quarta-feira, 12 de março de 2025

DESCONSTRUINDO A RELIGIÃO PARA ENCONTRAR DEUS

 




Paolo Cugini



É como uma cebola ou como um forro. Vista de longe, a cebola parece compacta, algo único, mas não é. Quando você vê de perto, percebe que ela é em camadas, que você pode descascá-la, pode tirar as camadas, o que, no caso das cebolas – e não só – é um processo que nos faz chorar.

Até os cobertores parecem ser um corpo único, mas em vez disso há costuras que unem as peças e depois há forros para esconder as costuras. O cobertor parece um corpo compacto, mas não é. Afinal, como muitas coisas na vida: elas parecem compactas, mas não são. Acostumamo-nos a viver na aparência das coisas, até o dia em que um encontro, um rosto, um sentimento forte nos ajuda a acordar e a descobrir que nem tudo é tão compacto quanto parece, que há algo diferente, que há algo mais.

Existe todo um sistema de coisas que faz de tudo para garantir que a realidade pareça compacta, bonita e agradável. Existe todo um mundo que trabalha para mascarar a realidade, sobretudo, para mascarar as manipulações da realidade. E então ocorrem acontecimentos que minam a compacidade, que abrem vislumbres, que provocam uma reflexão, uma crise e assim abrem o caminho da desconstrução que nos leva à realidade, isto é, à verdade sobre as coisas. A desconstrução das estruturas colocadas em prática para encobrir a manipulação da realidade é, ao mesmo tempo, um caminho de libertação e revelação. É libertador porque, finalmente, a pessoa vive sua relação com a realidade com liberdade. De revelação porque a revelação do processo de desconstrução nos leva a entender que as intuições que percebemos durante o período de manipulação da realidade eram autênticas. Isto já é uma indicação importante de método. Ela nos diz, de fato, que cada pessoa é dotada de apreender a verdade das coisas, sua realidade e, portanto, é capaz de perceber qualquer tentativa de manipulação, distorção, dissuasão.

Em algum momento da vida temos que decidir se descascamos as cebolas ou as deixamos como estão; temos que decidir se retiramos as cobertas e verificamos as costuras, ou se continuamos a nos cobrir como se o cobertor fosse um corpo único. Finalmente, em algum momento de nossas vidas, temos que decidir se continuamos acreditando em Santa Lúcia e no Papai Noel, ou se os colocamos em seu devido lugar. Ou seja, precisamos, em determinado momento da vida, que seria bom que acontecesse o mais breve possível, decidir se vale a pena sofrer um pouco, desmascarar os mitos que estão obscurecendo nossa visão da realidade, ou fingir que nada está acontecendo e pagar o altíssimo preço de uma vida falsa, ou seja, de correr o risco de nunca viver a realidade.

Quando isso acontece, ou seja, quando demoramos a ativar os processos de desconstrução e desmascaramento, nos sentimos mal porque vivemos mal. A consciência se rebela quando algo ou alguém nos sufoca, corta nossas asas, nos impede de voar, de sermos nós mesmos. Nossa consciência fica brava conosco no fundo do coração quando nos vê preguiçosos, submissos, um pouco mesquinhos porque nos refugiamos atrás dos nossos medos. Ficamos com raiva quando percebemos que a vida não é como pensamos ou como alguém pensou para nós. E então há uma voz dentro de nós, um sentimento que nos impulsiona a nos recompor, a nos levar a sério, a parar de choramingar e arregaçar as mangas para expor tudo e, assim, finalmente viver livres.



É o contato com a realidade que desmascara as falsas superestruturas que nos impedem de viver autenticamente. É a realidade que causa a ondulação dessas ideias, filosofias e teologias que cobrem nossas vidas, impedindo-nos de viver autenticamente. O pior, que infelizmente acontece com frequência, é quando filosofias e ideologias encontram nos pais um aliado que não tem tempo para verificar se essas ideologias estão de acordo com a realidade ou não. Pobre jovem que encontra dentro de sua própria casa a aliança diabólica de seus pais com os traficantes de ideologias desvitalizantes e castradoras! Será difícil sair dessa jaula de loucos, mas é possível. De fato, sempre há um dia em que nos deparamos com algo real, em que percebemos que o mundo não é como nos é vendido. Há sempre um dia em que a alma jovem respira o ar da liberdade e, quando isso acontece, podemos ter certeza de que ela fará de tudo para se livrar da podridão das filosofias e teologias que, como correntes, a mantêm numa gaiola. Quem sente o cheiro da liberdade, principalmente quando esse cheiro chega até nós na juventude, dificilmente o esquecerá.

O primeiro elemento fundamental desse processo de desmascaramento, que é ao mesmo tempo um processo de desconstrução, consiste em nos distanciarmos dos mágicos, dos charlatões, dos vendedores de óleo de cobra, dos vigaristas de segunda categoria que, por muitas razões, encontramos em nosso caminho e que encheram nossas cabeças de bobagens. Acredito que essa despedida saudável dos charlatões é impossível sem conhecer alguém que já passou por isso, alguém que já se libertou do mundo do absurdo, do mascaramento da realidade. Hoje sabemos que muitos desses charlatões usam batinas pretas e andam pelas igrejas. Existe toda uma religião que é um caminho para a liberdade. É um instrumento satânico de escravidão e morte. Quantas pessoas conhecemos que ingenuamente seguem alguém ou um grupo, pensando que estão trilhando o caminho do Senhor, mas na verdade estão trilhando o caminho de Satanás.

O segundo elemento do processo de desconstrução é o amor à liberdade que, ao mesmo tempo, é amor à vida. Quem ama a vida não aceita prisões de espécie alguma e depois, quando sente sua liberdade ameaçada, bate o pé, se rebela, tenta entender. Aqueles que amam a vida, aqueles que desejam uma vida plena e livre nunca desistem. É o amor à vida ou, como diria Nietzsche, o amor à terra que nos impele a jogar fora todas essas estruturas formadas ao longo do tempo que sufocam a vida em vez de libertá-la. É a força interior que vem do fundo das nossas vísceras, que anseia por liberdade, que não aceita uma vida de morte, uma vida sufocada por superestruturas formadas ao longo do tempo e que não têm mais nenhuma ligação com a realidade vivida hoje. É o amor e o respeito que temos por nós mesmos que, em determinado momento da jornada, nos leva a jogar fora toda resignação, todas as injunções injustificadas, para olhar melhor para dentro de nós mesmos, para não ter que passar a vida inteira submetidos a imposições sem sentido.

O maior mestre de todo caminho de desconstrução que, como vimos, é, ao mesmo tempo, um caminho de desmascaramento, é Jesus. É justamente Ele, de fato, que em várias circunstâncias desmascarou a hipocrisia dos fariseus, que manipulavam a Palavra de Deus para controlar o povo e manter o poder. “Assim, vocês invalidam a palavra de Deus por meio da tradição que vocês transmitiram. E fazeis muitas coisas semelhantes” (Mc 7,13). Substituir a Palavra de Deus pela tradição dos homens: é o que aconteceu ao longo dos séculos, levando milhares de pessoas a se submeterem às leis humanas, pensando que eram a Palavra de Deus. Jesus descobriu isso nos anos de sua juventude, passados em silêncio, prestando atenção ao que acontecia ao seu redor, a como os fariseus se moviam e como o povo sofria. Sem dúvida, em algum momento ele deve ter compreendido a contradição entre aqueles que em todos os tempos tinham a Palavra de Deus na boca e o que essa suposta palavra estava produzindo no povo, isto é, miséria, pobreza, injustiça, sofrimento. Foi a realidade ouvida com atenção que levou Jesus a entender o engano, a entender que aqueles que falavam em nome de Deus estavam, na verdade, falando por si mesmos e por seus próprios interesses obscuros. E então, um dia, ele decidiu ajudar os homens e as mulheres a se libertarem de todas as tolices dos homens no poder, a desmascarar o engano dos fariseus, a desconstruir todas aquelas leis que sufocavam a liberdade dos homens e das mulheres para mostrar-lhes o verdadeiro rosto de Deus que é Pai e Mãe, o significado profundo da sua Palavra que é misericórdia, o verdadeiro desejo do coração do Pai que consiste em dar a vida e vida em abundância.

Esta é a grande tarefa da Igreja nesta era pós-cristã: ajudar os homens e as mulheres a libertarem-se dos absurdos da religião, oferecer instrumentos para que todos possam experimentar em primeira mão o amor de Deus, a sua justiça, a sua liberdade.


8 comentários:

  1. Ser livre é o único sentimento que atrelado ao amor torna os seres humanos humanizados autênticos.
    O amor dá sentindo verdadeiro a vida,
    Porém se os charlatões ocupa essa espaço nas igrejas adoece a sociedade.
    Portanto temos graças de Deus conduzir pessoas de índole correta para nos auxiliar no processo chamado libertação.
    Amor requer libertação.
    Ser livre causa inquietação.
    A sociedade gosta da mesmice desconstruir para reconstruir.
    Isso é ser livre.

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  2. Ser livre , nos liberta de muitas doenças na alma , no pensamento, na sociedade, na família, na faculdade, na igreja...
    Ser livre com sabedoria e confiança em Deus que a tudo nos dar suporte pra entender e garantir uma vida em ambulância .
    Ser livre em misericórdia, Deus é amor ,é perdão ,é jejum ,é oração ,
    Ser livre é você se retirar e meditar na palavra de Deus , ouvir seu coração,sua alma.
    Não ⛔😔 o
    Deixa as opções alheia a lhe adoecer , lhe deprimir,l he deixar sem a luz de Deus .
    DEVENMOS ,dizer onde doir , pare de machucar, ela isso não é certo
    VAMOS RECOMEÇAR ,reciclar, reconstruir ,FAZER DIFERENTE

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    1. obrigado Luma! Você é a Luma que morava em Tapiramutá?

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  3. "A essência das palavras devem ser encontrados na aparência", pensamento crítico que visa desmontar conceitos que são considerados axiomas ou regras de um período de pensamento -"Verdade: Penso, logo existo; Pós-Verdade: Acredito, logo estou certo"
    Com sua proposta desconstrução, Darrida traçou toda uma impossibilidade de uma origem rígida para o conhecimento ao contestar os limites do pensamento centralizado causador de uma extrema ruptura entre ser da individualidade de presença e toda a potência heterogênea das incontáveis alteridades. O texto explora como as aparências muitas vezes escondem a complexidade da realidade, usando metáforas como cebolas e cobertores. Ele enfatiza a importância da desconstrução das ilusões para alcançar uma compreensão autêntica da vida. Essa jornada pode ser desafiadora, mas é essencial para a libertação e o verdadeiro entendimento de nós mesmos. A consciência nos impulsiona a enfrentar mitos e buscar a verdade, questionando se vale a pena descascar as camadas ou permanecer nas superficialidades. O método de análise que afirma que todo escrito é plano de confusão e contradição, assim como afirma que a intenção do autor não poderia superar contradições inerentes a própria linguagem. Quando em desconstrução, as emoções se tornam emergentes, estão trazendo a tona nossa interação harmônica e desarmônicas no processo. Podemos sentir raiva, irritação, medo, ansiedade, culpa e etc... "Reconheça como você está se sentindo nesse momento de desconstrução". A busca pela autenticidade e a libertação de ideologias limitantes, destacando a importância de se afastar de "charlatões" e buscar referências verdadeiras. Enfatiza o amor à liberdade como essencial para viver plenamente e menciona Jesus como um exemplo de alguém que questionou as contradições da realidade, ajudando os outros a enxergarem o verdadeiro significado da vida. É uma reflexão sobre a importância da crítica e da liberdade para uma vida autêntica.

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  4. RONILDO AZEVEDO BATISTA13 de março de 2025 às 21:39

    Conhecer a verdadeira face por de trás das aparências é um processo que nos força a desconstruir nossa visão de mundo. É ainda mais terrível quando a nossa própria máscara é tirada.
    Conhecemos pessoas, convivemos com elas e achamos que sabemos tudo sobre ela mas conhecemos apenas a aparência. Quando conhecemos a verdadeira pessoa, sem máscaras, ou aprendemos a amar ou a expulsamos de nossas vidas.
    Existe sistemas que faz com que tudo pareça perfeito. O filme Matrix é um exemplo claro disso, lá Neo vive em um mundo que parece verdadeiro, mas algo acontece e faz com que ele perceba que aquilo tudo não passa de uma ilusão, que ele está vivendo em um mundo de ilusão, uma prisão. Aí ele tem a oportunidade de DESCONSTRUIR toda aquela prisão ou voltar para aquele mundo e fingir que tudo estar normal. Ele opta por DESCONSTRUIR.
    A desconstrução faz com que conhecemos as falcatruas e ciladas do mundo de ilusões e chegamos a verdade sobre Jesus. Há sistemas que faz com que tudo pareça "normal" e não busquemos a Deus. Uma frase que não é atribuída diretamente a Santo Agostinho mas é uma ideia que está presente no pensamento agostiniano. "é preciso amar para conhecer".

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  5. No processo de entender a relação de que desmacara a realidade e destruir a estrutura para encontrar o verdadeiro propósito de uma camada, por exemplo, precisamos descobrir o que tem tem dentro da própria camada já que elas são de aparência simbólica. Nem todas o que existe dentro de uma camada são necessária para encontrar o que procuramos. Descobrimos que o segredo não está com no modo como fazemos e sim no que procuramos.

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  6. Faculdade Católica do Amazonas
    Fenomenologia
    Em nossa análise filosófica da fenomenologia o professor tem mostrado Husserl como aquele que avança para uma razão da dúvida metódica como em Descartes, mas com suas considerações não dispensando a epoché, a dúvida definitiva numa perspectiva transcendental. Nesse sentido, é extremamente importante sua correlação entre a idealidade e a corporeidade, rejeitando o dualismo que separa o pensamento da realidade. No estudo de algumas definições acerca da fenomenologia foi possível entendermos melhor essa compreensão de Husserl nos conceitos de redução, transcedencia, doação, eidética, epoché, evidência, intencionalidade.
    Essa questão será o viés da filosofia de Charle Peguy e Henri Bergson na tentativa de unir experiência, razão e realidade. Eles não diferem no respeito pela realidade, no pensar dos problemas, numa filosofia que vai além da demonstração, em se desligar de conceitos pré-constituídos, visam o presente como dom concreto, como o lugar da manifestação da verdade e uma liberdade desacomodada. Por fim apontam para o verdadeiro problema, que é a manipulação sistemática do conhecimento, da filosofia.
    Na intrigante obra citada pelo professor "Matéria e Memória" Bérgson traz a concepção da temporalidade de forma acumulativa, como se fosse um cone “Assim como a base (memória) e a ponta (percepção) do cone formam um todo, assim também a relação entre a percepção da realidade (matéria) e a memória (espírito): a suposta diferenciação entre espírito e matéria torna-se agora um todo”.
    Um outro aspecto trabalhado nessa disciplina foi a “desconstrução” nas ideias de Jacque Derida, com uma abordagem mais voltada para a questão da linguagem. Esta por sua vez se caracteriza pela fluidez, que visa um desmascaramento da realidade na contrapartida da metafísica num contínuo processo de questionamento.
    Uma dessas desconstruções apontadas em sala foi acerca da religião como antro de devocionismos e pouco do Evangelho. A crítica a esse aspecto foi vista como um mal a ser curado no ceio da sociedade onde, equivalente, “A desconstrução das estruturas colocadas em prática para encobrir a manipulação da realidade é, ao mesmo tempo, um caminho de libertação e revelação”. Concorda-se que um Devocionismo como foi dito atrapalha o farol que é Jesus e seu modo de ser, mas a devoção em si também vem ser um testemunho do próprio Evangelho não deixando de ser uma forma acessível aos fiéis de comtemplar e experienciar a força transformadora da Palavra como bem apontava João Batista.
    Frei Antonio Magno, OFM

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  7. FACULDADE CATÓLICA DO AMAZONAS
    FENOMENOLOGIA
    “Desconstruindo a religião para encontrar a Deus” a análise como proposta aponta para conceitos de desconstrução de uma forma não platônica, mas o que isso tem a contribuir com a religião? A religião é capaz de usar o ser humano, para uma possível solução dos problemas? Ou uma forma de razão fora da realidade? São perguntas que atribuímos com esse pensamento. No Brasil, assim como na América Latina, são países onde as pessoas têm a religião como base de conduta na sociedade, ou seja, se apoiam em doutrinas e dogmas de fé em justificativa de suas ações. Segundo o “Super.Abril.com.br” (2012) afirmam que a Suécia tem 85% de sua população que não tem nenhuma religião, ou seja, que não acredita no Deus dos cristãos ou de outras religiões. Na perspectiva de recurso financeiro, econômico e humano, são países que têm o menor número de incidência de violência física ou que apresentam insegurança. Os países mais religiosos têm problemas como: insegurança, violência. Apresentam altos índices de violência. Onde a expressão religiosa não ajuda a sair da situação de violência a partir da realidade? Em um outro ponto de discussão a religião pode ajudar o ser humano em diversas formas como na busca do sentido de valores, ético, integração social, um bem comum na defesa da vida. Mas também é um consolo e afirmam que a existência não termina com a morte, a religião influencia positivamente a vida das pessoas. Da figura no qual atribuímos o nome de “Deus”, o Deus dos cristãos, segundo um mantra "O Deus que habita em mim, saúda o Deus que habita em você", uma saudação Budista, reflete como nos relacionamos com o Ser “Deus” no outro. No cristianismo tem-se a seguinte frase "Amarás o teu próximo como a ti mesmo" Mateus 22:39 uma expressão natural do amor divino. No contexto não religioso aparece uma figura que nos instiga, com a seguinte frase “Deus está morto” morto, em que sentido? O Deus dos Cristãos a virtude da religião dada aos homens está caindo em esquecimento. Que ações eu posso ser útil na vida do outro? É difamando com "face news", é apontando os diversos erros, é ser desumano com o outro? Desconstruir, mas evoluir na prática do bem!
    Jaézio Marques

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