Recebi este significativo artigo e partilho no meu blog.
Romero
Venâncio (UFS)
Neste domingo 10/9/2023
ocorreu no estádio do Morumbi em São Paulo um grande evento organizado por uma
série de católicos romanos brasileiros chamado de: "DESPERTA BRASIL"
que durou das 6:00 da manhã às 22:00 da noite. O evento que foi coordenado
quase todo o tempo por uma figura chamado de Frei Gilson (ilustre conhecido nas
redes digitais católicas) e por toda uma série de padres, alguns poucos bispos,
algumas freiras e muitos fieis que passaram o dia rezando rosário, terço,
louvando delirantemente, pregações agitadas e apelativas, discursos contra
aborto, "ideologia da gênero", "comunismo" (seja lá o que
isto for...) e sempre uma sorrateira defesa de um tipo de
"teocratismo" cristão/católico (do tipo, ah! se o Brasil fosse governado
por católicos de verdade). O evento estava (acredito que ainda esteja) no
YouTube e transmitido pela TV canção nova (segundo informação dos
coordenadores).
O evento tinha a função
semelhante das antigas procissões, ou seja, demonstrar a força católica na
sociedade e intimar os governantes para fazer política que beneficie a
estrutura católica do país. Nítido isto. Quanto mais procuravam disfarçar não
falar de política, mais evidente ficava que o evento era político. Até porque não há o que disfarçar. Está tudo
nas redes digitais ou plataformas de formação desta geração de católicos. O
negócio era para ser "só religioso" na imaginação da coordenação do
mega evento. Impossível num Brasil como este atual e diante do conflito interno
que vive o catolicismo na atual quadra histórica. Público e notório e nem
precisa ser católico para perceber. Só para termos uma ideia: todos esses
religiosos católicos de direita conscientes de seu trabalho dito apostólico,
são/foram "bolsonaristas" desde o primeiro momento na largada de
2013.
Em síntese: um palco enorme
armado no meio do estádio de futebol, uma aparelhagem de som perfeita que
ecoava em todo o campo e um revezamento de músicas "carismáticas" com
discurso religioso estridente com intuito de chocar as vezes. A insistência de
falar a palavra "inferno" quase em todas as pregações e dedicação ao
personagem "diabo/demônio" torna-se sintomático. Parece que eles
pularam das redes digitais particulares para o estádio. O que fazem em suas
"redes" demonstraram para a multidão. As várias tomadas que a câmara
que filmava o encontro fazia das milhares de pessoas que encheram o campo, nos
faz ver o quanto estavam correspondendo ao chamado dos prelados, freiras ou
leigos que desfilavam com seus discursos inflamados. A maioria de padres,
freiras e leigos conservadores que falaram no palco improvisado são bastante
conhecidos nas redes digitais. Até acredito que é uma coisa combinada: preparar
nas redes o que vai para as ruas. Estudo esse fenômeno da "direita
católica" já faz tempo e vejo um crescimento significativo desse
movimento. E grande parte, começou nas redes digitais (evito o nome "rede
social", porque de "social" têm muito pouco ou nada!).
No título uso um termo que foi
comum a cultura francesa dos anos 20 do século passado. Trata-se de
"integrismo". Chamo esse movimento desta "nova direita"
católica advinda das redes digitais de "integristas". Numa breve e genérica
definição do termo: "Disposição de espírito de certos católicos (ditos
"da direita") que, pretendendo manter a integridade da doutrina,
relutam em se adaptar às condições da sociedade moderna, em aceitar o
"progressismo" de outros católicos (ditos "de esquerda").
Não tomemos essa definição como definitiva e nem única. o termo pode ser mais
aprofundado (o que não faremos aqui!). Mas serve para uma situação importante
que ocorre dentro do catolicismo atual: "manter a integridade da
doutrina". Tenho estudado uma série destes católicos nas redes e fora
delas (paróquias, dioceses, pastorais, eventos de formação) e este tema é
central em todas as formas de conservadorismo católico. Há uma necessidade de
voltar a uma "identidade católica". O culto do padre de batina preta
todo o tempo, a exposição forçada de símbolos católicos na vida pública (mesmo
o país se dizendo laico), a tentativa de volta ao rito tridentino (missa em
latim, por exemplo) e todo o cortejo de sinais espalhados na vida pública em
que defendem o que é "próprio do catolicismo" vira questão de honra
para este fiéis. Como se todos/todas estivessem numa "guerra santa"
contra potestades demoníacas em praça pública. Reparem que neste tipo de
"integrismo" torna-se necessário sempre criar um inimigo e
combatê-lo. Aqui mora o perigo para qualquer vivência democrática numa
sociedade minimamente liberal. Atentemos!
Tenho observado a preocupação
em momentos de formação destes católicos integristas no Brasil em valorizar e
ler bastante documentos de papas como Pio IX, Pio X ou Pio XII (os Papas da
defesa intransigente da "identidade católica" contra o mundo
moderno). E, obviamente, abominarem figuras como os Papas João XXIII ou Paulo
VI e nem precisa dizer o que pensam do Papa Francisco (para uma parte dessa
gente, nem Papa ele é!!!). Uma coisa eles não percebem ou não querem,
propositalmente, perceber: a história demonstrou que esse projeto é fadado ao
fracasso. Esse tipo de "evangelização terrorista" de cunho integrista
em sua radicalidade leva a derrota do próprio catolicismo. Esbarra sempre num
mundo irreversivelmente moderno (que vive no presente). Ou seja, já dizia um
barbudo alemão do Século XIX: "A roda da história não volta para
trás". Mesmo que eles arregimentem multidões. Um número grande de
"católicos sensatos" (eles existem, por incrível que pareça!) já
sabem disto e faz um tempinho e desembarcaram dessa aventura
conservadora/integrista que não leva a nada de cristão no mundo contemporâneo
desde, pelo menos, o advento do Concílio Vaticano II. Estes sensatos católicos
atravessaram o "riacho de fogo" chamado Feuerbach e já estão
atravessando outros rios.
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