades, Migliorini e Giannino Piana.

Na parte final, o Pe. Cugini abriu espaço para intervenções e perguntas, incentivando um diálogo aberto. Sugeriu um percurso de acolhida, proximidade e formação, baseado nos pilares: o que a Bíblia diz, o que a Igreja ensina e o que a ciência e os homossexuais comunicam. Concluiu que conhecer é sempre o melhor caminho.

O assessor Eclesiástico da Escola Diaconal Papa Francisco, Pe. Antoniel Peçanha, expressou gratidão ao Pe. Paolo Cugini por este importante momento de formação para os futuros diáconos permanentes da diocese de Ruy Barbosa e presbíteros, pois, fizeram-se presentes alguns seminaristas das dioceses da Província Eclesiástica de Feira de Santana. O encontro encerrou com a bênção proferida pelo Pe. Paolo Cugini.

"Secretário ad hoc"

Por:Tobias Santana de Carvalho - CV: https://lattes.cnpq.br/9455908674325193