terça-feira, 3 de dezembro de 2024

EXPANSÃO

 




 Paulo Cugini


Os astrofísicos nos explicaram que o universo está muito longe de poder ser definido e compreendido com sistemas rígidos e fixos, porque está em movimento contínuo: ele se expande. Após a explosão inicial, segundo a teoria do Big Ben, o universo nunca parou de se expandir. Esta é a natureza da realidade: um movimento constante de expansão que. traduzido em filosofia significa que, quem segue o caminho do desenvolvimento de sistemas rígidos, segue um caminho destinado ao fracasso. O que é rígido, num universo em expansão, quebra. Esta é a triste conclusão da história da narrativa ocidental da realidade. Seu fracasso está, infelizmente, à vista de todos. As repetidas crises do sistema económico são o sintoma de uma interpretação errada, que foi imposta apenas pela força, mas a força não determina a autenticidade de uma verdade. O mesmo se aplica às alterações climáticas em curso, fruto do Antropoceno, daquele mundo criado à imagem e semelhança do homem ocidental que felizmente não é Deus. O que é rígido num universo em movimento se rompe. Esta discussão leva-nos a compreender que a realidade, tal como se manifesta e tal como a ciência nos descreve, não necessita de um pensamento que se deixe guiar pelo instinto de sobrevivência humano, que tende a fixar as coisas, a enrijecê-las para dominá-las. , mas deve ir exatamente na direção oposta. É o caminho da escuta que a energia do universo nos sugere. 

Caminhos de escuta, que se tornam caminhos de descoberta do desconhecido, daquilo que só podemos aprender. Nesta viagem descobrimos povos indígenas com uma visão de mundo oposta à ocidental. Se, de fato, desde o início do desenvolvimento do pensamento lógico-filosófico, o homem sempre se considerou no centro do mundo fechado, separado do resto, que considera como à sua disposição, a perspectiva da cultura indígena em que o homem e mulher sentem-se parte do cosmos. Diferentes visões de mundo que produzem diferentes caminhos, diferentes formas de estar no mundo. Quando nos sentimos parte de algo nós protegemos, cuidamos, nos interessamos por isso. Pelo contrário, quando a realidade é percebida como externa a nós, ela nos interessa na medida em que nos pode ser útil. Concepções de mundo que abrem diferentes horizontes e perspectivas, que deixam uma marca profunda na história, para o bem ou para o mal. Bastaria reler as páginas da astronomia aristotélica em De Coelo ou Física para compreender como se moveu Aristóteles, um dos protagonistas da formação do pensamento ocidental. Um mundo ordenado e finito, estruturado em 55 esferas, com a terra no centro. O movimento só poderia ser esférico, porque a esfera, na mentalidade dos primeiros filósofos, é a forma mais perfeita. O universo é então finito, porque tem um centro, nomeadamente o centro da terra e, na lógica aristotélica, um corpo com centro só pode ser finito. Um universo feito assim pode ser gerenciado pela mente humana, pode ser controlado e, acima de tudo, não gera surpresas. 

O homem ocidental considerava-se o centro de um universo finito com movimentos circulares perfeitos. Do caos desordenado passamos para a ordem do cosmos. Como sabemos, a Igreja adotou este modelo, que foi assimilado ao sistema teológico de São Tomás, que utilizou o sistema filosófico aristotélico para sistematizar os principais mistérios da revelação bíblica de forma clara e ordenada. Existe uma necessidade de ordem que foi impressa no caminho da cultura ocidental, uma necessidade que moldou todas as formas de conhecimento ao longo do tempo, incluindo o conhecimento religioso. Neste caminho de passagem do caos à ordem, a realidade foi compreendida e ordenada a partir de princípios a priori. O mundo que circunda o homem entrou no sistema desenhado pelo homem e respondeu aos propósitos indicados pela cultura. Há, portanto, uma relação de força que orienta o caminho da cultura ocidental na sua relação com um mundo que não é compreendido senão na medida em que é interpretado a partir de esquemas de pré-compressão. Mais uma vez, é possível ler nesta perspectiva o sofrimento do planeta Terra, gradualmente violado por uma cultura que, antes de ouvir a realidade, classificou-a e obrigou-a a enquadrar-se em padrões pré-definidos. 

Nem todas as culturas percorreram o mesmo caminho. Permanecendo no terreno dos povos indígenas acima mencionados, a sua visão de mundo, que não é movida pela necessidade de ordem e controle, mas pela percepção de fazer parte do Todo, produziu uma forma diferente de habitar a terra. Pesquisas recentes de um grupo de antropólogos, arqueólogos e pesquisadores brasileiros identificaram, com as novas ferramentas oferecidas pela tecnologia, que no subsolo da chamada região Pan-Amazônica, que envolve nove países, existem cerca de dez mil sítios arqueológicos, sinal de uma região altamente habitada, ao contrário das estimativas feitas por pesquisas anteriores, muitas vezes ditadas por razões ideológicas e políticas. A característica que permitiu aos arqueólogos identificar estes sítios é a biodiversidade. O fato surpreendente, de fato, é que a presença dos povos indígenas ao longo dos séculos produziu a proteção e o desenvolvimento da biodiversidade no território habitado, exatamente o oposto do que aconteceu no Ocidente onde, os homens chegaram, produziram não apenas a morte e destruição de outras culturas, mas também a deterioração da biodiversidade local. 

Mais uma vez fica claro que a nossa forma de pensar o mundo e a realidade envolvente determina um estilo de vida, uma forma de habitar a realidade. Não se trata de contrastar culturas ou de elogiar umas e desprezar outras, mas simplesmente de realçar a diversidade de percursos culturais e a diferente abordagem ao mundo envolvente que provocam. Há quem gostou de inventar sistemas, rabiscar doutrinas, forçar a realidade a caber nas elucubrações da sua mesa de centro, e quem, em vez disso, passava o tempo em contacto com a natureza, procurando viver em harmonia, percebendo uma certa sacralidade, protegendo e respeitando isso. Diferentes caminhos que produziram diferentes mentalidades e sociedades.


terça-feira, 12 de novembro de 2024

A BÍBLIA UMA ARVORE DAS MUITAS CORES

 



Paolo Cugini


Estamos habituados a pensar e a ler a Bíblia com os olhos da cultura de onde viemos, que durante séculos nos ensinou a anular as diferenças, ou melhor, a considerar a diferença como uma negação. Quem lê a Bíblia com os óculos da cultura linear corre o risco de lê-la superficialmente, ou seja, como uma história escrita do começo ao fim, identificando a verdade de Deus com o que se lê de imediato. Sabemos que a história sempre foi escrita por quem vive nos palácios dos reis e por isso é quase sempre uma história do centro, escrita para justificar e defender um poder. Nessas histórias, como a escola da Nouvelle Histoire nos ensina há décadas, pouco ou nada resta da história real, ou seja, daquela vivida pelas pessoas comuns, pelos agricultores, pelas pessoas simples que permanecem excluídas das construções, por aqueles que na realidade são os verdadeiros protagonistas dos acontecimentos históricos. Mesmo na Bíblia encontramos narrativas históricas que ao longo dos séculos foram relidas, manipuladas, por assim dizer, pelo poder central vigente e que, portanto, são afetadas por essas exclusões.

Portanto, não é por acaso que há teólogas que há anos releem a Escritura a partir de uma perspectiva diferente, nomeadamente a das mulheres, para captar uma palavra diferente nos silêncios impostos às mulheres. Quem se escandaliza com este tipo de percurso diferente, com esta tentativa de ler nas entrelinhas, de ouvir o silêncio daqueles que sempre foram silenciados é porque são dominados pela sua própria cultura linear, que no caso da cultura ocidental é também a expressão de um pensamento forte, muitas vezes arrogante e opressivo. O que dizer então daquela forma de ler a Palavra de Deus a partir dos pobres - outra grande categoria de pessoas silenciadas pelo poder político e religioso - que a Igreja latino-americana nos ensinou desde os anos posteriores ao Concílio? Uma coisa é, de fato, ler a Palavra de Deus de chinelos, num acolhedor apartamento ocidental. Outra coisa é ler a mesma Palavra entre as pessoas que vivem nas favelas ou nos bairros pobres de uma cidade. São vozes diferentes, olhos diferentes e mentalidades diferentes que não são mutuamente exclusivas, mas podem ser harmonizadas. É este olhar diferente que lê a Palavra de diferentes ângulos que desconstrói as certezas, não porque, como se poderia argumentar superficialmente, relativiza os conteúdos, mas porque muito mais simplesmente os contextualiza. É então importante sublinhar, neste ponto da discussão, como este processo de desestruturação, de polifonia de vozes diferentes, ocorre dentro de um mesmo texto bíblico, que é tudo menos uma história linear. Na verdade, encontramos, lado a lado, conteúdos que provêm de diferentes tradições culturais, não só no tempo, mas também na geografia. O que podemos dizer, por exemplo, sobre a forma de compreender a monarquia na história de Israel? Por que existem textos que se manifestam a favor da monarquia e outros que expressam todo o seu desconforto com esta instituição?

Existem muitas vozes diferentes que o leitor atento encontra nas Escrituras. Ouvir a voz das diferenças que encontramos no texto bíblico sem procurar imediatamente formas de sintetizar, de silenciar a inquietação da nossa consciência, é um dos mais belos desafios que a Escritura nos chama a enfrentar. Libertar-nos das nossas certezas que, se olhadas em profundidade, não passam de durezas, isto é, verdades às quais confiamos, sem nunca as questionar, a solidez da nossa vida espiritual, é um dos grandes dons que a Palavra de Deus nos dá ofertas. Entrar no mundo da pluralidade de vozes, de modos de sentir e de ser, sem a necessidade de reduzi-los todos a uma só voz, mas simplesmente aprendendo a habitar a diferença: esta é a beleza da vida espiritual que brota da Bíblia. É assim que descobrimos que não basta ler a Bíblia, mas o que importa é como nos deixamos olhar por ela, como nos deixamos mudar pela sua pluralidade de vozes. Nesta perspectiva, compreendemos como a conversão do coração anunciada pelos profetas e solicitada por Jesus não significa tanto a entrada num caminho particular, mas consiste na disponibilidade para alargar os nossos horizontes, o nosso coração, na possibilidade que se dá gratuitamente. para abrirmos nossa mente para sermos mais livres. A verdade e, ao mesmo tempo, a necessidade de um círculo bíblico deve ser visíveis na mente aberta daqueles que dele participam. O esforço missionário da Igreja para anunciar o Evangelho ao mundo vai exatamente nesta direção, ou seja, na possibilidade de criar homens e mulheres livres, pessoas capazes de ouvir as diferenças porque aprenderam a acolher a diferença dos outros, habitar a complexidade, viver na pluralidade de pontos de vista.


segunda-feira, 11 de novembro de 2024

MARIA MÃE DE JESUS ​​​​- INTERVENÇÃO DE SELENE ZORZI

 





Tradução: Paolo Cugini





Para nos aproximarmos de Maria devemos limpar nossos óculos. Maria se tornou uma personagem complicada na vida das mulheres. Maria é uma personagem onipresente na vida de fé.
Nome comum de Maria: Maria se tornou um nome comum. No imaginário coletivo, Maria representa todas as mulheres. A universalização do patriarcado é notada. Tudo o que não é masculino é neutro.

Naturalização As mulheres são acima de tudo mães, são importantes como mães, esquecendo que também têm cérebro.
Estereótipos Generalizamos para ver e querer um certo tipo de mulher. Também ideolizamos Maria .

A mentalidade católica é androcêntrica, produzindo uma forte idealização em relação às mulheres. Maria é a bem-aventurada entre as mulheres, mas é só ela e esta singularidade a separa das outras mulheres. É daí que vem a ideologia das mulheres. Maria torna-se problemática como presença entre as mulheres. Nenhuma mulher poderá ser como ela e, portanto, ela se torna um modelo esmagador.
Maria foi o ponto de referência das homilias e falavam de Maria e do corpo da mulher ligados à ideia de pecado. A virgindade adquire um significado social e seu papel teológico se perde nas moralizações.

Antropologia dualista : divide os dois sexos como pólos opostos, como complementares. Esta antropologia de oposição criou a personagem de Maria que, para muitas mulheres, é demasiado incómoda. A antropologia dualista, ao ler Maria, cria o eterno feminino, um arquétipo que olha para Maria como uma encarnação do ideal da essência do feminino. Aqui o homem sempre vem em primeiro lugar. A mulher é funcional para o homem e as mulheres são servas.

A virgindade pode ser interpretada como a autonomia da mulher. Pode ser interpretado em um sentido moralista. Ajuda o homem saber que o primeiro filho será dele.
Mãe: função biológica. A função de mãe pertence a cada crente, porque todos devemos dar à luz a Deus na nossa vida de fé.

A teologa italiana Selene Zorzi



Como isso aconteceu?
Nos primeiros séculos já existia a ideia da deusa mãe. Ísis, Deméter, etc. São deusas que possuem aspecto maternal. Os Padres da Igreja comparam Maria a estas figuras. Encontramos a nossa Maria Católica nas montanhas, grutas e muito mais, locais típicos das deusas mediterrânicas. São locais que indicam contato com a força da terra.

Os Padres da Igreja pegaram títulos de deusas e os atribuíram a Maria. As primeiras Marias são mulheres que amamentam. As primeiras representações verdadeiras de Maria amamentando como divindade são encontradas no Egito, nos mosteiros, que a herdam das deusas egípcias. Os padres adaptaram a figura de Maria à deusa materna, fizeram um trabalho de inculturação. Ao assumir essas características, Maria se diviniza cada vez mais e se torna uma divindade. Na Idade Média, todas as funções cristológicas e pneumatológicas eram atribuídas a Maria. Maria é co-redentora, no mesmo nível do Deus masculino.

Elisabeth Jonson: relação entre a figura de Maria e Jesus e não há distinção entre os dois. De alguma forma, a imagem religiosa de um Deus masculino sente a necessidade de ter feminilidade. Precisamos limpar os nossos copos deste desperdício cultural que confundiu a Maria do Evangelho. A questão é que não temos uma linguagem feminina para dizer Deus. Ninguém pode dizer Deus no feminino, dizer Deusa. Desde Gen 1 acreditamos que as mulheres são criadas à imagem de Deus, existem metáforas femininas para falar de Deus.

No AT a palavra ruah, que indica o Espírito, é uma palavra feminina e tem funções femininas. Crie espaço, faça as pessoas viverem. Shekinah, a tenda de Deus entre nós: é uma metáfora feminina.

Os teólogos têm procurado metáforas nas quais Deus é chamado de mãe. Entranhas de misericórdia, Deus tem um ventre que ama como uma mãe. Isaías 49: A mãe não se esquece do filho.
Fio da sabedoria divina . A Sabedoria do AT é um personagem. O Logos está ao lado de Deus. A sabedoria que quebra estereótipos porque fala nas ruas. Deus aqui tem características femininas.
Existem duas parábolas : drama e fermento. É um mundo que se expressa no feminino. Jesus se inspirou nas ações de sua mãe. Entenda como Jesus de Nazaré viveu uma mulher, com sua mãe.

O estudo das teólogas ajuda a aproximar-nos de Maria.
A divinização de Maria ocorreu lentamente, também devido ao ambiente cultural, ao modelo patriarcal. O único espaço que o cristianismo deixou para as mulheres foi o corpo de Maria.
Se Cristo assumiu a masculinidade, ele não salva as mulheres, mas Cristo assume a humanidade. Maria tornou-se também o esquema social do papel que a mulher deveria desempenhar numa determinada cultura então espiritualizada.
No sim de Maria está o respeito de Deus pelas mulheres, porque Maria também poderia dizer não.


sábado, 19 de outubro de 2024

O nome do Mistério

 




 

Paolo Cugini

Sempre o chamamos assim: Deus. O nome Deus resolve problemas há séculos, milênios. Tudo o que não pode ser explicado de forma racional ou razoável pode ser imediatamente transferido para a palavra Deus. Tudo o que é misterioso, que se apresentou ao ser humano ao longo dos séculos, foi resolvido recorrendo a esta palavra simples: Deus. Quando os acontecimentos são misteriosos, incompreensíveis, difíceis de compreender. explicar, então basta nos refugiarmos em Deus. Acontece assim também hoje. Invocamos a Deus para nos ajudar numa determinada situação da nossa vida que se tornou complicada. Deus é um nome que, se for verdade, como veremos, pertence à esfera religiosa, mas é igualmente verdade que está na boca de muitas pessoas que não se identificam com uma religião específica. Invocar o nome de Deus é um aspecto tão normal e espontâneo que alguns filósofos chegaram ao ponto de argumentar que se trata de uma ideia inata, que encontramos dentro de nós no momento do nascimento. Também pode ser que, ao pronunciar o nome de Deus durante milhares de anos, ele tenha se tornado algo tão presente em nossa consciência que o tornou real.

Porém, não existe apenas uma experiência externa do misterioso que nos impele a invocar Deus. Existem também viagens internas da alma humana, que experimenta a percepção de uma realidade que não pode ser classificada com os critérios habituais que implementamos. vida diária. Acontece, por exemplo, quando a doença passa perto de pessoas que amamos e que nos impulsionam a invocar aquela força que parece capaz de intervir na realidade, modificando o seu horizonte. São os acontecimentos extremos que nos levam a pensar que existe uma força amiga que pode consertar as coisas, uma força no universo que nos conhece, sabe o que pensamos e o que sentimos. Chamamos essa força de Deus porque é o nome que encontramos em nossa cultura e que é usado justamente nestes casos.

O problema é que esse nome sofreu uma tal cobertura de significados ao longo dos séculos que não conseguimos mais compreender sua essência. Pergunto-me então: é possível dizer Deus sem Deus? Parece um jogo de palavras, mas expressa uma realidade muito profunda. É possível tentar dizer o que expressa o conteúdo da palavra deus, deixando de lado o que as religiões dizem sobre Deus? Existe uma força no universo que, como tal, é imanente, ou seja, não está no céu como pensavam os antigos. O céu, de fato, pertence à realidade imanente, porque faz parte do universo. É possível dizer Deus sem recorrer à dimensão transcendente? Tal operação pode parecer uma blasfêmia também porque Deus sempre foi pensado desta forma: um ser transcendente que habita o céu. Famosas são as palavras de Aristóteles que chegou ao ponto de definir Deus como a causa de tudo, o motor imóvel, que move o mundo com a força da atração. Um Deus, o de Aristóteles, tão fora do mundo e da perspectiva imanente que não consegue pensar o que lhe é inferior e é considerado como pensamento do pensamento. É interessante notar que precisamente esta estrutura filosófica, que veio a elaborar uma concepção tão monstruosa de Deus, foi utilizada pela Igreja Católica para definir sistematicamente o conteúdo da sua própria experiência de Deus: São Tomás docet.

Ainda. É possível dizer Deus desvinculando-o da perspectiva metafísica desenvolvida pela filosofia grega? Há um desejo de libertação, isto é, de libertar Deus da prisão do ser. Só assim, talvez, seja possível iniciar uma pesquisa que consiga não tanto dar um nome, mas um conteúdo àquelas experiências que podemos definir como espirituais, que são imediatamente associadas a uma religião e, desta forma, interpretado pelos sistemas de conceitos implementados durante séculos. Para este tipo de investigação não se pode confiar em livros de teologia, mas sim em livros de misticismo e espiritualidade, mesmo que também estes possam ser contaminados negativamente pelas escolas de pensamento teológico da época em que foram escritos. E se fôssemos sozinhos em busca do significado de Deus? E se tentássemos nos libertar de uma só vez de todas as estantes de livros que falam sobre ele e procurássemos dizer o que percebemos com nossas próprias palavras, sem medo de sermos julgados? Só de pensar nisso me dá uma emoção intelectual assustadora.

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

COMO FALAR DO MISTÉRIO




 

Paolo Cugini

 

Os problemas surgem quando se pensa de ter identificado o método para contar o Mistério e a possibilidade de transmiti-lo uniformemente. Esta tentativa metodológica não é obra de quem a experimentou, mas de quem deseja organizar e ordenar a realidade em todas as suas manifestações. Este aspecto de uma forma única de expressar o Mistério numa grelha conceptual rígida e uniforme ocorreu particularmente no Ocidente e diz a respeito à religião cristã na sua versão católica. Segundo Ratzinger, o encontro entre o cristianismo e o pensamento grego foi providencial e não foi simplesmente fruto do acaso. Através das categorias da filosofia grega, o Cristianismo pensou em explicar o que nunca teria sido capaz de alcançar com as simples ferramentas oferecidas pela Bíblia.

O problema é que o Mistério não pode ser contado de uma só maneira e com um só método. Justamente porque nos encontramos diante de uma realidade muito mais complexa do que os dados que encontramos na realidade e que somos capazes de explicar com as ferramentas oferecidas pela lógica e pelo discurso racional, é necessário deixar o campo aberto a outras formas de narrando o Mistério. O Cristianismo transmitiu uma forma única de falar do Mistério, autorizando uma única proposta de pensamento, a filosofia clássica, para fornecer os instrumentos hermenêuticos capazes de explicar os aspectos revelados do Mistério na experiência cristã específica. Para quem olha o fenômeno de fora e de forma desapegada, percebe-se uma identificação entre o Mistério e a forma de expressá-lo. Ao identificar o Mistério com o ser dos filósofos, ele fica, por assim dizer, acorrentado, aprisionado, com a agravante de que quem aprisionou o Mistério ao identificá-lo com o ser sente-se o único garante da sua interpretação.

Há, portanto, uma narrativa e uma descrição do Mistério, que não permite alternativas. A doutrina produzida para explicar detalhadamente a natureza do Mistério, valendo-se das ferramentas oferecidas pela filosofia clássica, é tão unívoca e rígida que não permite a menor divergência. A doutrina, ao ter a presunção de contar o Mistério de uma determinada maneira, ao mesmo tempo deslegitima qualquer outro tipo de pesquisa.

sábado, 28 de setembro de 2024

Setembro Amarelo: Campanha de conscientização sobre o tema suicídio

 




Paulo Cugini

 

Na tarde de sábado, 28 de setembro, a paróquia de San Vincenzo de Paoli, que acompanho há cerca de um ano, realizou uma ação de sensibilização para as pessoas que tentam o suicídio. O evento contou com o apoio de algumas entidades da Arquidiocese e, em especial, do SAPFAM (serviço de assistência psicológica da Arquidiocese), do Projeto Vida Ativa e do nosso Projeto Margens. As sete comunidades participaram preparando faixas, cartazes e muita animação.

10 de setembro é oficialmente o Dia Mundial da Prevenção do Suicídio. Em 2024 o lema é “Se precisar, peça ajuda!”.

O suicídio é uma triste realidade que afeta o mundo inteiro. De acordo com a última pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde – OMS em 2019, foram registrados mais de 700 mil suicídios em todo o mundo. No Brasil ocorrem aproximadamente 14 mil casos por ano, ou seja, em média 38 pessoas cometem suicídio por dia.

Embora os números estejam a diminuir em todo o mundo, os países das Américas estão a contrariar esta tendência, com as taxas a continuarem a aumentar, de acordo com a OMS. Sabe-se que praticamente 100% dos casos de suicídio estão ligados a doenças mentais, em sua maioria não diagnosticadas ou tratadas inadequadamente. Portanto, a maioria dos casos poderia ter sido evitada se esses pacientes tivessem acesso a cuidados e informações psiquiátricas de qualidade.



O bairro Compensa de Manaus é tristemente famoso neste assunto, devido à ponte construída em 2011 sobre o Rio Negro e de onde várias pessoas tentam o suicídio saltando do ponto mais alto. Ainda hoje, dia da manifestação, de manhã um homem atirou-se da ponte e, à tarde, uma jovem de 26 anos foi parada a tempo pela polícia, que foi chamada ao local.

A paróquia de San Vincenzo de Paoli é muito sensível ao problema e, por isso, há anos ativa um serviço psicológico gratuito com duas psicólogas. A Arquidiocese de Manaus também está muito atenta ao tema, especialmente na figura de Monsenhor Hudson, recém-eleito bispo auxiliar de Manaus e, á dois anos, Reitor da Faculdade Católica do Amazonas. Don Hudson, sendo psicólogo entre outras coisas, criou um grupo de pessoas que estão em rede com psicólogos que trabalham nas paróquias, para acompanhar o grande sofrimento mental encontrado na região.



Dados de suicídio

O suicídio é um importante problema de saúde pública, com implicações para a sociedade como um todo. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde – OMS, todos os anos morrem mais pessoas por suicídio do que por VIH, malária ou cancro da mama – ou por guerras e assassinatos.

Entre os jovens de 15 a 29 anos, o suicídio foi a quarta principal causa de morte, depois de acidentes de trânsito, tuberculose e violência interpessoal. Trata-se de um fenômeno complexo, que pode afetar indivíduos de diferentes origens, gênero, cultura, classe social e idade.

Segundo dados da Secretaria de Vigilância em Saúde divulgados pelo Ministério da Saúde em setembro de 2022, entre 2016 e 2021 houve aumento de 49,3% nas taxas de mortalidade de adolescentes de 15 a 19 anos, chegando a 6,6 por 100 mil, e 45% entre adolescentes de 15 a 19 anos. de 10 a 14, chegando a 1,33 por 100 mil.

Segundo dados divulgados no site do evento Setembro Amarelo, no Brasil, 12,6% de cada 100 mil homens morrem por suicídio, em comparação com 5,4% de cada 100 mil mulheres. As taxas entre os homens são geralmente mais elevadas nos países de rendimento elevado (16,6% por 100.000). Para as mulheres, as taxas de suicídio mais elevadas registam-se nos países de baixo e médio rendimento (7,1% por 100.000).

Atualmente, apenas 38 países possuem uma estratégia nacional de prevenção do suicídio.