Romero Venâncio (UFS)
A direita católica brasileira
que estudo é representada por um leigo (Bernardo Kuster), um padre (Paulo
Ricardo), um bispo (Adair J. Guimarães - Formosa/GO) e um grupo (Centro Dom
Bosco do Rio de Janeiro) e como marco temporal o pós-2013. Os acontecimentos
políticos e ideológicos de 2013 e o que se seguiu, a presença de Olavo de
Carvalho dentro do catolicismo e a nomeação do Papa Francisco. O projeto de
estudo tem esse escopo sociológico/teológico e político.
Essa direita católica (que as
vezes chamo de "extrema direita" por conta de sua virulência e
beligerância na internet) foi crescendo nas redes digitais e tendo grande
impacto em dioceses, paróquias e pastorais na última década. Eles traçaram como
meta a recuperação de um pensamento conservador na Igreja enquanto reação aos
valores modernos. Atacar de maneira deliberada tudo que venha da modernidade é
o comum a todos/todas. Do Concílio de Trento ao Papa Pio IX. De Pio X a Pio
XII. Formar uma "consciência conservadora" dentro e fora da Igreja.
Três horizontes diretos de
ataques foram bem delimitados: o Concílio Vaticano II, a Teologia da Libertação
e o papa Francisco. Os ataques são desiguais e combinados. A depender do
momento e contexto, a virulência torna-se maior. Neste momento (2022-2023) as
baterias se voltam contra o Papa Francisco e o projeto de sinodalidade. Para
melhores esclarecimentos sobre o termo "Sinodalidade", recomendo o
breve livro: "Sinodalidade: tarefa de todos" de Dom Pedro Carlos
Cipolini (editora Paulus, 2021).
O Vaticano II seria origem da
Sinodalidade e a eleição do papa Francisco seria a realização perfeita da
"conspiração" moderna dentro da Igreja, segundo essa direita
católica. Nota-se de cara que a paranoia e teorias da conspiração são crenças
constantes que povoam a mente deles. A eleição de Lula, então... Vira delírio
apocalíptico. Toda essa situação parece até "irracional" (sentido
dado por Lukács no monumental livro: "A destruição da razão") mas não
é bem assim. Tem uma racionalidade subterrânea em tudo que a direita católica brasileira
faz e pensa.
Atacar o Concílio Vaticano II
e sua consequência direta que é o papado de Francisco tem uma lógica nos
projetos desta direita atuante nos nossos dias. A fragilidade argumentativa
deles perante o mundo moderno é visível em tudo que fazem. O medo de coisas
como "relativismo", "feminismo", "socialismo",
"ambientalismo", "educação sexual", "diálogo
interreligioso" ou "igreja democrática" chega a ser digno de
pena. Parecem "montanhas a parirem ratinhos". A saída é sempre
recorrer a figura do diabo como categoria explicativa. Aqui mora o ponto fraco
e o sectarismo de toda a direita
católica. Recuperam uma "teologia do diabo" completamente anacrônica
e carente de fundamentação histórico.
A referência teológica básica
que usamos neste momento é um breve e rigoroso livro do teólogo Karl Rahner
intitulado: "O cristão do futuro" publicado pela Fonte editorial. O
livro tem quatro ensaios todos publicados nos anos 60 durante e depois do
Concílio Vaticano II. Os títulos dos quatro textos que fazem o livro são
bastantes sugestivos: "A Igreja que muda", "Situação ética numa
perspectiva ecumênica", "Os limites da Igreja: contra o triunfalismo
clerical e leigos derrotistas" e "O ensino do Concílio Vaticano II sobre
a Igreja e a realidade futura da vida cristã". Como percebemos, ensaios
bastante atuais e bem ao estilo de Rahner. Nem será preciso dizer e fundamentar
porque Karl Rahner e sua teologia são odiados pela direita católica atual.
O ódio da vez dessa gente é o
projeto de "Sinodalidade". Para essa direita, a convocação de um
sínodo pelo Papa Francisco é uma “afronta à tradição". É mais uma
"tática modernista" para entregar a Igreja ao mundo. Primário tudo
isto. Um recuo histórico-teológico, podemos ver o primeiro grande projeto
sinodal na primeira igreja dos Apóstolos/Apóstolas. Seria cobrar demais desta
direita católica saber da primeira Igreja ou da teologia que a fundamenta. A
indigência teológica de toda essa gente é notória e vergonhosa. Não passa de
puro suco de fundamentalismos.
Para exemplificar a paranoia
da vez contra a "Sinodalidade". O tal do Bernardo Kuster está em Roma
fazendo o que chama de "cobertura" dos primeiros momentos do Sínodo
para o seu canal e para "orientação" de seus seguidores bem ao "estilo
Olavo de Carvalho". A primeira deprimente live é intitulada: "DIRETO
DE ROMA: O ecumenismo invade a Vigília no Vaticano". A "tese"
dele é que a Teologia da Libertação tem como objetivo "sequestrar o
Sínodo". Tá tudo lá. Nos 17 minutos da sofrível live vemos toda uma
paranoia sobre o que chama de "bastidores do Sínodo". Triste saber
que milhares de católicos seguem isto. Lamentável, mas real. Faz parte desta
nova e triste face do catolicismo no Brasil.
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