segunda-feira, 11 de setembro de 2023

SOBRE UM INTEGRISMO CATÓLICO BRASILEIRO DE PLANTÃO. NOTA

 Recebi este significativo artigo e partilho no meu blog.






Romero Venâncio (UFS)

Neste domingo 10/9/2023 ocorreu no estádio do Morumbi em São Paulo um grande evento organizado por uma série de católicos romanos brasileiros chamado de: "DESPERTA BRASIL" que durou das 6:00 da manhã às 22:00 da noite. O evento que foi coordenado quase todo o tempo por uma figura chamado de Frei Gilson (ilustre conhecido nas redes digitais católicas) e por toda uma série de padres, alguns poucos bispos, algumas freiras e muitos fieis que passaram o dia rezando rosário, terço, louvando delirantemente, pregações agitadas e apelativas, discursos contra aborto, "ideologia da gênero", "comunismo" (seja lá o que isto for...) e sempre uma sorrateira defesa de um tipo de "teocratismo" cristão/católico (do tipo, ah! se o Brasil fosse governado por católicos de verdade). O evento estava (acredito que ainda esteja) no YouTube e transmitido pela TV canção nova (segundo informação dos coordenadores).

O evento tinha a função semelhante das antigas procissões, ou seja, demonstrar a força católica na sociedade e intimar os governantes para fazer política que beneficie a estrutura católica do país. Nítido isto. Quanto mais procuravam disfarçar não falar de política, mais evidente ficava que o evento era político.  Até porque não há o que disfarçar. Está tudo nas redes digitais ou plataformas de formação desta geração de católicos. O negócio era para ser "só religioso" na imaginação da coordenação do mega evento. Impossível num Brasil como este atual e diante do conflito interno que vive o catolicismo na atual quadra histórica. Público e notório e nem precisa ser católico para perceber. Só para termos uma ideia: todos esses religiosos católicos de direita conscientes de seu trabalho dito apostólico, são/foram "bolsonaristas" desde o primeiro momento na largada de 2013.

Em síntese: um palco enorme armado no meio do estádio de futebol, uma aparelhagem de som perfeita que ecoava em todo o campo e um revezamento de músicas "carismáticas" com discurso religioso estridente com intuito de chocar as vezes. A insistência de falar a palavra "inferno" quase em todas as pregações e dedicação ao personagem "diabo/demônio" torna-se sintomático. Parece que eles pularam das redes digitais particulares para o estádio. O que fazem em suas "redes" demonstraram para a multidão. As várias tomadas que a câmara que filmava o encontro fazia das milhares de pessoas que encheram o campo, nos faz ver o quanto estavam correspondendo ao chamado dos prelados, freiras ou leigos que desfilavam com seus discursos inflamados. A maioria de padres, freiras e leigos conservadores que falaram no palco improvisado são bastante conhecidos nas redes digitais. Até acredito que é uma coisa combinada: preparar nas redes o que vai para as ruas. Estudo esse fenômeno da "direita católica" já faz tempo e vejo um crescimento significativo desse movimento. E grande parte, começou nas redes digitais (evito o nome "rede social", porque de "social" têm muito pouco ou nada!).

No título uso um termo que foi comum a cultura francesa dos anos 20 do século passado. Trata-se de "integrismo". Chamo esse movimento desta "nova direita" católica advinda das redes digitais de "integristas". Numa breve e genérica definição do termo: "Disposição de espírito de certos católicos (ditos "da direita") que, pretendendo manter a integridade da doutrina, relutam em se adaptar às condições da sociedade moderna, em aceitar o "progressismo" de outros católicos (ditos "de esquerda"). Não tomemos essa definição como definitiva e nem única. o termo pode ser mais aprofundado (o que não faremos aqui!). Mas serve para uma situação importante que ocorre dentro do catolicismo atual: "manter a integridade da doutrina". Tenho estudado uma série destes católicos nas redes e fora delas (paróquias, dioceses, pastorais, eventos de formação) e este tema é central em todas as formas de conservadorismo católico. Há uma necessidade de voltar a uma "identidade católica". O culto do padre de batina preta todo o tempo, a exposição forçada de símbolos católicos na vida pública (mesmo o país se dizendo laico), a tentativa de volta ao rito tridentino (missa em latim, por exemplo) e todo o cortejo de sinais espalhados na vida pública em que defendem o que é "próprio do catolicismo" vira questão de honra para este fiéis. Como se todos/todas estivessem numa "guerra santa" contra potestades demoníacas em praça pública. Reparem que neste tipo de "integrismo" torna-se necessário sempre criar um inimigo e combatê-lo. Aqui mora o perigo para qualquer vivência democrática numa sociedade minimamente liberal. Atentemos!

Tenho observado a preocupação em momentos de formação destes católicos integristas no Brasil em valorizar e ler bastante documentos de papas como Pio IX, Pio X ou Pio XII (os Papas da defesa intransigente da "identidade católica" contra o mundo moderno). E, obviamente, abominarem figuras como os Papas João XXIII ou Paulo VI e nem precisa dizer o que pensam do Papa Francisco (para uma parte dessa gente, nem Papa ele é!!!). Uma coisa eles não percebem ou não querem, propositalmente, perceber: a história demonstrou que esse projeto é fadado ao fracasso. Esse tipo de "evangelização terrorista" de cunho integrista em sua radicalidade leva a derrota do próprio catolicismo. Esbarra sempre num mundo irreversivelmente moderno (que vive no presente). Ou seja, já dizia um barbudo alemão do Século XIX: "A roda da história não volta para trás". Mesmo que eles arregimentem multidões. Um número grande de "católicos sensatos" (eles existem, por incrível que pareça!) já sabem disto e faz um tempinho e desembarcaram dessa aventura conservadora/integrista que não leva a nada de cristão no mundo contemporâneo desde, pelo menos, o advento do Concílio Vaticano II. Estes sensatos católicos atravessaram o "riacho de fogo" chamado Feuerbach e já estão atravessando outros rios. 

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