Paolo Cugini
A pergunta é esta: se
tivéssemos a coragem de desestruturar a religião, sobraria o que? Dizendo com
palavras mais compreensíveis: se tivéssemos a coragem de tirar do discurso
religioso todos os elementos culturais, ou seja, os elementos que ao longo dos
séculos foram se volumando no redor do espaço religioso, será que iria sobrar
alguma coisa daquilo que nós chamamos de religião? Afina de conta acreditamos
em que ou em quem? São perguntas que sempre entram na minha cabeça de padre
quando participo de solenidades religiosas, festas de padroeiro/a, procissões,
etc. Quanto de religioso existe nestas festas populares e quanto de cultural?
Porque se gastam tantas energias para organizar eventos religiosos quando de
religioso tem bem pouco e de Deus ainda menos?
É verdade que a mediação
cultural é necessária para o anuncio do Evangelho. O problema é quando a
cultura substitui o kerigma, ou seja, o conteúdo do Evangelho. É isso que dizia
Jesus aos fariseus que ao longo dos séculos, para amenizar o impacto dos
mandamentos de Deus inventaram tradições que, lentamente substituíram a mesma
Palavra. “Assim invalidais a Palavra de
Deus pela tradição que transmitistes. E fazeis muitas outras coisas desse
gênero” (Mc 7, 13). Se de um lado a cultura é necessária para anunciar o
Evangelho de forma inculturada, do outro a mesma cultura deve sempre ser
averiguada, passar a peneira do Evangelho para que não aconteça aquilo que
aconteceu com os fariseus. A cultura não é um valor que pode ficar acima do
Evangelho, mas sim deve constantemente ser evangelizada. É este o trabalho que
a pequena comunidade que se reúne para meditar a Palavra deve fazer: aprender a
vislumbrar a presença de Cristo dentro da história. Isso exige disponibilidade
a escutar a voz do Espirito Santo, a constantemente se questionar e, assim,
questionar as estruturas culturais que ao longo do caminho são assumidas para
mediar o Evangelho numa particular circunstancia.
Porque é tão difícil este
trabalho de discernimento cultural? O motivo me parece muito simples, pois o
Evangelho exige uma continua disponibilidade à conversão, à mudança e nem tudo
mundo é disponível a isso. É mais fácil sentar-se no cômodo sofá da vida,
naquilo que sempre foi feito e aproveitar disso. Além disso, a religião se
presta muito para ser explorada, pois o sentimento religioso popular junta
muita gente, massas enormes. Por isso nas grandes festas religiosas nunca
faltam os políticos, que como urubus aproveitam destas gigantescas ocasiões
para se amostrar. É por isso que estou questionando a voz alta a religião
popular: a que serve? Tem a ver o que Deus como a porcaria que encontramos em
varias festas chamadas de religiosas. Quantas vezes participei de festas de
padroeiro/a com uma grande angustia no coração pelo fato que não entendia o
sentido daquilo que estava acontecendo. Dentro a Igreja a missa e fora
quiosques vendendo cachaça e cerveja para arrecadar dinheiro pela Igreja!
Porque as pessoas não conseguem perceber o tamanho destas contradições? Porque
se acha normal uma bagunça dessa? E porque quando se questiona tem muita gente
achando ruim?
As vezes fico meditando o fato que Jesus
depois da ceia derradeira saiu para a Horta das oliveiras, sozinho. Se Judas o
achou e entregou é porque Jesus era acostumado a esta atitude, se retirar
sozinho. Talvez esteja na solidão a autenticidade da experiência religiosa e
não na massa anônima. Talvez seja por isso que é fácil manipular culturalmente
a massa, pois é anônima, sem reposta, aceita tudo, engole tudo. Um pouco de
solidão na companhia de Jesus ajudaria a ver com mais profundeza a realidade
daquilo que chamamos de religião, descobrindo que talvez sobrou pouquíssimo:
quase nada.
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