Paulo Cugini
Como explicar o fato de Cortez, com algumas centenas
de homens, ter conseguido tomar o reino de Montezuma que contava com centenas
de milhares de homens? O problema é: por que os índios ofereceram tão pouca
resistência? Esta é a questão que está na base da obra do filósofo e pensador
búlgaro e naturalizado francês Tzvetan Todorov: A Conquista da América.
O problema do outro, Marin Fontes, São Paulo 2019.
Sabemos que, pelos textos da época, os índios
dedicam grande parte do seu tempo à interpretação das mensagens que os
acontecimentos da atualidade manifestam. O problema para eles consiste em
entender como um evento já ocorreu no passado, pois nada de novo acontece que
já não tenha acontecido. Trata-se, portanto, de compreender, ou melhor ainda,
de descobrir quando e de que forma ocorreu aquele acontecimento específico, que
está a acontecer agora, e assim compreender como os antigos resolveram o problema.
O futuro do indivíduo é determinado pelo passado coletivo. O indivíduo não
constrói o seu futuro, ele se revela. Os índios de Montezuma ficam estupefatos
com a notícia, porque tudo deve ter acontecido no passado, porque tudo volta.
Os espanhóis foram uma verdadeira surpresa para os
mexicanos, por isso Montezuma não quis receber Cortez: demorava a perceber se
já tinha acontecido uma situação semelhante no passado. Os astecas não
escreviam, mas faziam pinturas. Havia um livro de pinturas antigas que revelava
acontecimentos passados aos sábios. Diante de cada nova situação, buscavam-se
respostas no passado: o futuro não existia, porque tudo já havia acontecido. A
identidade dos espanhóis é tão diferente e nova que perturba todos os meios de
comunicação e os astecas já não conseguem recolher informações: já não existem
no passado. Em vez de perceberem o acontecimento como um encontro puramente
humano, ainda que inédito - a chegada de homens ávidos por ouro -, os índios os
integram numa rede de relações naturais, sociais e sobrenaturais, onde o
acontecimento perde a sua singularidade.
A ausência da escrita é um elemento importante da
situação. Os astecas registravam situações com desenhos e não com linguagem
escrita. A submissão do presente ao passado continua a ser uma característica
significativa das sociedades indígenas da época. Isto diz respeito também à
educação das crianças, que tiveram que aprender os ensinamentos do passado para
interpretar os sinais do presente. A profecia, nesta perspectiva, é memória.
Passado e futuro pertencem ao mesmo livro.
Podemos ver claramente a relutância de Montezuma em
admitir que um acontecimento totalmente novo pudesse acontecer. A vitória dos
conquistadores também é vista numa perspectiva religiosa, como a superioridade
da concepção de tempo do cristianismo, que avança para a novidade que, neste
caso, corresponde à vitória sobre os indígenas. Os nativos não conseguem
improvisar, porque para eles o acontecimento presente nunca é novo, mas tem
sempre uma contrapartida no passado. Nessa perspectiva, o problema passa a ser
interpretar os presságios, os sinais do presente para entender que
acontecimento passado se trata.
O que podemos definir com termos retirados da
atualidade, a síndrome de Montezuma, nos preocupa muito de perto.
Principalmente com o passar dos anos, a tendência de nos refugiarmos no
passado, rejeitando a novidade do presente que nos encontra despreparados,
torna-se uma característica da nossa forma de agir e interagir com o mundo que
nos rodeia. O grande problema, em determinado momento da vida, passa a ser a
novidade que o presente acontecimento pode trazer. É capaz de se relacionar com
a novidade, aquele que durante a vida aprendeu a deixar-se questionar e, assim,
apreender cada situação da vida como possibilidade de crescimento e de
renovação. Esta é a atitude da pessoa aberta, disposta, atenta, que ama a vida
tal como ela se manifesta e não como gostaria de mantê-la.
Aqueles que, pelo contrário, se deixam dominar pela
síndrome de Montezuma, muitas vezes partem de um caminho feito constantemente
na defesa, na procura constante de segurança material, existencial, em que o
importante é não lutar, não sujar as mãos, para permanecer protegido. Quem
passa a vida na via de emergência acaba virando um velho rabugento, que tem
medo de tudo, porque, afinal, tinha medo de viver.
A cura da síndrome de Montezuma, que se forma a partir
das escolhas que fazemos quando crianças, é uma grande meta de todo pai, mãe,
educador. Salvamo-nos desta síndrome mortal vivendo plenamente o nosso
presente, não fugindo das coisas novas, mas abraçando-as com as duas mãos,
porque aprendemos lentamente a reconhecer nas coisas novas o mistério da vida
que nos chega, a saboreemos a emoção de tudo o que uma vida plena implica.
Parabéns! 👏🏻👏🏻
ResponderExcluirMagnífico.
ResponderExcluirMaravilhoso texto
ResponderExcluir,👏👏👏👏👏👏
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