sexta-feira, 14 de março de 2025

O DEVOCIONISMO RELIGIOSO E OS MALES DA SOCIEDADE OCIDENTAL






Paolo Cugini


A devoção surgiu e se desenvolveu em um período em que os dados bíblicos e patrísticos estavam dispersos. É isso que estudos históricos recentes nos ensinam. A devoção, portanto, era alimentada pela superstição, pelo medo do sagrado. A devoção toca os sentimentos e manifesta o temor a Deus, um Deus percebido como terrível, capaz de punir a qualquer momento e a qualquer hora qualquer forma de desobediência. Para controlar o poder do Deus destrutivo, do Tremendum , para usar as palavras de Rudolf Otto, o devocionismo colocou em prática um sistema de preceitos e deveres que os fiéis devem cumprir para não serem subjugados pela força de Deus. Uma vez que os preceitos foram cumpridos, o devoto está pronto para fazer o que quiser na vida. A devoção atua na separação entre o sagrado e o profano. O sagrado exige sacrifícios, ritos, preceitos em um contexto sagrado. A realização dos ritos permite aos fiéis viver no mundo profano de forma fiel e segura. A devoção oferece segurança ao devoto, aquela segurança interior que lhe dá a certeza de ter feito tudo o que era preciso para estar em paz com Deus e, sobretudo, para garantir que Deus não o golpeie. A relação entre o sagrado e o fiel é estimulada por um sentimento de culpa, incentivado pelo sentimentalismo devocional, que põe em ação uma série de mecanismos que não permitem ao fiel escapar da lógica dos preceitos. A devoção torna homens e mulheres escravos de ritos e preceitos. Em troca, eles recebem a segurança da salvação e a capacidade de controlá-la. Isso não é pouca coisa.


A cultura burguesa, que surgiu no Ocidente no final da Idade Média e foi fortalecida pelo advento da revolução industrial, foi alimentada pela devoção religiosa. Poderíamos dizer que nunca houve uma conexão tão estreita entre a dimensão espiritual da vida pessoal e a social. O capitalista burguês que explora os trabalhadores, enriquecendo-se às custas deles, não se sente culpado, mas sim confirmado em seu trabalho pelo simples fato de cumprir perfeitamente todas as prescrições exigidas pela devoção religiosa. Há burgueses que vão à missa todo domingo ou até mesmo todo dia. Os cidadãos que recitam o terço fazem novenas aos santos a quem se referem. Eles são generosos ao fazer doações significativas para locais de culto. Depois, há o estilo burguês da pessoa que vive sua vida tranquila entre o trabalho e a família. É o modelo social propagado com o advento da era industrial em todas as suas fases e é o estilo hoje indicado junto à classe média. Quando passamos da sociedade agrícola para a industrial, o modelo burguês assume o controle, encontrando apoio na religião devocional para justificá-lo. Vida pacífica e tranquila. Uma vez feito o trabalho, há tempo para Deus e para a própria vida. Possibilidade de organizar seu tempo livre como desejar, com férias e semanas de esqui. O modelo burguês aprisiona as pessoas em uma esfera do mundo, não permitindo que elas compreendam a conexão entre os mundos. Se, de fato, há uma parte que está bem, esse bem-estar é produto das lágrimas e do sofrimento de outra parte do planeta. Existe todo um sistema que não nos permite sentir esse vínculo intrínseco. A devoção moderna também contribui para tornar o devoto surdo e cego. Presos na necessidade de observância, os devotos não se importam com seu estilo de vida confortável e tranquilo, mas sim o encorajam. Não é por acaso que foi o Ocidente devoto que desenvolveu o sistema econômico mais criminoso que já existiu, o neoliberalismo. Este modelo está produzindo dia após dia enormes massas de deserdados, excluídos do suntuoso banquete dos poucos que podem se beneficiar de tudo. É vergonhoso ler os rankings elaborados pela revista Forbes todos os anos dos homens e algumas mulheres mais ricos do mundo, que enriquecem ano após ano, enquanto, ao mesmo tempo, aumentam os desesperados, os sem-teto, os pobres, aqueles que perdem tudo ou que, apesar de trabalhar, veem seus salários diminuírem, dificultando a sobrevivência deles e de suas famílias. Existe uma religião que é cúmplice desse massacre que está sendo perpetuado e espalhado pelo mundo; é a religião dos devotos, daqueles que restringem o campo de ação de Deus aos seus próprios pequenos corações, que se tornam cada vez menores e mais opacos, para não ouvir os clamores dos desesperados do mundo. É a religião dos moderados, daqueles que com suas devoções amortecem a força disruptiva do Evangelho de Jesus, que anuncia o Deus que não faz distinção entre pessoas e a comunidade na qual ninguém vive necessitado, porque quem tem mais reparte com quem tem menos. Não é por acaso que, aonde o devocionismo religioso é forte o povo fica mais pobre.



Esse modelo social e religioso tipicamente ocidental produz uma enorme massa não apenas de resíduos materiais, mas, sobretudo, de resíduos humanos. Esta é uma expressão forte usada pela primeira vez pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman. É uma expressão forte que, no entanto, expressa bem o significado profundo deste modelo social e religioso. Quando uma sociedade se alia à religião para buscar seu próprio bem-estar às custas dos outros, isso significa que algo está errado, que não está funcionando. Uma grande massa de resíduos humanos é encontrada agora em nossas cidades, em nossos bairros. Massas de pessoas vindas de países empobrecidos pela presença ocidental. Este é o grande paradoxo da sociedade ocidental: há países ricos em todas as coisas boas do solo e do subsolo, mas que se tornaram lotados de pessoas pobres por causa da violência do homem ocidental que entrou em suas casas para saquear tudo a custo zero. Embora estejamos confortáveis em nossas próprias casas, há muitas pessoas que não se sentem bem em suas próprias casas. As montanhas de lixo que vemos não apenas em aterros sanitários, mas agora nas margens das estradas, são o símbolo da nossa sociedade desorientada, uma sociedade opulenta e gorda, uma sociedade que perdeu o rumo. Se de um lado há uma sociedade que produz resíduos em quantidades assustadoras, de outro há uma sociedade que se alimenta deles. Há algo assustador e irracional em tudo isso, um sinal de que há uma falta de pensamento humano na condução do mundo, naqueles chamados a guiar o destino da humanidade. As Igrejas, nessa perspectiva, não podem limitar-se a celebrar ritos para os devotos do momento, mas devem fazer ressoar a voz profética do Evangelho por meio de escolhas radicais que afirmem explicitamente a ruptura com o perverso sistema neoliberal.


Infelizmente, não demos ouvidos aos profetas que, já no início do século passado, nos alertaram. Charles Péguy , por exemplo, alertou-nos sobre o perigo de desenvolver projetos políticos e sociais sem levar em conta a realidade. Caminhar pela história com os pés no chão, escutando a realidade que se manifesta como múltipla e, portanto, não uniforme, significa desenvolver caminhos sociais e políticos nos quais a diversidade não seja exceção, mas encontre lugar com toda a sua dignidade. Ouvir a realidade hoje significa escutar o clamor dos deserdados, dos dejetos humanos, e criar espaços para que eles possam se expressar e nos mostrar novos caminhos de salvação. 

O mesmo Emmanuel Mounier que em 1932, em meio à maior crise econômica do século passado, lançou um apelo na revista Esprit que ele fundou contra o colapso da cultura burguesa, incapaz de salvaguardar os valores da pessoa. Não é por acaso que foi nas páginas desta revista que Mounier e seus colaboradores desenvolveram o projeto do personalismo comunitário, mostrando como não é possível salvaguardar a dignidade da pessoa humana sem uma referência à comunidade. É justamente a comunidade o problema que se torna evidente nessa passagem da cultura ocidental. Uma comunidade, de fato, que não é mais capaz de construir relacionamentos nos quais todos possam realizar seu potencial. De fato, vemos, dia após dia, uma comunidade de pessoas desiguais, uma sociedade em que poucos têm condições financeiras, em detrimento de um número cada vez maior de pessoas doentes. 

Aquela grande mulher que foi Simone Weil nos alertou, em um de seus diários, sobre a necessidade de nos educarmos para a atenção como forma de estarmos em contato com a realidade e não perdê-la de vista. Se há um fato que fica claro é que o mundo ocidental construiu todo um arsenal que o torna cada dia mais distraído e, dessa forma, se torna incapaz de ouvir a realidade, surdo aos gritos dos desesperados, fechado em seu próprio bem-estar, insensível aos dramas humanos que acontecem ao nosso redor, incapaz de desenvolver caminhos que sejam pertinentes à realidade feita de homens e mulheres e não de números.


Péguy escreveu há mais de um século: a revolução será moral e espiritual ou não acontecerá. Projetos políticos não mudarão o rumo dessa história doente de individualismo. Neste caminho de revolução espiritual, a comunidade cristã tem, sem dúvida, uma tarefa importante, desde que saiba colocar no centro o Evangelho de Jesus, a Sua Palavra, e se deixe inspirar por Ela.


quarta-feira, 12 de março de 2025

DESCONSTRUINDO A RELIGIÃO PARA ENCONTRAR DEUS

 




Paolo Cugini



É como uma cebola ou como um forro. Vista de longe, a cebola parece compacta, algo único, mas não é. Quando você vê de perto, percebe que ela é em camadas, que você pode descascá-la, pode tirar as camadas, o que, no caso das cebolas – e não só – é um processo que nos faz chorar.

Até os cobertores parecem ser um corpo único, mas em vez disso há costuras que unem as peças e depois há forros para esconder as costuras. O cobertor parece um corpo compacto, mas não é. Afinal, como muitas coisas na vida: elas parecem compactas, mas não são. Acostumamo-nos a viver na aparência das coisas, até o dia em que um encontro, um rosto, um sentimento forte nos ajuda a acordar e a descobrir que nem tudo é tão compacto quanto parece, que há algo diferente, que há algo mais.

Existe todo um sistema de coisas que faz de tudo para garantir que a realidade pareça compacta, bonita e agradável. Existe todo um mundo que trabalha para mascarar a realidade, sobretudo, para mascarar as manipulações da realidade. E então ocorrem acontecimentos que minam a compacidade, que abrem vislumbres, que provocam uma reflexão, uma crise e assim abrem o caminho da desconstrução que nos leva à realidade, isto é, à verdade sobre as coisas. A desconstrução das estruturas colocadas em prática para encobrir a manipulação da realidade é, ao mesmo tempo, um caminho de libertação e revelação. É libertador porque, finalmente, a pessoa vive sua relação com a realidade com liberdade. De revelação porque a revelação do processo de desconstrução nos leva a entender que as intuições que percebemos durante o período de manipulação da realidade eram autênticas. Isto já é uma indicação importante de método. Ela nos diz, de fato, que cada pessoa é dotada de apreender a verdade das coisas, sua realidade e, portanto, é capaz de perceber qualquer tentativa de manipulação, distorção, dissuasão.

Em algum momento da vida temos que decidir se descascamos as cebolas ou as deixamos como estão; temos que decidir se retiramos as cobertas e verificamos as costuras, ou se continuamos a nos cobrir como se o cobertor fosse um corpo único. Finalmente, em algum momento de nossas vidas, temos que decidir se continuamos acreditando em Santa Lúcia e no Papai Noel, ou se os colocamos em seu devido lugar. Ou seja, precisamos, em determinado momento da vida, que seria bom que acontecesse o mais breve possível, decidir se vale a pena sofrer um pouco, desmascarar os mitos que estão obscurecendo nossa visão da realidade, ou fingir que nada está acontecendo e pagar o altíssimo preço de uma vida falsa, ou seja, de correr o risco de nunca viver a realidade.

Quando isso acontece, ou seja, quando demoramos a ativar os processos de desconstrução e desmascaramento, nos sentimos mal porque vivemos mal. A consciência se rebela quando algo ou alguém nos sufoca, corta nossas asas, nos impede de voar, de sermos nós mesmos. Nossa consciência fica brava conosco no fundo do coração quando nos vê preguiçosos, submissos, um pouco mesquinhos porque nos refugiamos atrás dos nossos medos. Ficamos com raiva quando percebemos que a vida não é como pensamos ou como alguém pensou para nós. E então há uma voz dentro de nós, um sentimento que nos impulsiona a nos recompor, a nos levar a sério, a parar de choramingar e arregaçar as mangas para expor tudo e, assim, finalmente viver livres.



É o contato com a realidade que desmascara as falsas superestruturas que nos impedem de viver autenticamente. É a realidade que causa a ondulação dessas ideias, filosofias e teologias que cobrem nossas vidas, impedindo-nos de viver autenticamente. O pior, que infelizmente acontece com frequência, é quando filosofias e ideologias encontram nos pais um aliado que não tem tempo para verificar se essas ideologias estão de acordo com a realidade ou não. Pobre jovem que encontra dentro de sua própria casa a aliança diabólica de seus pais com os traficantes de ideologias desvitalizantes e castradoras! Será difícil sair dessa jaula de loucos, mas é possível. De fato, sempre há um dia em que nos deparamos com algo real, em que percebemos que o mundo não é como nos é vendido. Há sempre um dia em que a alma jovem respira o ar da liberdade e, quando isso acontece, podemos ter certeza de que ela fará de tudo para se livrar da podridão das filosofias e teologias que, como correntes, a mantêm numa gaiola. Quem sente o cheiro da liberdade, principalmente quando esse cheiro chega até nós na juventude, dificilmente o esquecerá.

O primeiro elemento fundamental desse processo de desmascaramento, que é ao mesmo tempo um processo de desconstrução, consiste em nos distanciarmos dos mágicos, dos charlatões, dos vendedores de óleo de cobra, dos vigaristas de segunda categoria que, por muitas razões, encontramos em nosso caminho e que encheram nossas cabeças de bobagens. Acredito que essa despedida saudável dos charlatões é impossível sem conhecer alguém que já passou por isso, alguém que já se libertou do mundo do absurdo, do mascaramento da realidade. Hoje sabemos que muitos desses charlatões usam batinas pretas e andam pelas igrejas. Existe toda uma religião que é um caminho para a liberdade. É um instrumento satânico de escravidão e morte. Quantas pessoas conhecemos que ingenuamente seguem alguém ou um grupo, pensando que estão trilhando o caminho do Senhor, mas na verdade estão trilhando o caminho de Satanás.

O segundo elemento do processo de desconstrução é o amor à liberdade que, ao mesmo tempo, é amor à vida. Quem ama a vida não aceita prisões de espécie alguma e depois, quando sente sua liberdade ameaçada, bate o pé, se rebela, tenta entender. Aqueles que amam a vida, aqueles que desejam uma vida plena e livre nunca desistem. É o amor à vida ou, como diria Nietzsche, o amor à terra que nos impele a jogar fora todas essas estruturas formadas ao longo do tempo que sufocam a vida em vez de libertá-la. É a força interior que vem do fundo das nossas vísceras, que anseia por liberdade, que não aceita uma vida de morte, uma vida sufocada por superestruturas formadas ao longo do tempo e que não têm mais nenhuma ligação com a realidade vivida hoje. É o amor e o respeito que temos por nós mesmos que, em determinado momento da jornada, nos leva a jogar fora toda resignação, todas as injunções injustificadas, para olhar melhor para dentro de nós mesmos, para não ter que passar a vida inteira submetidos a imposições sem sentido.

O maior mestre de todo caminho de desconstrução que, como vimos, é, ao mesmo tempo, um caminho de desmascaramento, é Jesus. É justamente Ele, de fato, que em várias circunstâncias desmascarou a hipocrisia dos fariseus, que manipulavam a Palavra de Deus para controlar o povo e manter o poder. “Assim, vocês invalidam a palavra de Deus por meio da tradição que vocês transmitiram. E fazeis muitas coisas semelhantes” (Mc 7,13). Substituir a Palavra de Deus pela tradição dos homens: é o que aconteceu ao longo dos séculos, levando milhares de pessoas a se submeterem às leis humanas, pensando que eram a Palavra de Deus. Jesus descobriu isso nos anos de sua juventude, passados em silêncio, prestando atenção ao que acontecia ao seu redor, a como os fariseus se moviam e como o povo sofria. Sem dúvida, em algum momento ele deve ter compreendido a contradição entre aqueles que em todos os tempos tinham a Palavra de Deus na boca e o que essa suposta palavra estava produzindo no povo, isto é, miséria, pobreza, injustiça, sofrimento. Foi a realidade ouvida com atenção que levou Jesus a entender o engano, a entender que aqueles que falavam em nome de Deus estavam, na verdade, falando por si mesmos e por seus próprios interesses obscuros. E então, um dia, ele decidiu ajudar os homens e as mulheres a se libertarem de todas as tolices dos homens no poder, a desmascarar o engano dos fariseus, a desconstruir todas aquelas leis que sufocavam a liberdade dos homens e das mulheres para mostrar-lhes o verdadeiro rosto de Deus que é Pai e Mãe, o significado profundo da sua Palavra que é misericórdia, o verdadeiro desejo do coração do Pai que consiste em dar a vida e vida em abundância.

Esta é a grande tarefa da Igreja nesta era pós-cristã: ajudar os homens e as mulheres a libertarem-se dos absurdos da religião, oferecer instrumentos para que todos possam experimentar em primeira mão o amor de Deus, a sua justiça, a sua liberdade.


segunda-feira, 10 de março de 2025

PLANO PLURIANUAL PARTICIPATIVO 2025

 

A equipe da prefeitura junto com o pessoal do Moviemento fé e cidadania
que participou da formação de hoje



PPA 2025


Paolo Cugini

Segunda feira 10 de março às 10 horas da manhã no salão padre Geraldo Meneses da paróquia são Vicente de Paulo aconteceu um encontro com a Diretoria do planejamento da prefeitura de Manaus para orientar os cidadãos sobre o Plano Participativo Plurianual e participar a votação sobre como a prefeitura deveria gastar o dinheiro nos próximo quatro anos. 

O período de votação será 13-27 abril 2025 e é possível votar no site. O PPA é previsto na Constituição federal do 1988. O orçamento é planejado e, o grande objetivo é a participação da população. 

Na votação do PPA 2025 são previstos seis eixos estratégicos:

1. Credenciamento econômico

2. Educação básica

3. Saúde

4. Infraestrutura e mobilidade

5. Ambiental

6. Desenvolvimento social 

Cada pessoas no período da votação pode escolher dois eixos estratégicos e indicar dois projetos por cada eixo escolhido. Se os projetos indicados no site não são considerados positivamente, o cidadão tem direito a indicar um novo. 

O objetivo do Movimento Fé e Cidadania, que se fez presente ao evento, consiste em repassar o conteúdo do encontro de hoje, articular a  votação do PPA 2025 dentro da paróquia e na mesma compensa e apontar projetos que a nosso ver seria importante para o nosso bairro. 


sábado, 1 de março de 2025

NOVO LIVRO (em italiano): O NOME DE DEUS NÃO É MAIS DEUS

 




Introdução

Há caminhos existenciais que surgem assim, por acaso, sem querer. Nesses casos, surgem situações que nos encontram desprevenidos, desprevenidos e podemos correr o risco de nos fecharmos, como forma de defesa, ou, de aproveitar a novidade para entrar, deixar-nos guiar pelos acontecimentos e, assim, descobrir novos mundos. As páginas deste livro reúnem anos de reflexões sobre esses temas assimilados na infância de uma forma e vivenciados de uma forma completamente diferente nas situações que a vida me apresentou. Como disse Aristóteles, não nascemos corajosos, nos tornamos corajosos. Somos frutos das escolhas que fizemos, dos caminhos que percorremos, para o bem ou para o mal. Há quem passe a vida fiel ao conteúdo recebido na infância e quem aproveite a primeira oportunidade para jogar tudo para o alto e seguir seu próprio caminho. Não é falta de respeito, mas sim um desejo de liberdade, de viver a vida ao máximo e, acima de tudo, é uma forma de interpretar a vida como uma jornada de descoberta de novas possibilidades, na profunda percepção de que nem tudo está dado e nem tudo é como nos ensinaram. É abandonando as certezas culturais e espirituais de nossas origens que aprendemos a enfrentar sem medo narrativas diferentes das nossas, sem nos defender, sem ativar aqueles mecanismos de defesa que nos levam a proferir argumentos nunca experimentados e apenas repetidos de cor. As relações educacionais são saudáveis quando ajudam o indivíduo a ser ele mesmo, não a reproduzir os desejos dos outros. Para agradar aos adultos, as crianças fazem tudo o que lhes pedem, também porque sabem que é a única maneira de conseguir alguma coisa. Adultos insatisfeitos com a vida muitas vezes descontam nos filhos reproduzindo autômatos que obedecem aos seus comandos. 

Romper o cordão umbilical das instituições que ajudaram a moldar a consciência na infância é o caminho necessário para uma vida adulta livre. Tomar a vida em suas próprias mãos: esse é o caminho existencial, doloroso, mas necessário, para se tornar você mesmo. Nesse caminho de libertação, um dos ambientes mais importantes para se distanciar ou, pelo menos, retrabalhar criticamente o pertencimento é o mundo, o ambiente religioso. Até algumas décadas atrás, a instituição religiosa, que no Ocidente é identificada com a paróquia, era considerada um lugar saudável, onde se aprendiam os valores positivos necessários para uma vida saudável. Hoje em dia isso não acontece mais. Os processos de desconstrução cultural produzidos pela cultura pós-moderna estão expondo uma série de fatores negativos no mundo religioso que vale a pena abordar. Com o passar dos anos, percebo cada vez mais que um dos problemas mais profundos do mundo religioso é a interpretação das palavras. O cristianismo tem transmitido conteúdo homofóbico, sexista e misógino devido à sua forma de interpretar textos sagrados. Ainda hoje, as relações dentro das comunidades cristãs são envenenadas por modalidades relacionais misóginas e homofóbicas, devido a uma interpretação fundamentalista dos textos sagrados. Existe todo um mundo religioso que atiça as chamas do fundamentalismo, também jogando o jogo sujo daqueles movimentos políticos que se alimentam do mundo fundamentalista. Lendo e meditando o Evangelho, percebe-se que a realidade religiosa não mudou muito. Nessa perspectiva, entendemos que a missão de Jesus era libertar os homens do veneno mortal da religião, ou melhor, daquela religião inventada pelos homens. Jesus propôs algumas chaves para interpretar as palavras do texto sagrado, para não permanecermos escravos daqueles preceitos e daquelas práticas ditas religiosas inventadas pelos homens do templo para subjugar as pessoas e, assim, explorá-las. “Ouvistes que foi dito aos antigos… Eu, porém, vos digo” (Mt 5,21s).

As paróquias devem ser lugares onde as pessoas são libertadas da religião e introduzidas no caminho do Evangelho traçado por Jesus. Não em casa, como nos lembra o livro dos Atos dos Apóstolos, as primeiras comunidades eram chamadas exatamente isso: o caminho. Sempre me fascinei pelos profetas bíblicos, não só pela sua coragem em confrontar os poderosos da época, com declarações duras e radicais, mas sobretudo pela sua capacidade de abrir novos horizontes, injetando esperança nas pessoas. Na verdade, não basta criticar uma situação, analisar um fracasso, é preciso dar saídas, soluções, para permitir que as pessoas possam recomeçar novos caminhos. O risco, de fato, na análise crítica, é permanecer fascinado pelas palavras bonitas, pelas críticas profundas, mas esquecendo que as palavras por si só podem ferir e criar negatividade. E quanto a Jeremias, por exemplo? Nos primeiros capítulos, ele ataca os líderes religiosos com uma série de oráculos muito duros, que não deixam espaço para a imaginação, devido à força polêmica que os anima. Então, porém, no momento mais trágico da história de Israel, isto é, a destruição da cidade e do templo de Jerusalém e o exílio de boa parte da população para a Babilônia, Jeremias sai com uma das mais belas profecias de toda a literatura profética, prevendo para o povo uma Nova Aliança na qual Deus escreveria sua lei de amor não em pedras, como a lei mosaica, mas em seus corações (ver Jr 32:31-34). O livro que você tem em mãos está dividido em três partes e propõe um caminho que é ao mesmo tempo espiritual, religioso e cultural. 

Na primeira parte compartilho alguns conteúdos de vida espiritual que amadureci em alguns momentos críticos da minha vida. Sempre olhei positivamente para as chamadas passagens obscuras da vida, aquelas em que você entra por acaso e não sabe como elas vão terminar. Gosto de valorizar esses momentos, colecionando todas as coisas boas e novas que eles trazem consigo. Nesta primeira parte, portanto, há também dicas biográficas e é uma forma de tornar uma escrita mais envolvente, capaz de interagir com o leitor. A segunda parte poderia ser definida como destruens, no sentido de que proponho reflexões críticas sobre o cristianismo, sobre algumas ideias produzidas pela vida religiosa que ainda influenciam negativamente a vida dos fiéis. São páginas, portanto, nas quais não poupo tons ásperos, não apenas polêmicos, mas também críticos a uma instituição da qual faço parte. O desejo é sempre lançar luz para viver melhor e com mais serenidade a relação com o Mistério e com as pessoas que encontramos no nosso caminho. Os primeiros capítulos desta segunda parte são dedicados a um diálogo cultural com essa corrente de pensamento teológico que se denomina pós-teísmo, que considero fascinante e cheia de estímulos culturais. Questionar o conteúdo do nome de Deus e entender seu significado histórico é importante, especialmente para tentar entender como expressar o Mistério na linguagem de hoje. Na terceira e última parte compartilho uma proposta. 

Como escrevi acima: não basta apenas criticar, é preciso ter coragem de fazer propostas positivas, de apresentar possíveis novos caminhos. Nos últimos anos tenho procurado entender a possibilidade de viver o Evangelho como uma proposta que Jesus fez para todos, um espaço, portanto, inclusivo. Libertar-se da religião dos homens tem como primeiro resultado compreender o Evangelho de uma maneira nova, como um caminho em que no centro não estão preceitos a obedecer, mas o cuidado com a qualidade das nossas relações humanas. Nessa perspectiva, percebo a grande vocação da comunidade cristã no mundo de hoje: ser um espaço aberto para todos, especialmente para aquelas minorias maltratadas pelo sistema meritocrático e patriarcal. Foi exatamente assim que Jesus se expressou em um dos versículos mais profundos de todo o Evangelho: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei” (Mt 11,25). Boa leitura e boa jornada.


ÍNDICE


INTRODUÇÃO

PRIMEIRA PARTE: INDICAÇÕES PARA UM CAMINHO ESPIRITUAL PÓS-RELIGIOSO


CAPÍTULO UM: PLANEJANDO O CAMINHO

1.Olhando de fora. 2. Fique parado. 3. Na margem do rio. 4. Espero por você em silêncio.


CAPÍTULO DOIS: APROFUNDANDO O DISCURSO

1. Intuição. 2. O olhar. 3. Perspectiva. 4. Poliedro. 5. A tensão polar.


CAPÍTULO TRÊS: APRENDENDO COM A VIDA

1. A ferida não é tudo. 2. Não abuse dos limites. 3. Sobreviver a ferimentos com risco de vida. 4. Tudo no fragmento. 5. Ouvir os sentimentos. 6. O obstáculo. 7. Realidade e ideia. 8. Descalço no chão descoberto. 9. A solidão da liberdade.


CAPÍTULO QUATRO: UMA OBRA CULTURAL NECESSÁRIA

1. Desconstruir. 2. Descentralizar. 3. Despotencializar.


CAPÍTULO CINCO: OLHANDO PARA LONGE

1. Andando no fio. 2. Após os arrepios.


PARTE DOIS: CONTANDO O FIM

CAPÍTULO UM: O MISTÉRIO DE DEUS

1. O nome do Mistério. 2. Entre o monoteísmo e a monolatria. 3. Contaminações religiosas. 4. Um novo paradigma interpretativo. 5. Dizer Deus de uma forma não religiosa? 6. O Mistério na prisão do ser. 7. A multiplicidade de manifestações do Mistério.


CAPÍTULO DOIS: A CRISE DA RELIGIÃO

1. O retorno da religião? 2. Religião e mal. 3. Religião como tentação. 4. Desconstruir a estrutura religiosa. 5. Cristianismo: uma religião?


CAPÍTULO TRÊS: O FIM DE UMA ERA?

1. Um mundo cristão em ruínas. 2. Um sistema que está desmoronando. 3. Como um sentimento. 4. O grande erro. 5. O tempo do fim. 6. O vazio das igrejas e a nossa cegueira. 7. Ideias para análise.


CAPÍTULO QUATRO: A CRISE IMPARÁVEL DO CLERO

1. A chamada. 2. A essência da fé. 3. Entreter para reter. 4. Líderes comunitários capazes de acompanhar: o problema da confissão. 5. Presbíteros como líderes comunitários: algumas propostas.


PARTE TRÊS: POR UM NOVO CAMINHO


CAPÍTULO UM: UM MUNDO INTERCONECTADO

1. Do caos ao cosmos. 2. Expansão. 3. Tudo está interligado. 4. Rumo ao holismo quântico.


CAPÍTULO DOIS: O UNIVERSO INTERCONECTADO EM UM MUNDO CONTAMINADO

1. Princípios epistemológicos do processo de contaminação. 2. Artistas da contaminação. 3. Uma Igreja contaminada? 4. O Evangelho: o amor que nos contamina. 5. Contaminação e inculturação. 6. A Bíblia contaminada.


CAPÍTULO TRÊS

1. A Igreja, povo de Deus, espaço aberto a todos. 2. Uma comunidade sinodal. 3. Uma liturgia que celebra a misericórdia. 4. Papa Francisco e a Igreja da misericórdia.

CONCLUSÃO

BIBLIOGRAFIA


segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

AS CIÊNCIAS QUÂNTICAS A PEAGOGIA DE JESUS E A SINODALIDADE

 





Palestrante: Frei Isidoro Mazzarolo 

Sintese: Paolo cugini

A rede celular é cósmica pressupõe a integração de todas as células. Somos células do cosmo. Pertençamos ao todo. 

Os núcleos celulares estão interligados. Comunicação entre as células. A rede neural funciona na base de estímulos múltiplos nos diferentes contatos. No uno e alter.

Ninguém pode dizer que faz o que quiser porque não devo nada a ninguém: tudo é interligado. Todas as células na rede se comportam: conexão e desconexão. 

Na nanociência todas as células são iguais. Cada célula tem o seu DNA, que a distingue de todas as outras na rede. 

O neurônio visto no seu interno e a complexidade de conexões. Cada neurônio implica na função do funcionamento da rede. 

A rede apresenta uma célula doente o necrosada. Essa célula gera uma tensão na rede toda. 

Autopoieses: movimento de auto restauração. Quando o movimento da restauração é maior da necrose ocorre uma cura. Cfr.: Mt 18,15-18: o perdão em etapas. 

A pedagogia de Jesus era nesta linha, do perdão, da misericórdia. A primeira tentativa de uma comunidade é recuperar as células doentes, resgatar. 

Quando não é possível restaurar a célula é eliminada do sistema, gerando sequelas e cicatrizes para sempre. 

A pedagogia de Jesus é que todo sistema funcione. O bom pastor defende o rebanho. Autopoieses da ágape cristã. 

Jesus e a física quântica.

1. A ágape é incondicional:

a. Ao próximo (Lc 10,29-37)

b. Ao inimigo (Lc 6, 27-35)

2. Aos fortes, a justiça (Mt 20,1-16).

3. Aos fracos a misericórdia e a graça

4. Curar para restaurar a saúde familiar

5. Inserir-se nas enfermidades para sanar sistemas (Mc 2, 15-17: Lc 19,1-10)

6. Reinterpretar e atualizar o passado e as tradições, adequando-as aos novos tempos e momentos (Mt 5-7)

7. Libertar dos ritos e preconceitos do passado (Mc 2,18-28)

8. Construir discípulos e apóstolos para que expulsem demônios e curem todas as enfermidades (Mc 3,13-15)

As células cheias de vida devem comunicar energia e transformar a realidade. 

O DNA da célula. Cada folha e cada ramo é único na videira.



A desconexão é ruptura e gera sofrimento. É fundamental ficar interligado. Estar conectado é conviver harmoniosamente com o meio. 

O pensamento é força, energia, poder. A fé move poder da mente. O milagre depende da quantidade de energia que a fé consegue mover no contexto espiritual (Mc 5,34). 

Quando a gente pensa a gente voa.

Espiritualidade verdadeira não desiste perante as dificuldades. A força quântica desprendida da mente pode atuar de maneira surpreendente sobre a matéria.

A oração é conexão com Deus e com o cosmo, é a força da mente, expressão da fé que é crer. Crer é transformar. 

O pensamento é energia: tendes fé em Deus. A fé é um processo. Somos o que pensamos. Os nossos pensamentos determinam nossas ações. Não basta tentar agir de modo convencional, é mister moldar os pensamentos, eles são a origem das atitudes. 

A oração como poder do pensamento: Pai nosso...

Na compreensão da rede está o conceito de conexão cósmica, todas as células estão interligadas no cosmos. Ecologia é pertença e identidade com o todo. 

Pensar positivamente é acreditar sempre nas coisas belas e boas. O pensamento positivo é perene e se alimenta com ondas de alta frequência. 

Há dois tipos de conexão:

a. Curta duração

b. Longa duração.

Toda religião que carece de espiritualidade se torna uma ideologia de dominação e poder. Quanto menor é a espiritualidade maior a violência e autoritarismo. Todo ditador é uma pessoa insegura. 



Espírito: animo, está no gene, é inata e vem de Deus. Perpassa a inteligência e o coração. É a razão da ação. 

Religião: expressão do rito, da fórmula, dogma, exterior. A religião pode ser manipulada. É o lugar das cerimonias, precisa de um templo de pedra, é a força da Lei, pode camuflar a justiça. O rito religioso é verdadeiro quando é alimentado pela espiritualidade. 

A célula é o alter, mas forma o UM na rede. Jesus afirma que Ele e o Pai são UM, assim o discípulo forma o UM cósmico. 


quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

A DOENÇA DO TRADICIONALISMO LITURGICO

 



O Papa Francisco nunca hesitou em criticar os representantes "retrógrados" da Igreja. No entanto, suas declarações mais recentes sobre o tradicionalismo litúrgico em sua Igreja dificilmente poderiam ser mais incisivas.

A informação é publicada por Katolish.de, 14-01-2025.

O Papa Francisco fez duras críticas a representantes ultraconservadores da Igreja que continuam apegados à chamada Missa Tridentina. O Papa havia limitado fortemente esse rito litúrgico, no qual o sacerdote celebra em latim e de costas para os fiéis. Em sua autobiografia "Esperança", publicada na terça-feira, ele justificou essa polêmica decisão afirmando que não é produtivo transformar a liturgia em uma questão ideológica.


"É curioso esse fascínio pelo incompreensível, pelo som misterioso, que muitas vezes desperta o interesse das gerações mais jovens", disse o Papa. "Essa postura rígida geralmente vem acompanhada de vestes preciosas e caras, com bordados, rendas e estolas". Francisco criticou, afirmando que isso não é uma alegria pela tradição, mas pura ostentação de clericalismo, não um retorno ao sagrado, mas uma modernidade sectária.


Distúrbios emocionais e problemas comportamentais

"Às vezes, por trás dessas vestimentas, escondem-se desequilíbrios graves, distúrbios afetivos, problemas de comportamento ou um desconforto pessoal que pode ser instrumentalizado", escreveu o Papa. Ele relatou que enfrentou essa problemática em quatro ocasiões durante seu pontificado: três na Itália e uma no Paraguai.

Esses casos envolviam dioceses que aceitavam candidatos ao sacerdócio rejeitados por outros seminários. "Esses candidatos geralmente têm algo de errado, algo que os leva a esconder sua personalidade por trás de conceitos rígidos e sectários", alertou Francisco.

Ele também classificou como hipocrisia as resistências internas da Igreja contra a abertura dos sacramentos para divorciados recasados e contra a bênção de casais homossexuais. "O tradicionalismo, essa insistência recorrente em uma 'retrógrada' em cada século, é um fenômeno sociologicamente interessante, pois sempre remete a um tempo supostamente perfeito, mas que muda a cada ocasião", escreveu o pontífice, de 88 anos.


Fonte: https://www.ihu.unisinos.br/647914-papa-francisco-confronta-tradicionalistas-da-liturgia  

sábado, 11 de janeiro de 2025

Caminhar mancando




 Paolo Cugini


Nos últimos dias fui levado a refletir sobre uma frase de São Tomás de Aquino que encontrei no Ofício de Leituras, que dizia assim:

 “É melhor mancar na estrada do que caminhar em passo acelerado. Aqueles que mancam na estrada, mesmo que façam pouco progresso, estão, no entanto, chegando ao fim. Por outro lado, quem se desvia, quanto mais rápido corre, mais se afasta do seu objetivo”.

Enquanto lia atentamente este texto de Santo Tomás de Aquino, veio-me à mente outro do sociólogo polaco Zygmunt Bauman. Num de seus famosos livros – Amor Liquido - Bauman argumentou que uma característica da era atual, chamada de pós-moderna, é a velocidade da cidade, a rapidez das mudanças, o que exige uma notável capacidade de mobilidade nas pessoas e a consequente capacidade de não identificar-se com qualquer coisa. Para poder acompanhar a diversidade de situações e as novas possibilidades que a pós-modernidade apresenta, segundo Bauman é preciso ser “líquido”, não nos prendermos muito a algo que pode então nos impedir de entrar em novos situações. O homem e a mulher contemporâneos, ensina Bauman, são aqueles que aprenderam a mudar continuamente de caminho, porque parece que o importante não é o destino, mas a jornada.  Ao ler estas afirmações alguns podem ficar chocados, mas é exatamente este estilo de vida que a cultura atual propõe em diferentes níveis de complexidade e que assimilamos.

Talvez o significado de uma jornada espiritual deveria ser ajudar-nos a aceitar de caminhar mancando na estrada em que estamos e vencer a tentação de correr por outras estradas. Mancar na estrada significa aprender a aceitar-nos como somos, acolhendo e integrando os nossos limites e as nossas incapacidades na nossa visão do mundo. Jesus subiu mancando o Calvário, sem dúvida não por causa dos seus próprios pecados, já que não tinha nenhum, mas tomando sobre si os nossos. Essa lenta e sangrenta jornada até o Monte Calvário ensina muitas coisas. 

Em primeiro lugar, dissipa uma opinião tipicamente pós-moderna que diz que a vida deve ser feita com pressa, que é preciso correr e que é preciso chegar sempre antes dos outros. Em segundo lugar, o caminho manco de Cristo no Calvário ensina que no caminho que percorremos devemos olhar para a meta que é Cristo e que não é verdade que todos os meios possíveis possam ser usados para alcançá-la. As quedas de Jesus ao subir o Calvário nos ensinam que o primeiro meio importante para alcançar a meta somos nós. O caminho atrás do Senhor manco, ajuda-nos a compreender-nos, a descobrir-nos, a compreender quem somos e assim a libertar-nos finalmente daquelas máscaras que colocamos para parecermos diferentes, mais rápidos, quase iguais aos outros. Jesus ensanguentado na cruz nos ensina que não é importante no caminho da vida parecer limpo, perfeito, penteado, mas mostrar-nos como somos. O importante não é o que parecemos aos outros, mas o que somos. O importante não é a aparência, mas a autenticidade, não é mancar, mas chegar.

Parece-me que esta forma de estar no mundo, isto é, como pessoas autênticas, revela a importância de um caminho espiritual sério. Quem não decide levar a sério a vida espiritual perde uma oportunidade de ouro de se conhecer melhor e, portanto, de poder viver em paz consigo mesmo e com os outros. E só assim descobriremos que a verdadeira felicidade não está em correr por muitos caminhos, mas em descobrir a beleza do próprio caminho, não está em ir rápido, mas em caminhar devagar, cuidando das próprias feridas. Nesta lenta jornada pela estrada da vida , aprendendo a curar nossas feridas para alcançar a meta, descobriremos que ao nosso lado, na mesma estrada ,  existe alguém que está mancando e precisa ser levantado para continuar andando. São os dons que a beleza da lentidão mostra ao longo do caminho e que jamais poderíamos descobrir na agonia da velocidade.