Paolo Cugini
Falamos cada vez
mais da era pós-cristã. Isso significa que há uma percepção de uma mudança
radical que ocorreu e que, em alguns aspectos, ainda não terminou. Afinal, é
difícil pensar que em pouco tempo uma cultura que marcou séculos de história
desaparecerá no ar, muito rapidamente. De qualquer forma, se é verdade que os
sinais do que se definia como um processo de descristianização eram presentes
desde o final do século XIX, também é verdade que, nas últimas décadas, essa
mudança de época se acelerou significativamente. O fato é que o cristianismo,
embora tenha uma influência flagrante na formação da cultura ocidental, agora
parece ter ficado sem influência. Se tentarmos olhar de perto esse fenômeno, o
qual é ao mesmo tempo histórico e cultural, percebemos que o cristianismo
começou a ranger quando as metanarrativas ocidentais começaram a mostrar seus
limites, dando lugar ao advento da era pós-moderna. A modernidade e o
cristianismo ocidental entraram em colapso e, em alguns aspectos, não é
possível apreender as causas de um sem considerar o outro. O aspecto mais
interessante, que vale a pena analisar, é o patrimônio de rituais religiosos e
de sacralidade que o cristianismo produziu e manifestou não apenas nas
celebrações religiosas, mas também na arte e na cultura. Qual é o destino de
todo esse patrimônio espiritual, cultural e artístico? A impressão geral que se
tem, é que o Ocidente vive essa transição de forma serena, como se nada
estivesse acontecendo. Este aspecto, a nosso ver, revela o grau de exteriorização
do cristianismo que, mais do que representar a alma de uma cultura, era
sobretudo um modo de estar no mundo, ou seja, uma política, um poder entre os
poderes, assim como uma estética.
Folheando as
páginas dos livros que apresentam as análises e reflexões sobre o fim do
cristianismo, impressiona que, a maioria da produção desses textos, ser
oriunda, de autores franceses. Na França, mais do que em outros países, a
reflexão sobre a descristianização do mundo ocidental, começou na época da
Revolução Francesa. Além disso, não poderia ser de outra forma, também porque a
Revolução Francesa afetou significativamente o cristianismo, ao ponto de
considerar o ano da revolução como o ano zero. Além desse fato, há outro, a
saber, a maioria dos autores franceses que analisam o processo de
descristianização são tradicionalistas, preocupados, portanto, em salvar o que
pode ser salvo, em procurar os defeitos e os culpados, mais do que indicar
novos caminhos no contexto que está surgindo. Dentre essas análises, vale
destacar a do sociólogo francês Guillaume Cuchet
(2018), que, ao invés de buscar a origem da
descristianização, indica seus sinais incontornáveis. Segundo Cuchet, os sinais
evidentes da descristianização em curso, devem ser identificados na queda
vertiginosa de alguns aspectos do culto católico, como a confissão individual e
a escassa presença de jovens na missa dominical. Além disso, outros sinais são
o fim da prática obrigatória e no silêncio sobre os "fins últimos",
ou seja, sobre os mistérios da Igreja sobre o que será depois da morte:
inferno, purgatório e paraíso. É especialmente digno de nota que, esses
sinais, são indicados com um tom acusatório, e não como um sinal de uma cultura
em mudança. De qualquer forma, segundo Cuchet, a causa que incentivou o
processo de descristianização deve ser identificada no Concílio Vaticano II,
considerado o verdadeiro événement déclencheur sem possibilidade de
reparação (Cuchet, 2018, p. 143). São análises que revelam uma dificuldade em
aceitar a mudança de época em curso e, sobretudo, considerá-la como definitiva.
Nenhum comentário:
Postar um comentário