Paolo Cugini
A filosofia de Emmanuel Mounier, e todo o seu
pensamento político, são baseados na categoria do compromisso. A crítica do
mundo moderno assume um lugar de primeiro plano na gênesis do mesmo conceito de
revolução. Refaire la Renaissance, como expressa o ambicioso programa da
Revista Esprit, por ele mesmo fundada em 1932, significa uma radical ruptura com
o mundo moderno. O problema – afirma Mounier – não é de purificar, mas de
reformar à raiz, com coragem, todas as estruturas sociais e também o coração
dos homens; mas isso é outra coisa. Uma mudança radical foi sempre chamada de revolução.
Tem medo da palavra, percebo o medo da coisa. Sem dúvida, nenhuma revolução
acontece sem nenhuma violência. O problema não é mais entre revolução e as
meias medidas, mas entre a revolução que salva os valores humanos e a revolução
que os sufoca. (MOUNIER, 1984, p. 267). Para Mounier, o problema não é fazer a
revolução, mas como fazer, pois, pare ele, a revolução é inevitável e
necessária. As estruturas sociais do tempo de Mounier parecem a seu ver tão
deformadas que não tem mais outro caminho que possa substitui-las. A crise que Mounier
percebia, não era apenas política e econômica, mas muito mais profunda. É a
crise daquela sociedade nascida no final da idade média e que proporcionou a
revolução industrial. Mounier percebe que no horizonte está aparecendo uma
civilidade nova, que substitui a velha, uma mudança de civilidade que apresenta
também a necessidade de um homem novo. Se, de fato, na sociedade que se
constituiu na revolução industrial o homem era o grande absente, agora torna-se
necessário restituir à pessoa o seu lugar de destaque. Isso significa romper
com a civilidade industrial de cunho individualista e burguês.
Esse processo de decadência, visível na sociedade
burguesa, percebe-se na parábola do herói que passa a burguês, do chefe de
indústria ao mesquinho poupador. Assim, o burguês é o homem que perdeu o
sentido do Ser, que não consegue agir sem realizar algo de concreto. O burguês
é “o homem que perdeu o amor; cristão sem inquietação, ateu sem paixão” (MOUNIER,
1982, p. 186).
Este individualismo sem amor e sem paixão
produziu uma civilidade alicerçada sobre a ruptura entre espírito e matéria,
entre pensamento e ação. A ação revolucionária deve construir um novo tipo de civilidade,
uma civilidade personalista. Personalista é uma civilidade cujas estruturas e
cujo espírito são orientados a completar como pessoa cada indivíduo. A
realização desta civilidade só será possível através da superação da sociedade
capitalista que sufoca a possibilidade e o desejo de ser pessoa. (MOUNIER,
1982, p. 234). O mundo burguês vive uma profunda crise, mas apesar disso,
precisa de uma derrota final para abrir o caminho da nova sociedade. A
sociedade burguesa ainda tem os seus
defensores, aqueles que, querendo defender a ordem,
defendem a realidade da desordem estabelecida por eles mesmos. “Os homens da
ordem perpetuam a desordem, enquanto a aparente violência das revoluções
contribui ao progresso da razão” (MOUNIER, 1984, p. 22).
Mounier é preocupado em manter bem distinta a ligação
entre revolução e materialismo de um lado, ordem e valores espirituais do
outro. É preciso evitar o monopólio materialista da revolução e o monopólio
pseudo-espiritualista da ordem. Nesse contexto, Mounier denuncia a
identificação falsa que o mundo burguês conseguiu realizar ao longo dos séculos
entre mundo espiritual e mundo reacionário. A revolução, para surtir efeito,
deve ser política e econômica de um lado, espiritual e
moral do outro. É nessa perspectiva que uma filosofia
do compromisso se une com uma filosofia da história:
Nós
somos revolucionários duas vezes, mas em nome do espírito. Uma primeira vez,
que dura até que irá durar o gênero humano, porque a vida do espírito é uma conquista sobre a nossa
covardia. Uma segunda vez – e isso aconteceu nos anos ao redor de 1930 – porque
o mundo moderno está num estado de putrefação tão avançado e tão profundo, que
é necessária a queda total para que possam surgir novos brotos” (MOUNIER, 1984,
p. 37).
Sobre uma exigência espiritual se
desenvolve um julgamento histórico. Tão forte é o prevalecer dos
condicionamentos materiais neste período histórico, que é necessário realizar uma
revolução política e econômica antes daquela espiritual. Colocar em primeiro
lugar os problemas materiais é uma necessidade de uma época cuja parábola
burguesa chegou ao fim e as estruturas da sociedade sufocam a vida das pessoas.
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